Acórdão nº 0641786 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 14 de Fevereiro de 2007

Magistrado ResponsávelJOSÉ PIEDADE
Data da Resolução14 de Fevereiro de 2007
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam, em Conferência, os Juízes desta 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: No .º Juízo do TJ de Penafiel, processo Nº …/02.4TAPNF, foi julgado B………., acusado da prática de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217º e 218º, nº 1 do CP, tendo sido proferida Sentença com o seguinte dispositivo: - Julgar a acusação pública improcedente por não provada e, em consequência, absolver o arguido B………. do crime de que vinha acusado.

*Desta Sentença recorreu a Assistente C………., Lda, formulando as seguintes conclusões: 1. A Douta Sentença de que se recorre é nula, porquanto na sua fundamentação não observou o disposto nos arts. 379º, nº 1, al. a) e 374º, nº 2 do CPP, pelo que, vai a mesma arguida para efeitos do nº 2 do art. 379º do CPP; 2. Tal fundamentação era por demais necessária e premente, porquanto, o Tribunal a quo socorrendo-se do princípio in dubio pro reo, como efectivamente se socorreu, para absolver o arguido, e, não tendo feito o cotejo crítico e analítico de todas as provas produzidas em sede de Julgamento, ficam sérias dúvidas no espírito de um qualquer leitor, mais ou menos atento, sobre se efectivamente a dúvida a que o Tribunal a quo chegou era de facto, uma dúvida séria e razoável, que atirou o Julgador obrigatoriamente para, em sede de presunção de inocência, absolver o arguido; 3. Da Douta Sentença não consta a análise crítica do contributo dado pelas últimas 5 testemunhas arroladas pelo arguido, em sede de contestação, que não subscreveram a tese do mesmo ("ele tinha como certo que aquele dinheiro vindo do IAPMEI era para si, por estar previamente acordado com os sócios-gerentes da Assistente"), pelo que, se fica sem saber se efectivamente a "dúvida" a que chegou o Tribunal a quo é séria, real e verdadeira; 4. Tanto mais que, como a título de exemplo se expendeu, as testemunhas D………. e E………., que não subscreveram a tese do arguido, deram um contributo claro, imparcial e objectivo, tendo até aquela esclarecido o Tribunal a quo que o IAPMEI só em Junho de 2001 é que deu por concluído o processo relativo ao Incentivo a que a Assistente se havia candidatado e, só nessa altura, é que quantificou o montante exacto a que a Assistente tinha direito, no montante exacto de €13.950,45; 5. Tendo o Tribunal a quo posto em crise a tese da Assistente, era salutar saber-se a razão porque fez "tábua rasa" deste depoimento, bem como dos restantes não objectivados em sede de cotejo crítico da prova produzida em Audiência de Julgamento, já que nem a tese do arguido, nem a tese da Assistente convenceram o Tribunal, sendo certo que até os docs. de fls. 6 a 19, 102, 105, 165 a 169, 251 a 253 e 477 a 485 denotaram "total irrelevância probatória" relativamente à questão do acordo prévio quanto ao destino da quantia do IAPMEI; 6. Para formação da sua convicção e, portanto, para colocar em crise a tese da Assistente, o Tribunal a quo lançou mão de provas não legalmente admissíveis, e daí partiu para a aplicação do princípio in dubio pro reo, nomeadamente, porque retirou ilações do doc. de fls. 18, junto aos autos, em sede de Inquérito, pela Assistente; 7. Documento esse que, contendo declarações da Assistente, cuja leitura em Audiência de Julgamento é vedada pela nº 1, al. b) do art. 356º do CPP, não pode contribuir para a formação da convicção do Julgador, porquanto o mesmo não foi produzido ou examinado em Audiência, nos termos do art. 355º do CPP (cfr. Acta da Audiência de Julgamento), tendo sido, por isso, precludido o direito ao contraditório; 8. Assim procedendo, o Tribunal a quo violou o disposto nos arts. 355º, 356º e 127º do CPP, bem como o princípio do contraditório, que desde já se arguiu para os devidos e legais efeitos; 9. Quanto à matéria de facto, o Tribunal a quo andou mal ao considerar não provados os seguintes factos: a) "Se o arguido preencheu e assinou a factura nº 2184 da assistente e o cheque do IAPMEI como se de um gerente se tratasse." - ponto 2 dos factos não provados, constantes da Douta Sentença de fls….; b) "Se o arguido se fez passar por gerente da assistente, com a intenção de obter um benefício que não lhe era devido, bem sabendo que desse modo causava prejuízo patrimonial à assistente C………., Lda" - ponto 3 dos factos não provados, constantes da Douta Sentença de fls….; 10. Ressalvada melhor e Douta opinião, o Tribunal a quo julgou incorrectamente estes pontos de facto, o que vai desde já alegado nos termos e para os efeitos do nº3, al. a) do art. 412º e 431º, al. a) do CPP; 11. Porquanto, ressalta à vista de um qualquer observador, por mais desatento que seja, que a assinatura do arguido vai aposta nos docs. de fls. 102 e 105 (cheque e recibo) por baixo de um carimbo próprio da gerência da Assistente; 12. Carimbo este que foi aposto pelo próprio punho do arguido no respectivo recibo e cheque constante de fls. 102 e 105 - cfr. nºs 8 e 10 dos factos provados constantes da Douta Sentença de fls….; 13. Por outro lado, resulta do nº 6 dos factos provados que "à data de cessão de quotas estava em curso no IAPMEI um projecto de SIR, a que a assistente se candidatara e através do qual lhe iria ser atribuído um montante a título de incentivo financeiro que ascendia a um montante não concretamente apurado, mas que faltava entregar a última tranche de 13.950,45; 14. Daqui se infere que o incentivo a conceder pelo IAPMEI, não fosse a astúcia do arguido, reverteria a favor da Assistente, fazendo parte do seu património, pelo que, sendo subtraído ao mesmo, daqui resultou um prejuízo efectivo no valor correspondente à diminuição do seu património, sendo de igual montante ao enriquecimento ilegítimo por parte do arguido no valor apurado de €13.950,45; 15. Ao julgar como julgou estes dois pontos de facto dados como não provados (nºs 2 e 3 dos factos não provados), o Tribunal a quo violou claramente o disposto no art. 127º do CPP, porquanto atentou frontalmente as mais elementares regras de Direito, e as mais básicas regras da experiência, sendo pois despicienda a conclusão a que chegou a livre convicção do Tribunal; 16. Conforme sobejamente exposto nas motivações supra apresentadas, o arguido foi sócio-fundador da Assistente, e, durante mais de 18 anos geriu os destinos desta empresa, como sócio e gerente da mesma, conhecendo, por assim dizer, "os cantos à casa"! 17. Não tendo sido carreados para os autos factos tendentes a afastar a imputabilidade dos actos praticados pelo arguido, tendo, antes de mais, sido dados como provados os factos nºs 1 a 10 e 16 dos factos provados, constantes da Douta Sentença, tem-se por obrigatória a conclusão de que o arguido sabia que para obter os seus intentos haveria de ter de se fazer passar por gerente da Assistente, sob pena de ver logrados os seus efeitos; 18. Assim é que o arguido utiliza o carimbo da gerência da Assistente, subscrevendo por baixo, a sua assinatura nos docs. de fls. 102 e 105; 19. Assim é que o arguido não apõe a sua assinatura em singelo nos referidos docs. de fls. 102 e 105, porquanto o mesmo é deveras bem sabedor que, sem esse carimbo, a sua assinatura não é só por si capaz de induzir em erro quer o IAPMEI quer o Banco, porquanto só assim consegue que o IAPMEI lhe envie o cheque, e, só assim, consegue "falsear" um endosso da Assistente a favor de si próprio, porquanto traduz a...

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