Acórdão nº 0615383 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 07 de Fevereiro de 2007

Magistrado ResponsávelMARIA LEONOR ESTEVES
Data da Resolução07 de Fevereiro de 2007
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam, em audiência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: 1. Relatório No .º Juízo do Tribunal Judicial de Espinho, em processo comum com intervenção do tribunal singular, foi submetido a julgamento o arguido G………., devidamente identificadas nos autos, tendo no final sido proferida sentença, na qual se decidiu condenar o arguido, pela prática, em concurso efectivo, de quatro crimes de ofensa à integridade física simples ps. e ps. pelo art. 143º nº 1 do C. Penal, nas penas de 70 dias de multa à taxa diária de 4 € por cada um dos crimes e, em cúmulo jurídico, na pena única de 170 dias de multa à taxa diária de 4 €. Mais foi o arguido condenado a pagar, a título de indemnização, a importância de 300 €, acrescida de juros à taxa legal desde a data da sentença e até integral pagamento, a cada um dos ofendidos B………., C………., D………. e E………., bem como a quantia de 122,80 €, também acrescida de juros à taxa legal desde a notificação e até integral pagamento, ao Hospital ………., de Espinho.

Inconformado com tal decisão, dela interpôs recurso o arguido, pretendendo que o processo seja declarado nulo desde o inquérito ou, se assim se não entender, que a sentença seja declarada nula, com a consequente absolvição do arguido, e formulando as seguintes conclusões: 1 °- A procuração passada conjuntamente pelos quatro pais dos menores à mandatária forense, Dra. H………., não especifica quais os poderes especiais que lhe são conferidos, omitindo a identificação do denunciado e o tipo legal de crime pelo que não é válida pois foi violado o n° 3, do artigo 49°, do C.P.P..

  1. - Uma vez que os ofendidos são menores, aquela procuração exigia intervenção notarial e ser lavrada por instrumento público, devendo a assinatura dos pais ser reconhecida presencialmente.

  2. - A advogada nos autos, e simultaneamente procuradora, com poderes para representar os menores, só poderia constituir outro mandatário forense se os representados o permitissem ou se essa faculdade resultasse do conteúdo da procuração ou da relação jurídica que a determinou pelo que foi violado o artigo 263° e 264°, ambos do C.C..

  3. - O número 2, do artigo 36°, do C.P.C. presume a faculdade de substabelecer o mandato, contudo a primitiva mandatária não fez nem renunciou ao mandato, nem este lhe foi revogado, nos termos do artigo 39° do C.P.C..

  4. - Assim, não ficou a primitiva mandatária desonerada das obrigações decorrentes do seu cargo de mandatária forense pelo que, tendo sido inquirida como testemunha na fase de inquérito e na audiência de julgamento, conforme se alcança das actas de julgamento e na fundamentação da prova, todo o processado enferma de nulidade insanável resultante da proibição da prova - n° 1, artigo 120°, do C.P.P..

  5. - A mandatária forense estava impedida de depor como testemunha de acusação a fls. dado que era representante dos ofendidos pelo que foi violada a alínea c), do artigo 135°, do C.P.P..

  6. - A audição da mesma em pleno julgamento contraria todos os princípios da legalidade pelo que foram violados os artigos 125°, 138°, assim como a alínea c), do artigo 135°, todos do C.P.P..

  7. - "A inquirição de uma testemunha deve incidir também sobre as suas relações de parentesco e interesse com o ofendido e sobre quaisquer circunstâncias relevantes para a avaliação da credibilidade do depoimento" artigo 138°, C.P.P..

  8. - Independentemente de todo o respeito e honorabilidade devidos à Ilustre Mandatária, é processualmente incompreensível que um mandatário possa ser inquirido na instrução e no julgamento, sabendo-se que o mesmo, como representante dos seus constituintes, pugna pela sua defesa; sendo, portanto, evidente ou natural o antagonismo emergente da defesa de interesses próprios e dos princípios que devem pautar os depoimentos prestados por uma testemunha.

  9. - Assim, os seus depoimentos devem ser reconhecidos e declarados nulos e, porque afectam todo o inquérito e audiência de julgamento, deverá ser considerada a nulidade da douta sentença.

    11 °- A revogação e renúncia do mandato forense devem ter lugar no próprio processo e são notificados os interessados e mandantes pelo que a intervenção de uma nova mandatária carecia, não só da revogação do mandato anterior, por parte dos pais dos ofendidos, como, ainda, da emissão de uma procuração forense a favor da segunda mandatária, que seria junta ao processo conjuntamente com o instrumento de ratificação.

  10. - O douto despacho de fls. 240, que após o julgamento veio a ordenar a notificação dos pais para suprir a incapacidade dos menores, assumida pela nova mandatária, Dra. F………., deveria ter sido precedido e instruído no sentido de ser revogado o primitivo mandato, de forma que fosse junta aos autos nova procuração e respectiva ratificação para validação da sua intervenção.

  11. - A representante das menores foi notificada a fls. 17 para formular o pedido cível nos termos do artigo 75° e 76° do C.P.P., não tendo todavia manifestado o propósito de o fazer até ao encerramento do inquérito.

  12. - Em 14/7/2005 a representante dos menores e o arguido foram notificados da acusação deduzida contra este, por carta registada com A/R, pelo que aquela dispunha do prazo de 10 dias para formular os pedidos de indemnização civil.

  13. - O prazo para deduzir seria de 10 dias, a contar de 15 de Julho até ao dia 23 de Setembro de 2005, último dia útil, mas somente o fez em 26/09/2005.

  14. - Assim, tinha decorrido o prazo peremptório para reclamar o pedido de indemnização civil- artigo 145°, n° 3, do C.P.C. - pelo que se extinguiu o direito de o praticar, tanto mais que não foi alegado o justo impedimento nem paga a multa.

  15. - Logo, o despacho que admitiu os pedidos de indemnização civil e, bem assim, o conhecimento do mesmo em plena audiência além da decisão que o apreciou e o julgou parcialmente procedente são nulidades sui generis do conhecimento oficioso.

  16. - Foram violados os artigos 49°, n° 2; 120°, n° 1; 125°; 133°, alínea C); 135°, alínea C) e 138°, todos do C.P.P.; artigos 264° e 265°, ambos do C.P.C. e, ainda, os artigos 263° e 264° do C.Civil.

  17. - As nulidades invocadas podem ser arguidas a todo o tempo e deviam ser conhecidas oficiosamente na fase do julgamento e sentença - artigo 119° e 120° do C.P.P. - pelo que a declaração de nulidade das mesmas afecta in totum o processado incluindo a própria sentença, não podendo, no caso em questão, ser aproveitados quaisquer actos - artigo 122° do C.P.P..

    O recurso foi admitido.

    Na resposta, o Ministério Público pronunciou-se no sentido da confirmação da decisão recorrida e consequente improcedência do recurso, formulando as seguintes conclusões: 1. O artigo 49.°, n.º 3, do Código de Processo Penal, não exige para efeito de apresentação de queixa criminal qualquer especificação de poderes desde que a mesma seja apresentada por mandatário judicial.

    1. Ao contrário do que o recorrente afirma, na procuração a que se reporta consta expressamente o nome do arguido G………., ainda que seja claro que a lei não exige que a queixa apresentada por mandatário judicial se consubstancie numa procuração que identifique, quer o agente quer o tipo de crime denunciado, pois trata-se de função deferida pelo legislador ao titular da acção penal, o Ministério Público.

    2. Carece de suporte legal a tese do recorrente no sentido de que a lei consagra a exigência de forma especial para a outorga de procuração a mandatário judicial pelos detentores do poder paternal em representação dos seus filhos menores, com reconhecimento presencial de assinatura, designadamente com o objectivo de ser exercido o direito de queixa em processo-crime.

    3. Todavia, tal questão carece totalmente de relevância jurídica pois para que se considere validamente exercido o direito de queixa basta que da comunicação do facto, dentro do prazo legal, à entidade competente, se depreenda, de forma inequívoca, a vontade de que seja exercida a acção penal.

    4. Por outro lado, a procuração outorgada pela denunciante, advogada, não menciona, em local algum, qualquer manifestação de vontade que incorpore um substabelecimento dos poderes que lhe foram originariamente conferidos pelos representantes legais dos ofendidos. Ao contrário do que sustenta o recorrente, é própria denunciante, e não aqueles, quem constitui sua bastante procuradora a colega ali indicada.

    5. Todavia, ainda que se reconhecesse a existência de algum vício nos actos invocados, estes não enfermariam certamente de nulidade mas de irregularidade, já que, nos termos do disposto no artigo 118.°, n.º 1, do Código de Processo Penal, "a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei", o que claramente não resulta da norma chamada à colação pelo recorrente (artigo 49.°, n.º 3, do Código de Processo Penal) no caso concreto. Assim, caberia ao arguido o ónus de invocar a suposta irregularidade do acto em causa, ao abrigo do disposto nos artigos 118.°, n.º 2 e 123.°, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, o que aquele não fez, estando o acto processualmente sanado para os devidos efeitos legais.

    6. O mesmo raciocínio deve ser transposto relativamente ao depoimento prestado pela mandatária dos ofendidos em...

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