Acórdão nº 0612204 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 31 de Janeiro de 2007

Magistrado ResponsávelMARIA DO CARMO SILVA DIAS
Data da Resolução31 de Janeiro de 2007
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam, em audiência, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto:*I- RELATÓRIO No …º Juízo de Competência Criminal do Tribunal Judicial de Vila do Conde, nos autos de processo comum (Tribunal Singular) nº ……./04.4GFMTS, foi proferida sentença, em 15/11/2005 (fls. 99 a 113), constando do dispositivo, na parte que interessa ao conhecimento do recurso, o seguinte: "IV. DECISÃO: Pelo exposto, o tribunal decide: Absolver o arguido B………………, como autor material, pela prática de um crime tráfico de menor gravidade, previsto e punido pelo art. 25.º, al. a), da Lei 15/93, de 22/01, de que vinha acusado.

Condenar o arguido B……………., como autor material, pela prática de um cultivo de estupefacientes, previsto e punido pelo art. 40.º, n.º 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, numa pena de dias 20 de multa à taxa diária de 15 €, o que perfaz a quantia de 300 euros.

Condenar o arguido no pagamento das custas do processo, fixando em 2 UC's a taxa de justiça devida, e em ½ daquele valor a procuradoria, acrescida de 1% para o Fundo de Apoio à Vítima, a qual será considerada receita própria do CGT, nos termos do art. 13.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 423/91, de 30/01 Declarar perdido a favor do Estado o produto estupefaciente apreendido, nos termos do art. 35.º, n.º 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.

Determinar a destruição, após trânsito, do produto estupefaciente apreendido, nos termos do art. 39.º, n.º 3, do mesmo diploma legal.

Ordenar, após trânsito, a remessa de certidão da sentença ao Instituto Português da Droga e da Toxicodependência, nos termos do art. 64.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, bem como à Comissão para a Dissuasão da Toxicodependência competente para o que tiverem por conveniente.

(…)"*Não se conformando com a dita sentença, o MºPº interpôs recurso dessa decisão (fls. 124 a 127), no prazo a que se refere o artigo 145 nº 5 do CPC (alegando justo impedimento), formulando as seguintes conclusões: "- O cultivo para consumo, como a detenção para consumo de produtos estupefacientes, quando exceda o valor necessário ao consumo médio de 10 dias, como se deu como provado nos autos, com a entrada em vigor da Lei n° 30/2000 continua a ser punido pelos art°s. 21 °, n° 1, e 25°, alínea a), do Decreto-Lei n° 15/93 e não ao abrigo do artº 40°, n° 1, do mesmo diploma; - A douta sentença ao absolver o arguido da prática do crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artº 25°, alínea a), do Decreto-Lei n° 15/95, e ao integrar o cultivo e detenção para consumo naquela última norma violou, no caso, o disposto no referido artº 25°, alínea a)." Termina pedindo a revogação da sentença e a sua substituição pela condenação do arguido como autor material pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25, alínea a), do Decreto-Lei nº 15/93.

*Na 1ª instância, o arguido não respondeu ao recurso interposto pelo MºPº.

*Nesta Relação, o Sr. Procurador-Geral Adjunto limitou-se a apor visto.

Feito o exame preliminar a que se refere o art. 417 nº 3 do CPP e, colhidos os vistos legais, realizou-se a audiência.

Cumpre, assim, apreciar e decidir.

*Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos com relevo para a decisão da causa: "

  1. No dia 15 de Setembro de 2004, cerca das 15 horas, agentes do Núcleo de Investigação Criminal da Guarda Nacional Republicana dirigiram-se ao Lugar ………, freguesia de ……., nesta comarca, e verificaram que o arguido possuía: - Num terreno que cultivava existente próximo da sua residência: dois pés de uma planta de «cannabis», com o peso líquido de 2.715 gramas.

    - No pátio da residência: dois vasos localizados em cima de uma mesa, contendo em cada um, três pés de uma planta de «cannabis», com o peso líquido de 7,500 gramas.

    - Várias sementes de «cannabis», acondicionadas em caixas metálicas, existentes na cozinha, na sala e no sótão do arguido, com o peso total líquido de 71,60 gramas.

    - Sessenta e quatro (64) saquetas de plástico, de cor transparente.

    - Dezasseis (16) folhas (secas) de «cannabis», acondicionadas no interior de uma revista, com o peso líquido de 8,290 gramas.

    - Um pedaço de «cannabis», transportado pelo arguido no bolso das calças, com o peso líquido de 4,020 gramas.

  2. As plantas, sementes e o pedaço de haxixe referidos destinavam-se ao consumo do arguido, que, à data dos factos, consumia diariamente.

  3. O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que o cultivo e a detenção estupefacientes, ainda que para seu consumo, mas naquelas quantidades, são proibidos e punidos por lei.

  4. O arguido é solteiro, vive com a sua mãe, trabalha na construção civil auferindo 35€/dia e trabalha 5 dias por semana.

  5. O arguido tem o 4.º ano de escolaridade.

  6. O arguido não tem antecedentes criminais." Quanto aos factos dados como não provados consignou-se o seguinte: "Para além dessa factualidade, com relevo para a decisão, não se provaram quaisquer outros factos e, designadamente, não se provou que: a) O arguido era referenciado pelas entidades policiais, à data da sua detenção e anteriormente a esta, como indivíduo ligado à venda de produtos de natureza estupefaciente.

  7. O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, com o intuito de, através do cultivo e venda de estupefacientes (haxixe), lograr obter dinheiro que gastava em proveito próprio, bem sabendo que a venda de haxixe, é proibida e punida por lei.

  8. As 64 saquetas de plástico apreendidas ao arguido eram por este utilizadas para o acondicionamento do produto estupefaciente." Da respectiva motivação da matéria e facto provada e não provada, fez-se constar o seguinte: "No que diz respeito à factualidade dada como assente e discriminada nas alíneas a) a c) dos factos provados a convicção do tribunal filiou-se nas declarações prestadas pelo próprio arguido, que admitiu cultivar as plantas constantes da acusação num terreno próximo da sua residência, bem como em 2 vasos existentes no pátio da casa onde habita, bem como deter as sementes, as folhas secas encontradas no interior de uma revista e o pedaço de cannabis que trazia consigo, justificando esse cultivo e essa detenção pelo facto de ser consumidor dessa substância, negando possuí-las para venda.

    As testemunhas C…………. e D…………… - agentes da G.N.R. que elaboraram o auto de notícia de fls. 3 - confirmaram o teor do auto de notícia, esclarecendo em que locais se encontravam as substâncias apreendidas, tendo referido que o arguido, no momento da apreensão, justificou tal posse pelo facto de ser consumidor.

    Tiveram-se, ainda, conta o teor dos documentos juntos a fls. 12, 13 e 32 (auto de apreensão e relatório pericial).

    Quanto à situação económica do arguido, e ao seu passado criminal, tiveram-se em conta as suas próprias declarações e o C.R.C. de fls. 68.

    O tribunal considerou como não provado que o arguido era referenciado pelas entidades policiais, à data da sua detenção e anteriormente a esta, como indivíduo ligado à venda de produtos de natureza estupefaciente, face aos depoimentos dos senhores agentes da GNR que afirmaram em audiência que o arguido nunca foi referenciado como pessoa ligada à venda de estupefacientes.

    Para além disso, em audiência não foi feita qualquer prova de que o arguido vendia cannabis, já que nenhuma testemunha inquirida viu o arguido transaccionar o que quer que fosse, razão pela qual o tribunal considerou essa factualidade como não assente, bem como não considerou como não provado que as 64 saquetas de plástico apreendidas ao arguido eram por este utilizadas para o acondicionamento do produto estupefaciente face à total ausência de prova de que o arguido vendia.

    Face, portanto, à prova produzida e às declarações do arguido, o tribunal considerou como provado que as substâncias que o arguido cultivava, bem como as que aquele detinha eram destinadas para seu próprio consumo e não para venda."*II- FUNDAMENTAÇÃO 1.1. O objecto e âmbito do recurso, demarcados pelo teor das suas conclusões (art. 412 nº 1 do CPP), incidem sobre a questão de saber se houve erro de interpretação na subsunção dos factos ao direito, uma vez que o recorrente entende que a conduta do arguido integra a prática, em autoria material, do crime de tráfico de menor gravidade previsto no artigo 25º al. a) do DL nº 15/93 de que vinha acusado.

    1.2. Antes de mais, pese embora não exista recurso da matéria de facto (nos termos do art. 412 nº 3 do CPP) e não tenha sido alegado qualquer dos vícios previstos no art. 410 nº 2 do CPP, a verdade é que a sindicância da decisão sobre a matéria de facto no âmbito destes vícios é de conhecimento oficioso(1).

    Ora, compulsando o exame pericial para o qual remete a fundamentação de facto da sentença sob recurso, logo se verifica a existência de lapso na indicação dos pesos líquidos quer dos 6 pés da planta "cannabis" contidos (três em cada) nos dois vasos, quer dos dois pés da planta "cannabis" existentes no terreno cultivado próximo da residência do arguido.

    Para tanto basta consultar o teor do exame pericial constante de fls. 62 a 64 e confrontá-lo com os documentos de remessa de fls. 36 (guia de entrega) e de fls. 50 (ofício dirigido ao Laboratório de Polícia Científica).

    E, como sabido, quando é indicado o peso bruto dos produtos submetidos a exame laboratorial há que descontar a tara para encontrar o peso líquido.

    Ora visto o exame do LPC de fls. 62 a 64 verifica-se, no que respeita aos pés da dita planta contidos nos vasos, estes correspondem ao material recebido para exame sob os nºs 2 e 3.

    Enquanto o material recebido sob o nº 2 tem o peso líquido de 0,385 g., o do nº 3 tem o peso bruto de 7,500g.

    Isto significa que no material recebido sob o nº 3 há que descontar a tara indicada no material devolvido sob o mesmo nº 3 (amostra cofre), no valor de 5,860g.

    Assim, o peso líquido global dos 6 pés de cannabis plantadas nos ditos vasos (distribuídos três pés em cada vaso) é no total de 2,025g. (=0,385g. + 7,500g. - 5,860g.).

    Por outro lado, quanto aos dois pés da planta...

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