Acórdão nº 0636971 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 25 de Janeiro de 2007

Magistrado ResponsávelFERNANDO BAPTISTA
Data da Resolução25 de Janeiro de 2007
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam na Secção Cível do tribunal da Relação do Porto Companhia de Seguros X………., S.A., com filial na Rua ………., …, Porto, intentou contra Companhia de Seguros Y………., S.A., com sede na Rua ………., n.º .., Porto, acção declarativa de condenação, com a forma de processo ordinária.

Pede: A condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 18.367,83, acrescida de juros moratórios que se vencerem desde a citação até integral pagamento.

Alega: Que procedeu ao pagamento da quantia reclamada a título de capital em cumprimento de contrato de seguro por acidente de trabalho, que também foi de viação, sendo a ré a seguradora do veículo conduzido pelo causador do sinistro, pelo que, ao abrigo da Base XXXVII da Lei n.º 2 127, de 03-08-65, tem direito a receber desta tal montante.

A ré apresentou a contestação de fls. 101 e ss., onde pugnou pela improcedência da acção.

Em síntese, alegou que o direito da autora se encontra prescrito, ao abrigo do art. 498º do CC, e que, mesmo assim se não considerando, o fundamento jurídico invocado pela autora não lhe confere o direito invocado, pois, em cumprimento de transacção celebrada em sede de procedimento criminal, efectuou ao pagamento de uma indemnização de 5.000.000$00 à mãe do sinistrado, entretanto falecido, para ressarcimento de danos patrimoniais e não patrimoniais, pelo que a autora, ao abrigo da Base XXXVII, n.º2 da referida Lei, apenas pode exigir à mãe do sinistrado o reembolso das quantias que pagou.

A autora apresentou réplica, pugnando pela improcedência da excepção peremptória e procedência da acção, como se afere de fls. 117 e ss..

Em síntese, alegou que a conduta do causador do sinistro integra a comissão de um crime de ofensa à integridade física por negligência, sendo o prazo de prescrição de cinco anos (art. 498º, n.º3, do CC), o qual foi interrompido com a notificação à ré do pedido de intervenção por si deduzido no processo crime, sendo certo que só com a sentença, que homologou a transacção (proferida em 16-03-2001), é que o mesmo se iniciou, pois só a partir de então tomou conhecimento de que a ré assumiu perante o lesado o dever de indemnizá-lo pelo sinistro.

Findos os articulados, porque se entendia que a questão de mérito podia ser apreciada com a necessária segurança, foi proferido saneador-sentença, julgando-se a acção improcedente, com a consequente absolvição da ré do pedido.

Inconformada com tal decisão recorreu a autora, apresentando alegações que remata com as seguintes "CONCLUSÕES: 1 - No recibo de indemnização junto aos autos, apenas é dito que a recorrida pagou, pelos danos patrimoniais e não patrimoniais, aos sucessores da vítima, a quantia de 5.000.000$00.

  1. O recibo não especifica ou não faz qualquer divisão ou distinção entre o que é pago a título de dano não patrimonial e a título de dano patrimonial, não se sabendo, pois, quanto é que a recorrida pagou aos sucessores da vítima pelos danos patrimoniais.

3 - A recorrente, na presente acção, apenas pede o reembolso das despesas que efectuou a título de danos patrimoniais.

4 - Cabe à recorrida o ónus de prova do "quantum" que pagou aos sucessores da vítima pelos danos patrimoniais.

5 - Devem os autos prosseguir para que se faça prova de que o direito da recorrente se encontra "consumido" pela indemnização já paga pela recorrida aos sucessores da vítima.

6 - A douta sentença, violou, entre outros, o disposto na Base XXXVII da L 2127, de 03/08/1965, bem como o disposto no n° 1 do art° 342° do Código Civil." Não foram apresentadas contra-alegações.

Foram colhidos os vistos II. FUNDAMENTAÇÃO.

II.1. AS QUESTÕES: Tendo presente que: --O objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (arts. 684º, nº3 e 690º, nºs 1 e 3, do C. P. Civil); -- Nos recursos se apreciam questões e não razões; -- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, a questão suscitada consiste em saber se, para se aferir se o direito da apelante sobre a Ré se encontra "consumido" pela indemnização já paga por esta aos sucessores da vítima, impendia sobre a Ré/recorrida o ónus da prova do "quantum" lhes pagou a título de danos patrimoniais. Ou seja, se no recibo de indemnização junto aos autos se impunha fosse feita a destrinça dos quantitativos respeitantes a ressarcimento de danos patrimoniais e danos não patrimoniais.

II.2. OS FACTOS: No tribunal recorrido ("tendo em conta as alegações das partes, o disposto no art. 490º, n.º2, do CPC, e a documentação junta aos autos"), deu-se como assente a seguinte factualidade: No dia 22-11-1995, pelas 14H10, na EN n.º …, ao km 13,300, ………., Valongo, ocorreu o embate entre o veículo pesado de mercadorias de matrícula TR-..-.., conduzido por B………., enquanto trabalhador de C………., Lda., exercendo a sua profissão de motorista, e a viatura ligeira de passageiros com a matrícula ..-..-CO, conduzida por D………., pertencente a E………., Lda.; O veículo pesado de mercadorias de matrícula TR-..-.. seguia no sentido Alto da Maia / Valongo, pela metade direita da faixa de rodagem, a 30 km/hora, prestando o seu condutor atenção ao trânsito que se desenvolvia na via; A viatura ligeira de passageiros com a matrícula ..-..-CO circulava no sentido Valongo / Alto da Maia; Ao km 13,300 da referida faixa de rodagem, no lado esquerdo, atento o sentido Valongo / Alto da Maia, existe um cruzamento com a faixa de acesso à AE .; O condutor da viatura ligeira de passageiros com a matrícula ..-..-CO, ao aproximar-se do referido cruzamento, tomou o lado esquerdo da faixa de rodagem, para mudar de direcção à esquerda, a fim de entrar na faixa de acesso à AE . acima mencionada; Por conduzir distraído e imprimir ao veículo velocidade de 60 km/hora, o condutor da viatura ligeira de passageiros com a matrícula 88-21-CO não conseguiu dominar a sua trajectória; Em consequência, a viatura ligeira de passageiros com a matrícula ..-..-CO prosseguiu a sua marcha e entrou no referido cruzamento, transpondo o eixo da via e atravessando-se obliquamente na hemi-faixa de rodagem esquerda, no preciso momento em que o veículo pesado de mercadorias de matrícula TR-..-.. passava no local, cortando a linha de circulação deste; O condutor da viatura ligeira de passageiros com a matrícula ..-..-CO conduziu da forma descrita acima sem accionar o sinal luminoso de mudança de direcção à esquerda e sem se assegurar que poderia actuar dessa forma sem colocar em perigo a circulação dos outros veículos na via; Em consequência do acima referido, ocorreu o embate mencionado em 1; Em consequência do embate, o veículo pesado de mercadorias de matrícula TR-..-.. foi projectado contra o veículo com a matrícula ..-..-BU, conduzido por F………., que se encontrava parado no referido cruzamento, aguardando oportunidade para entrar na EN n.º …; Na altura do sinistro, D………. conduzia a viatura ligeira de passageiros com a matrícula ..-..-CO com autorização e ao serviço da sua dona; Em consequência do sinistro, B………. sofreu lesões; Para apuramento da responsabilidade criminal de D………. pela ocorrência do sinistro acima referido, foi instaurado procedimento criminal, ao qual foi atribuído o n.º …/96.3TDPRT, que correu termos no .º Juízo deste Tribunal, onde foi deduzida, contra o mesmo, a acusação cuja cópia consta de fls. 16 e ss., pela prática do crime de ofensa à integridade física com negligência na pessoa de B………., p. e p. pelos arts. 148º, n.º1 e 2, com referência ao art. 144º, als. b), c) e d), todos do CP; No mesmo processo, G………., na qualidade de mãe e única herdeira de B………., formulou pedido de indemnização civil contra H………., S.A., no valor de 11.149.000$00, através de articulado que foi apresentado ao processo no dia 30-03-2000 - cfr. fls. 19 e ss.; Através da cota 16 e apresentações 16/17-001031, respeitante à ré, inscrita na 1ª Conservatória do Registo Comercial do Porto sob o n.º 3329/950622, H………., S.A., foi incorporada na ré; A ora ré, assumindo-se como sucessora da H………., S.A, apresentou contestação no processo referido em 14, onde alegou, além do mais, que, para B………. o sinistro descrito na acusação foi também acidente de trabalho, e requereu a intervenção da ora autora, na qualidade de seguradora da entidade empregadora do mesmo, informar o Tribunal de quanto havia pago a este - cfr. fls. 49 e ss.; A autora, por carta registada no dia 26-02-2001, comunicou ao processo crime acima referido que havia despendido, a título de indemnizações devidas por acidente de trabalho com o tratamento do sinistrado B………., a quantia total de 3.682.420$00 e requereu a sua intervenção principal expontânea, ao lado da demandante, em relação ao valor despendido - cfr. fls. 56 e ss.; Por despacho cuja cópia consta de fls. 67 e ss., notificado à ora autora por carta registada em 14-03-2001, o incidente de intervenção principal espontânea acima mencionado foi indeferido; Na audiência de julgamento realizada no dia 16-03-2001, no âmbito do processo referido em 14, a ora ré celebrou com G………. a transacção cujos termos constam de fls. 46 e ss., na qual consta que esta, mediante o pagamento da quantia de 5.000.000$00 por parte da ré, se considera inteiramente paga e satisfeita de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais que lhe resultaram e derivados do acidente de que tais autos tratam em que foi vitimado B………., a qual foi homologada por sentença proferida em tal data; Na mesma diligência, por despacho...

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