Acórdão nº 0651966 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 15 de Janeiro de 2007
Magistrado Responsável | CURA MARIANO |
Data da Resolução | 15 de Janeiro de 2007 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Proc. nº ..-A/1999, do .º Juízo Cível de Matosinhos Rec. nº 1966/06 - 5 (Apelação) Relator:João Cura Mariano Adjuntos: Pinto Ferreira Marques Pereira Embargante: B………., S.A.
Embargados: C……….
D……….
Assistente do embargante: E……….
*B………., S.A. deduziu embargos de terceiro a penhora de um veículo automóvel efectuada no processo executivo movido pela embargada D………. ao embargado C………. .
Alegou o seguinte como fundamento dos embargos: - O veículo penhorado tem reserva de propriedade a seu favor, sendo a titular inscrita E………. .
- O embargante celebrou com esta um contrato de financiamento destinado à aquisição daquele veículo a F………. .
- A venda deste à E………. foi feita com reserva de propriedade a favor da embargante.
- A mutuária E………. tem prestações do mútuo em atraso e o embargado C………. é irmão, utilizando, por força desse parentesco, aquele veículo.
- O embargante pode fazer valer a reserva de propriedade perante os credores do comprador em caso de penhora.
Concluiu pela procedência dos embargos e o levantamento da penhora do veículo automóvel.
Contestou a embargada D………., alegando o seguinte: - A cláusula de reserva de propriedade a favor da embargante é nula.
- O verdadeiro proprietário do veículo em causa é o embargado C………., tendo sido um negócio simulado a intervenção de E………. .
Concluiu pela improcedência dos embargos e pelo reconhecimento do direito de propriedade sobre o veículo automóvel a favor de C………. .
Respondeu o embargante discordando da tese da nulidade da cláusula de reserva de propriedade.
Concluiu como na p.i. e pela improcedência do pedido de reconhecimento do direito de propriedade.
Foi admitida a intervenção neste processo, como assistente da embargante, de E………. .
Realizou-se audiência de julgamento, tendo posteriormente sido proferida sentença que julgou improcedentes os embargos de terceiro.
Desta sentença recorreu o embargante, com os seguintes fundamentos: "- Por incidente de oposição à penhora mediante embargos de terceiro, e ao abrigo do disposto nos arts. 351º e ss do C.P.C., veio a ora Apelante, requerer o levantamento de penhora incidente sobre o veículo automóvel da marca BMW, modelo ………, com a matrícula ..-..-BU - Sobre a referida viatura existe reserva de propriedade registada a favor da embargante, ora Apelante, pelo que é oponível a terceiros - O Tribunal a quo por sentença, veio entender que não obstante a B………., S.A., ter registada a seu favor reserva de propriedade sobre o veículo penhorado este instituto não é aplicável ao caso sub judice, uma vez que o contrato que lhe está subjacente é um contrato de financiamento de aquisições a crédito e não um contrato de compra e venda.
- Foi de igual entendimento do Tribunal Recorrido que, "…só o titular do direito de propriedade - o vendedor - pode reservar para si a propriedade da coisa por determinado período de tempo, estando vedado tal possibilidade a quem nunca deteve a propriedade da mesma (…)".
- Resultou sobejamente provado que ora Apelante celebrou o contrato de financiamento de aquisições a crédito nº. ….., com E………., tendo como objecto a viatura da marca BMW modelo ………., com a matrícula ..-..-BU, (vide pontos 2 e 3 da fundamentação de facto da douta sentença recorrida).
- Para garantia das obrigações assumidas pelos mutuários, a Apelante constituiu e registou a seu favor ónus de reserva de propriedade sobre o bem financiado (viatura automóvel referida no ponto anterior), facto esse que de igual modo resultou provado (ponto 2 da fundamentação de facto da douta sentença).
- O instituto da reserva de propriedade, conforme melhor resulta do supra citado artigo, não é mais do que uma condição suspensiva do próprio contrato de compra e venda, pelo que suspende os efeitos do contrato (no caso a transferência de propriedade) até integral pagamento do preço.
- Pese embora a reserva de propriedade seja utilizada, sobretudo, nas situações em que a venda é feita a prestações servindo como garantia até integral pagamento do preço convencionado, tem sido analogicamente aplicado aos contratos de financiamento de aquisições a crédito, por se tratar de garantir pagamento em prestações do montante mutuado para aquisição de um bem determinado e perfeitamente identificado.
- Mais ainda no âmbito e ao abrigo do princípio da liberdade contratual este instituto pode ser aplicado noutro tipo de contratos, como seja o contrato de financiamento de aquisições a crédito.
- Acrescente-se ainda que a interdependência entre o contrato de financiamento e a compra e venda é de tal forma clara e evidente que faz todo o sentido a constituição da reserva de propriedade a favor da financiadora.
- Nesse mesmo sentido tem apontado o entendimento doutrinário nomeadamente o Sr. Prof. Dr. Mota Pinto, in Direitos Reais, pág.66, que defende que com este instituto o que se pretende é que o credor (não necessariamente o comprador) do preço fique numa situação privilegiada, face aos demais credores.
- Por outro lado e observando os princípios que devem reger o intérprete na aplicação da lei, mormente art. 9º do C.C., a interpretação do art. 409º do C.C. não pode reduzir a sua aplicabilidade apenas à relação comprador e vendedor, sob pena de estarmos perante uma interpretação restritiva e literal das normas legais.
- Na verdade estabelece o art. 409º nº 1 in fine como possível a ocorrência de qualquer outro evento futuro como condicionante da transferência de propriedade que não apenas o...
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