Acórdão nº 0447381 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 13 de Dezembro de 2006

Magistrado ResponsávelERNESTO NASCIMENTO
Data da Resolução13 de Dezembro de 2006
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam, em conferência, na 2ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto I. Relatório I. 1. No .º Juízo Criminal da comarca de Matosinhos, depois de deduzida acusação pelo MP, imputando à arguida B………., factos que ali foram qualificados como susceptíveis de integrar o tipo legal de crime de dano, p. e p. pelo artigo 212º/, foi proferido o seguinte despacho: o Tribunal é competente.

Autue como processo comum com intervenção do Tribunal Singular.

A acusação foi deduzida por quem tem legitimidade para exercer a acção Penal.

Não se verificam nulidades insanáveis.

Cumpre, no entanto, analisar a acusação em função do tipo de crime nela imputado.

A acusação imputa à arguida a prática de um crime de dano, p. e p. pelo art.º. 212° do CP.

De acordo com a leitura do art.º. 212° do CP, para que se verifique este tipo de ilícito é necessário, além do mais, que haja actos sobre "coisa alheia", sendo certo que o valor jurídico protegido com a incriminação é o direito de propriedade de alguém. Por outro lado, ofendido é, nos termos da lei (cfr. art°. 68°, n°.1, al.a) do CPP), o titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação. Ou seja, o interesse que a lei especialmente quis proteger com esta incriminação foi a salvaguarda do direito de propriedade nas suas vertentes de uso e fruição; isto é, a propriedade plena.

Por conseguinte, o ofendido, neste tipo de crimes, há-de ser o titular do direito de propriedade sobre a coisa que é alvo de dano: daí o sentido de "coisa alheia". Isto é, "coisa alheia", para este tipo de ilícito criminal, é aquela cujo direito de propriedade pertence a outrem, que não o agente. Se o agente for o titular do direito de propriedade sobre a coisa, então não pode haver crime: haverá, quando muito, em casos de arrendamento, um ilícito civil.

E nem outra pode ser a conclusão mesmo em casos de arrendatários que pretendem reagir contra actos do senhorio (e, portanto, proprietário). É que admitir que um mero titular de um direito de gozo (casos de arrendamento) possa assumir a veste de ofendido e demandar criminalmente o proprietário, é deslocar o eixo dos "interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação" para uma outra esfera e, simultaneamente, esvaziar completamente de conteúdo a figura do direito de propriedade.

Ora, o caso dos autos é paradigmático neste particular, uma vez que os tanques e torneiras não pertencem aos queixosos mas estão afectos a cada uma das habitações; isto é, pertencem, em termos de direito de propriedade, à arguida. Os queixosos apenas têm um direito de gozo sobre tais tanques (sendo que esse direito de gozo advêm da celebração do contrato de arrendamento e por via dessa afectação á respectiva habitação) - mutatis mutandis para as respectivas torneiras.

O que significa, obviamente, que a arguida praticou actos sobre coisas que lhe pertencem, muito embora tenha cedido o gozo a terceiros. Logo, não se verifica o requisito de "coisa alheia", pelo que, consequentemente, não há crime, em sentido similar cfr. Acs. RC de 03/O5/89, CJ XVI, tomo 3, pág. 94; RP de 11/11/92, CJ XVII, tomo 5, pág. 247. Atenta a conclusão formulada entende-se ser de rejeitar a acusação ao abrigo do disposto no art.º. 311°, n°.2, al. a) e n°.3, al. d), do CPP.

Sem custas - por delas estar o Ministério Público isento. Notifique.

  1. 2. Inconformado, recorreu a Magistrada do MP, apresentando as seguintes conclusões: 1. O direito penal não tutela apenas a propriedade plena da coisa, tal como este conceito é entendido em termos cíveis; 2. Assim, em termos jurídico-penais, o Mmo. Juiz não tem razão, nomeadamente quando afirma, no despacho recorrido, que no caso «não se verifica o requisito de "coisa alheia"»; 3. Na verdade, a expressão "coisa alheia" constante do art. 212° n° 1 do C. Penal actual não é só a "propriedade" plena da coisa, mas também o direito ao gozo, fruição e guarda dela, pois é esse o interesse próprio do sujeito passivo do crime; 4. Assim, a alienidade, elemento constitutivo do crime de dano, coloca-se também no caso de ser o senhorio a danificar, em prejuízo do inquilino, a coisa em referência; 5. Tal como, aliás, em hipótese de compropriedade, verificando-se o dano desde que um dos comproprietários da coisa comum a danifique, privando os demais de exercerem sobre ela os seus direitos; 6. Em conformidade, se, como o Mmo. Juiz refere do despacho recorrido, os queixosos têm um direito ao gozo sobre os tanques e torneiras em referência, direito esse que advém da celebração de contrato de arrendamento e, por via dessa afectação, à respectiva habitação, segundo cremos, do supra exposto é lícito concluir estar definida a legitimidade de queixa dos ditos queixosos...

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