Acórdão nº 0626426 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 12 de Dezembro de 2006
Magistrado Responsável | EMÍDIO COSTA |
Data da Resolução | 12 de Dezembro de 2006 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação do Porto: RELATÓRIO B………. intentou, no Tribunal Judicial da Comarca da Maia, a presente acção com processo sumário contra: C………., Lda, pedindo a condenação desta a reconhecer que o Autor tinha direito a que lhe fosse colocado, em ambas as fracções adquiridas o pavimento autonivelante; a reconhecer que, apesar de interpelada para o efeito, a Ré não procedeu à colocação daquele material em falta; em considerar legítimo o recurso a terceiro para colocar o pavimento autonivelante, por forma ao Autor poder iniciar a sua actividade profissional; em conformidade, ser a Ré condenada a pagar ao Autor a quantia de €4.594,59, a título de indemnização decorrente das despesas suportadas pelo autor para efectuar a pavimentação.
Subsidiariamente, peticiona o Autor a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de €4.594,59, correspondente ao enriquecimento que a Ré retirou do facto de não ter suportado ela mesma as despesas decorrentes da colocação dos materiais em falta.
"Em qualquer caso", peticiona o A. a condenação da Ré a pagar juros de mora à taxa legal de 7% desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Alegou, para tanto, em resumo, que outorgou com a Ré dois contratos promessa de compra e venda de duas fracções, pelos preços globais de € 55.373,78 e € 44.891,81; a Ré comprometeu-se a vender ambas as fracções com acabamentos e materiais nos interiores, designadamente, de pavimento em autonivelante; que recorreu ao chamado "leasing imobiliário" como modo de financiar a aquisição de ambas as fracções, tendo o D………., S.A., adquirido as duas fracções e outorgado com o Autor contrato de locação financeira imobiliária segundo o qual deu de locação ao Autor aquelas fracções, as quais ainda não se encontravam plenamente concluídas na data da outorga da escritura faltando, designadamente, a aplicação de pavimento autonivelante; a Ré sempre se comprometeu a terminar e concluir as referidas fracções só o tendo feito quanto à pintura das paredes; o Autor insistia junto da Ré para que concluísse a obra, sem que esta o fizesse, pelo que, no dia 5/08/2002, o Autor, enviou uma carta registada à Ré concedendo-lhe o prazo de 10 dias úteis para colocar o pavimento autonivelante em falta naquelas fracções, sob pena de encarregar terceiros de o colocar, imputando-lhe o respectivo preço; que perante a resposta negativa da Ré, o Autor, para evitar mais prejuízos, viu-se "forçado a entregar a terceiro a conclusão da obra" (concretamente o pavimento autonivelante para o chão).
Contestou a Ré, alegando, também em resumo, que na memória descritiva dos contratos-promessa dos autos, o "interior" refere-se às partes comuns do edifício, assinalando, designadamente, o hall de entrada e elevadores, tendo sido contratado oralmente entre o Autor e a gerência da Ré que o revestimento das fracções correria a cargo do Autor; termina, por isso, pedindo a improcedência da acção.
Dispensou-se a selecção da matéria de facto, com invocação da sua simplicidade.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, finda a qual o Tribunal consignou nos autos os factos que considerava provados, o que não foi objecto de qualquer reclamação.
Finalmente, verteu-se nos autos sentença que, julgando a acção totalmente improcedente, absolveu a Ré do pedido.
Inconformado com o assim decidido, interpôs o Autor recurso para este Tribunal, o qual foi admitido como de apelação e efeito meramente devolutivo.
Alegou, oportunamente, o apelante, o qual finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões: 1ª - "A tese do Autor radicava essencialmente nos seguintes aspectos: o contrato com a Ré; a obrigação desta colocar o pavimento-auto-nivelante; o incumprimento de tal obrigação; o valor dispendido pela Ré com a colocação do pavimento; 2ª - Os factos alegados pelo Autor obtiveram uma resposta positiva no tocante à existência e conteúdo do contrato promessa; a obrigação da Ré colocar o pavimento auto-nivelante; a conclusão do negócio com recurso à locação financeira; a recusa da Ré em colocar o pavimento e o valor dispendido pelo Autor com a colocação do pavimento; 3ª - O artigo 1º do Decreto-Lei nº 171/79 define o contrato de locação financeira nos seguintes termos: é aquele pelo qual uma das partes se obriga a adquirir a um terceiro determinados bens (móveis ou imóveis) que a outra parte tenha indicado previamente, contra o pagamento de preço antecipadamente convencionado, concedendo-lhe seguidamente o seu uso, durante certo período de tempo, mediante pagamento de um preço; 4ª - É o locatário que se dirige ao fornecedor, escolhe o bem, fixa o preço, demais condições de transacção do bem e do contrato, pois é ele quem tem interesse próprio na utilização do bem; 5ª - Dada a natureza específica da locação financeira incumbe ao locatário accionar o produtor-vendedor por qualquer defeito ou incumprimento contratual, pois o locador subroga no locatário em todos os direitos que lhe assistem contra o vendedor-fabricante por defeitos da coisa ou cumprimento defeituoso do contrato; 6ª - Nos termos do contrato de locação financeira celebrado pelo Autor e junto com a petição inicial sob o nº 8, o locatário ficou obrigado a tomar com oportunidade todas providências, incluindo as judiciais se a elas houver lugar, contra o vendedor/ou construtor do imóvel, visando a reparação dos vícios ou defeitos detectados; 7ª - O Autor viu-se obrigado a proceder à aplicação do pavimento suportando o respectivo custo, muito embora este estivesse incluído no valor pago pela locadora, que se limitou a financiar a compra; 8ª - Ao locatário - em locação financeira - assistem os direitos previstos nos artigos 905º e seg. do Código Civil aplicáveis por força do artigo 913º do C. Civil; 9ª - O Autor ficou empobrecido na exacta medida em que procedeu ao pagamento do pavimento e está obrigado a pagar o valor da aquisição à locadora que já incluía esse custo; 10ª - A Ré ficou enriquecida pois recebeu o preço total das fracções e não custeou o pavimento, como era sua obrigação; 11ª - Existiu um enriquecimento da Ré, contra o empobrecimento do Autor, sendo a medida do enriquecimento correspondente ao valor pago por este com a referida colocação e tal enriquecimento é de todo injustificado, imoral e injusto; 12ª - Em qualquer dos casos a Ré deveria ser condenada a pagar ao Autor a quantia de 4.594,59 €, acrescida de juros à taxa legal para as obrigações civis até integral e efectivo pagamento; 13ª - A douta decisão violou, nomeadamente, o disposto nos artºs 227º, 236º, 406º, 473º, 913º, do C. Civil e o Decreto-Lei nº 171/79".
Não foi apresentada contra-alegação.
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, nos termos do disposto nos artºs 684.º, n.º3, e 690.º, n.º 1, do C. de Proc. Civil.
De acordo com as apresentadas conclusões, a questão fulcral a decidir por este Tribunal é a de saber se o apelante tem direito a receber da apelada a peticionada quantia, seja à luz das regras dos artºs 905º e segs. do C. Civil, seja através do instituto do enriquecimento sem causa.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre decidir.
...............
OS FACTOS Na sentença recorrida, foram dados como provados os seguintes factos: 1º - O Autor é empresário e dedica-se, com intuito lucrativo, à actividade de restauração, bebidas e afins; 2º - A Ré é uma sociedade comercial que se...
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