Acórdão nº 0614063 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 04 de Outubro de 2006

Magistrado ResponsávelÉLIA SÃO PEDRO
Data da Resolução04 de Outubro de 2006
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto 1. Relatório "B………., LDA", assistente nos autos, recorreu para esta Relação do despacho que não pronunciou o arguido C………., formulando as seguintes conclusões: 1- A jurisprudência fixada no assento 4/2000, de 19/1/2000, restringe-se ao regime anterior à entrada em vigor do DL 454/91 e à vigência do C. Penal de 1982, não tendo aplicação nas situações posteriores à entrada em vigor daquele diploma e no domínio do art. 256º do C. Penal de 1995; 2- No domínio do art. 256º do C. Penal e do Dec. Lei 454/91, constitui facto juridicamente relevante a comunicação falsa de extravio de cheques às instituições de crédito sacadas por justificar a recusa de pagamento e por, se a conta não tiver fundos suficientes para o pagamento, obstar às consequências para o sacador da emissão de cheque sem provisão; 3- Nos autos há indícios suficientes da prática de dois crimes de falsificação de documentos, p. e p. pelo art. 256º, n.º 1, al. b) do C. Penal, decorrente das circunstâncias descritas, feitas pelo arguido ao D………., SA e à E………., SA, de falso extravio dos cheques, pelo que este deve ser pronunciado por eles; 4- O douto despacho recorrido ao decidir como decidiu violou o art. 256º, n.º 1 al. b) do C. Penal, bem como os artigos 1º, 1º-A, 2º, 3º, 8º, n.º 3, 11º, n.º 1, b) do Dec. Lei 454/91, com as alterações introduzidas pelo Dec. Lei 316/1997, de 19 de Novembro, Dec. Lei 323/2001, de 17 de Dezembro e 38/2003, de 24 de Abril, e violou o art. 308º, 1, parte e 2 do C. Penal.

O MP na 1ª instância respondeu à motivação, sustentando a validade da decisão de não pronúncia.

Nesta Relação, a Ex.ª Procuradora-geral Adjunta foi de parecer que o recurso não merece provimento, embora com fundamentação diversa da acolhida no despacho recorrido. "Na verdade (defende aquela Magistrada), após a vigência do DL 454/91, a questão de saber se a falsa declaração de extravio ou de furto constituía crime de falsificação, deixou de ter interesse, na medida em que a conduta consubstanciadora desse crime passou a integrar o crime de emissão de cheque sem cobertura p. e p. no seu artigo 11º, n.º 1, al. b) na redacção dada pelo Dec. Lei 316/97, de 19/11. Assim, o proibir à instituição sacada o pagamento de cheque passou a integrar crime de emissão de cheque sem cobertura, deixando de ser necessário convocar toda a jurisprudência até aí existente sobre qual o ilícito criminal que tal conduta integrava". Dado que os cheques em causa nos autos eram pós datados, a conduta do arguido está excluída da incriminação, por força do art. 11º, 3 do referido diploma.

Cumprido o disposto no art. 417º, 2 CPP, não houve resposta.

Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência.

  1. Fundamentação 2.1. Matéria de facto O despacho recorrido é do seguinte teor.

    "Despacho de não pronúncia proferido nos autos de instrução n.º ../05 (inquérito n.º …/05..TAMTS).

    A assistente "B………., Lda." veio requerer a abertura de instrução por não se conformar com o despacho de arquivamento dos autos pelo Ministério Público, alegando as seguintes razões de discordância: No dia 25 de Janeiro de 2005, a assistente participou criminalmente contra os legais representantes da sociedade "F………., Lda.", imputando-lhes a prática de dois crimes de burla, p. p., pelo artigo 218°, n.º 1 e 2, e um crime de simulação de crime, p. e p. pelo artigo 366°, todos do Código Penal.

    Os factos constantes da referida participação criminal são os seguintes: 1°- A denunciante dedica-se à actividade de montagens de instalações eléctricas.

    1. - A representada dos denunciados dedica-se à produção de eventos.

    2. - No exercício das respectivas actividades, a denunciante, em Junho de 2004, a pedido dos denunciados, procedeu à montagem da instalação eléctrica do evento denominado "G……….", que decorreu nas antigas instalações da H………., sitas na zona vulgarmente conhecida por ………., no concelho de Matosinhos, tudo nos termos dos orçamentos nº 04102A3 e 04102TM1 (cfr. doc. 10 a 14).

    3. - O preço desses trabalhos realizados pela denunciante ascendeu a € 53.051,51, com IVA incluído, conforme facturas n.ºs 2663A e 2668A, de 17 de Junho e 21 de Junho de 2004 (cfr. doc. de fls. 15 e 16).

    4. - O pagamento desse preço, conforme o acordado, deveria ter sido efectuado nas datas das referidas facturas, o que não se verificou (cfr. doc. de fls. 17).

    5. - Para pagamento parcial do preço, os denunciados emitiram e entregaram à denunciante, em 18 de Junho de 2004, um cheque no valor de € 20.000 que, apresentado a pagamento, foi devolvido com a indicação de falta de provisão, em 18/06/2004 (cfr. documento de fls. 17).

    6. - Na sequência da devolução desse cheque, e das consequências daí decorrentes para o giro comercial da representada dos denunciados, a denunciante acordou, em 30/06/2004, a pedido daqueles, que o pagamento do valor integral dos trabalhos efectuados fosse feito em 4 prestações, sendo: - Uma no valor de € 12.500, em 30/06/2004; - Outra no valor de € 10.000, em 30/07/2004; - Outra no valor de € 10.000, em 31/08/2004; - E a última no valor de € 20.551,51, em 20/09/2004.

    7. - Para titular aqueles montantes, os denunciados preencheram, assinaram e entregaram à denunciante quatro cheques, todos eles sacados sobre o "D………., SA", apondo-lhes no local destinado à data, os dias de pagamento supra mencionados.

    8. - O primeiro dos referidos cheques destinado ao pagamento daquela primeira prestação, no montante de € 12.500, depois de ter sido devolvido por falta de provisão, foi apresentado novamente a pagamento tendo sido pago pelo banco sacado.

    9. - O segundo dos referidos cheques destinado ao pagamento da segunda prestação do acordo, no montante de € 10.000, datado de 30/07/2004, tendo sido apresentado a pagamento, foi devolvido pelo banco sacado, por falta de provisão.

    10. - A pedido dos denunciados, para poderem justificar a regularização desse cheque devolvido por falta de provisão junto do banco sacado e do Banco de Portugal, a denunciante acordou em devolver-lho contra a entrega de um cheque, do mesmo valor, emitido com data de 08/12/2004.

    11. - Na sequência desse referido acordo os denunciados preencheram, assinaram e entregaram à denunciante um cheque sacado sobre a E………., SA, daquele montante, tendo os denunciados aposto nesse cheque a data acordada para o seu pagamento.

    12. - O terceiro cheque destinado ao pagamento da 3.ª prestação do acordo de pagamento referido no artigo 7.° supra, também no valor de € 10.000, datado de 31/08/2004, tendo sido apresentado a pagamento no balcão de Matosinhos do I………. foi devolvido por mandato do banco sacado, por falta de provisão (cfr. doc. de fls. 18).

    13. - O quarto cheque destinado ao pagamento da 4.ª prestação do supra aludido acordo pagamento, no valor de € 20.551,51, datado de 20/09/2004, tendo sido apresentado a pagamento no mesmo balcão do I………., em 21/09/2004, foi devolvido por mandato do banco sacado, em 23/09/2004, com a menção de "Chq. Rev. Extravio" (cfr. doc. de fls. 19).

    14. - O cheque sacado sobre a E………., SA, que foi emitido em substituição do cheque que titulou a segunda prestação do acordo de pagamento de 30 de Junho de 2004, datado de 8/12/2004, tendo sido apresentado a pagamento, em 13/12/2004, também junto do balcão de Matosinhos do I………., foi devolvido, em 14/12/2004, por mandato do banco sacado com a menção de "ch. Rev. Furto" (cfr. doc. de fls. 20).

    15. - Os denunciados, ao dar instruções aos bancos sacados para a revogação das ordens de pagamento contidas naqueles dois cheques, comunicando-lhes que os mesmos haviam sido, um extraviado e outro furtado, quiseram, e alcançaram, que esses bancos devolvessem esses referidos cheques com essas indicações.

    16. - Os denunciados bem sabiam que as razões invocadas junto daqueles bancos eram falsas, como sabiam que a denunciante era a legítima dona e possuidora desses cheques, por lhe terem sido entregues por eles, denunciados, para o pagamento da referida dívida da sua representada.

    17. - Os denunciados com a sua conduta quiseram, e conseguiram, impedir o pagamento das quantias tituladas nesses cheques pelos bancos sacados, com intenção de, deste modo, alcançar beneficio para si, ou para a sua representada, quer ao impedir o débito das quantias tituladas nos cheques, nas respectivas contas, quer ao evitar a devolução dos cheques por falta de provisão, e com isso, entre outras consequências, evitar a inibição do uso de cheque e a participação ao Banco de Portugal, benefícios que bem sabiam não lhes caber.

    18. - Os denunciados, por outro lado, com essa descrita conduta causaram prejuízo patrimonial à denunciante, o qual é, pelo menos, de valor igual ao do montante titulado naqueles dois cheques.

    19. - Os denunciados agiram livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram, como são, proibidas.

    "Registada, autuada e distribuída como inquérito, o Exmo Senhor Procurador Adjunto, considerando que os factos não eram subsumíveis a ilícito criminal, determinou, com o devido respeito, mal, o arquivamento do inquérito, nos termos do artigo 277°, nº 1 do CPP.

    No que concerne ao denunciado crime de simulação de crime, p. p, pelo artigo 366° do Código Penal, o Ex.mo Procurador Adjunto, autor do despacho de arquivamento, não realizou qualquer diligência que...

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