Acórdão nº 0515840 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 27 de Setembro de 2006

Magistrado ResponsávelJOAQUIM GOMES
Data da Resolução27 de Setembro de 2006
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam, após audiência, na 1.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto.

  1. RELATÓRIO 1.- No PCC n.º …../01.8RTDPRT da …..ª Vara Criminal do Tribunal do Porto em que são: Recorrente/arguidos: B……..; C……..

Arguidos: D…….; E……..

Recorrido: Ministério Público estes arguidos e outros foram submetidos a julgamento pela prática, em co-autoria, de um crime de infracção de regras de construção p. e p. no art. 277.º, n.º 1, al. a) e b) do Código Penal, tendo-lhes sido comunicado, por despacho de 2005/Mai./13 de fls. 1217-1228 dos autos, alteração dos factos e da qualificação jurídica aí constante, entendendo-se que se tratava de uma alteração não substancial.

Posteriormente e por acórdão proferido em 2005/Jun./20, constante a fls. 1400-1447, foi condenado cada um dos arguidos recorrentes, bem como os outros dois arguidos e entre outras coisas, pela prática, como autores materiais, de um crime de infracção de regras de construção, p. e p. pelo art. 277.º, n.º 1, al. b) n.º 2 e 3 e 285.º do Código Penal, com referência aos art. 30.º do Decreto 41.821 de 11/Ago./1958, 6.º n.º 3 e 14.º, do Dec.-Lei n.º 155/95 de 1/Jul e 11.º da portaria n.º 101/96 de 3/Abr., na pena de cento e vinte dias de multa, à razão diária de dez euros, o que perfaz a multa de mil e duzentos euros, a que correspondem, subsidiariamente, oitenta dias de prisão.

  1. - Os arguidos B.......... e C.......... interpuseram recurso a fls. 1234-1261, daquele despacho, por, no seu entender, se tratar de uma alteração substancial, apresentando as seguintes conclusões: I - Verifica-se alteração substancial dos factos quando é acolhido na decisão o elemento subjectivo que não constava da acusação ou da pronúncia, e sem o qual o arguido não podia ser condenado - Neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de Fevereiro de 1995; CJ, Acs. do STJ, III, tomo I, 219; II - A imputação - que não havia sido feita anteriormente - da prática de factos constitutivos do tipo de crime aos recorrentes levada a efeito no decorrer do julgamento constitui necessariamente alteração substancial dos factos; III - Quanto aos factos referidos na conclusão antecedente deve obrigatoriamente existir inquérito, bem como a oportunidade de requerer instrução, sem o é cometido, como o foi na decisão recorrida, a nulidade insanável prevista na al. d) do artigo 119º do Código Penal; IV - A aplicação implícita do disposto nos artigos 2.º, 262.º e 263.º do Código Penal - certamente queria dizer-se C. P. Penal - na interpretação levada a efeito na decisão recorrida, viola os artigos 3.º e 32.º da Constituição da República Portuguesa.

    V - Foi violado o disposto no artigo 358.º do Código de Processo Penal.

    Os mesmos arguidos interpuseram igualmente recurso daquele acórdão condenatório a fls. 1463, 1499-1507, insurgindo-se contra o apuramento da matéria de facto e a subsunção jurídica que foi feita, pugnando pela sua absolvição, indicando as conclusões que se passam a transcrever: I - É inconstitucional orgânica e materialmente, por violação dos art. 165.º, n.º 1 alínea c) e 29º, nº 1 da Constituição a interpretação segundo a qual uma norma penal em branco, como a do art. 277º, nº 1, alínea b) do Código Penal, pode remeter para norma que não seja lei ou decreto-lei aprovado com autorização legislativa.

    II - É inconstitucional por violação do princípio da lei penal mais favorável (decorrência do art. 29º, nº 1 da Constituição) a interpretação de uma norma penal em branco, como a do art. 277º, nº 1, alínea b) do Código Penal, no sentido de que pode remeter para normas que prevejam, de per si, sanções, agravando essas sanções.

    III - O Decreto-Lei 155/95 e, consequentemente a Portaria 101/96, são aplicáveis a trabalhos de construção de edifícios, de engenharia civil e de apoio directo àquelas, resultando da disciplina conjugada do Decreto-Lei 295/98, Norma EN 81-1:1998 aprovada pelo Despacho 11561/99 e da Portaria 412-I/99 que a construção de edifícios inclui os trabalhos englobados na 1ª categoria definida nesta Portaria e nunca trabalhos de elevadores, que são do campo das engenharias mecânica e electrotécnica e sujeitos a legislação própria.

    IV - A expressão aparelhos elevatórios constante do n.º 8 do Anexo I do Decreto-Lei 155/95 refere-se aos aparelhos de elevação usados na construção de edifícios, incluindo monta-cargas de obra (arts. 134.º e segts. do Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil aprovado pelo Decreto 41.821, de 11 de Agosto de 1958) e não a elevadores de passageiros, que não podem ser usados na construção de edifícios.

    V - Sendo o coordenador de segurança e saúde e o director de obra visados pelo Decreto-Lei 155/95 (cf. alíneas e) e h) do art. 3º) pessoas nomeadas pelo dono de obra e pelo empregador, que nos autos eram a F…… e a G……., Lda., os arguidos ora recorrentes não poderiam revestir essa qualidade.

    VI - Sendo dessas pessoas as responsabilidades legais inerentes ao plano de segurança e saúde (art. 6.º, n.º 4 do Decreto-Lei 155/95), os arguidos recorrentes, não se enquadrando nessa qualidade, não podem ser responsabilizados por tal plano.

    VII - A responsabilização dos recorrentes à face desse Decreto-Lei só pode ocorrer por analogia.

    VIII - É inaplicável a elevadores o Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil, nomeadamente o seu art. 30.º, que se aplica a plataformas suspensas. Existindo normas aplicáveis aos elevadores, inexiste lacuna que tenha de ser integrada por recurso à analogia com essa norma, analogia que sempre estaria vedada em direito penal.

    IX - Resultam dos arts. 27º e segts. daquele Regulamento que as plataformas suspensas têm diferenças de vulto em relação aos elevadores que não permitem enquadrá-los no regime delas.

    X - As balaustradas em elevadores são obrigatórias em elevadores entrados em serviço a partir de 1.7.1999 por força das disposições conjugadas do art. 6.º, n.º 3 do Decreto-Lei 295/98 e nº 8.13.3 da Norma EN 81-1:1998 e não em quaisquer outros.

    XI - Resulta a contrario dos nºs. 0.3.9, 5.3.1.1, 5.3.2, 5.3.3, 7.2.3, 8.13.1 da Norma EN 81-1:1998 e de todos os nºs. desta norma que contêm cálculos de resistência, que a balaustrada não tem, da ausência de obrigatoriedade de materiais na respectiva manufactura, do n.º 8.3.2.2 dessa Norma, que prevê barreira visual semelhante e do seu nº 8.13.4 que prevê sinalização de perigo de debruçar sobre a balaustrada que esta não protege contra quedas mas sim contra a transposição da fronteira da cabina do elevador, evitando embates com peças em movimento.

    XII - Tal resulta também da prova produzida nos pareceres e nos próprios depoimentos em que o acórdão recorrido se fundamenta, não havendo prova em contrário nos autos.

    XIV - Resulta de fls. 105 a 160 e dos depoimentos testemunhais produzidos a implantação de medidas de protecção colectivas, nomeadamente pára-quedas e limitador de velocidade nos elevadores dos autos, os quais estão previstos como órgãos de protecção nos nºs. 9.8.1.3 e 9.9.12 da Norma EN 81-1:1998.

    XV - Não foi produzida prova alguma donde resultasse a causalidade entre a falta da balaustrada e a queda do sinistrado, nem tal consta da fundamentação do acórdão recorrido.

    XVI - O acórdão recorrido funda-se no relatório de fls. 44 a 78, quando dele só poderia ter aproveitado as fotografias, única parte susceptível de se enquadrar na noção de documento. Tudo o resto são conclusões, matéria de direito e (supostas) declarações de terceiros que o art. 355.º, n.º 1 exige que sejam expurgadas da fundamentação do acórdão que, no entanto adere à tese aí expressa sobre a balaustrada e sobre a desconsideração da legislação própria dos elevadores.

    XVII - É notória a defensabilidade da tese sustentada pelos recorrentes quanto à aplicabilidade do Decreto-Lei 295/98 e da Norma EN 81-1:1998 ao tema da balaustrada, pelo que, mesmo que não vingue, tem de considerar-se que os recorrentes actuaram em erro não censurável sobre a ilicitude, logo sem consciência dela, o que afasta a culpa à face do art. 17º, nº 1 do Código Penal.

    XVIII - Um perigo criado por negligência só pode advir de uma conduta negligente, pelo que o nº 2 do art. 277º do Código Penal, por inconstitucional, viola o art. 29º, nº 1 da Constituição.

    XIX - O acórdão recorrido violou os arts. 165.º, nº 1, alínea c) e 29.º, n.º 1, da Constituição, 1.º, n.º 1 e 3, 17.º, n.º 1, 277.º, n.º 1, alínea b), 2 e 3 e 285.º do Código Penal, 2.º, n.º 1, 3.º, alíneas e) e h), 6.º, n.º 3 e 4, 15.º e 18.º do Decreto-Lei 155/95, 11.º da Portaria 101/96, 27.º a 34.º do Regulamento aprovado pelo Decreto 41.821, 6.º, n.º 3 e 16.º do Decreto-Lei 295/98, bem assim, todas as disposições da Norma EN 81-1:1998 invocadas acima, que se dão por reproduzidas.

    XX - Tais normas deveriam ter sido interpretadas no sentido da não obrigatoriedade de instalação de balaustradas nos elevadores dos autos ou, ao menos, do reconhecimento de falta de consciência de ilicitude por erro não censurável por parte dos recorrentes.

    XXI - Existe erro notório na apreciação da prova, a págs. 33 e 34 do acórdão recorrido relativamente à prova produzida sobre o assentamento de balaustradas em cima dos elevadores antigos, prova que se dá por reproduzida a partir do elenco feito no ponto 13 deste recurso, e nulidade na admissão do relatório do IDICT constante da conclusão.

    XXII - Existe ainda insuficiência de matéria de facto provada para que se decida pela causalidade entre a inexistência de balaustrada e a queda do sinistrado.

  2. - O Ministério Público respondeu a ambos os recursos, pugnando pela sua improcedência, sustentando quanto ao primeiro, que: 1.º) A alteração que foi comunicada aos recorrentes não implica nem a imputação de um crime diverso daquele pelo qual estavam pronunciados, nem tão pouco a agravação do limite máximo da sanção aplicável, pelo que não estamos perante uma alteração substancial de factos, tal como é definida pelo art. 1.º, n.º 1, al. f), do C. P. Penal; 2.º) Na verdade, a comunicação efectuada pelo Tribunal aos arguidos de...

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