Acórdão nº 0611498 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 20 de Setembro de 2006

Magistrado ResponsávelGUERRA BANHA
Data da Resolução20 de Setembro de 2006
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam em audiência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto.

IRELATÓRIO 1. B………., arguido nos autos de processo comum colectivo n° ../03..TAVLG do 3º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Valongo, interpôs o presente recurso do acórdão proferido em 25/05/2005, a fls. 220-237, que o condenou: a. como autor de um crime de maus tratos, da previsão do art. 152º, nºs 3 e 6, do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão e na pena acessória de proibição de contacto com a vítima pelo período de 2 anos; b. como autor de um crime de ofensa à integridade física simples, da previsão do art. 143º, nº 1, do Código Penal, na pena de 6 meses de prisão.

  1. Em cúmulo jurídico daquelas duas penas, condenou-o na pena única de 2 anos e 3 meses de prisão e na pena acessória de proibição de contacto com a vítima pelo período de 2 anos.

  2. Mais o condenou a pagar à assistente a quantia de € 2.500,00, a título de indemnização por danos causados, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a notificação até integral pagamento, e e. nas custas criminais e civis.

    Concluiu a motivação do seu recurso formulando as conclusões seguintes: 1ª. O Tribunal recorrido incorreu em notórios erros de julgamento, nomeadamente ao considerar demonstrada a matéria vertida sob os itens 2 e 27 dos factos provados.

    1. A análise ponderada da prova produzida em audiência, nomeadamente das declarações da assistente e das testemunhas C………., D………. e E………., conduz a conclusões diversas.

    2. Da dita análise deve, nomeadamente, concluir-se que os sucessivos reatamentos do relacionamento amoroso entre assistente e arguido se deveram a verdadeiras reconciliações, não a medos ou angústias.

    3. Deve, de igual modo, concluir-se que a bofetada desferida pelo arguido na filha, no dia 23 de Fevereiro de 2003, não foi violenta.

    4. O douto acórdão recorrido padece de nulidade, por omissão de menções referidas no nº 2 do artigo 374º do Código de Processo Penal, quais sejam a discriminação dos concretos motivos de facto que fundamentam a decisão condenatória.

    5. O procedimento criminal pela prática dos factos provados vertidos sob os itens 3, 4, 8 e 15 encontra-se prescrito, atendendo ao período de tempo desde então decorrido.

    6. A descrita factualidade fundamenta, no entanto, a condenação do arguido pelo crime de maus tratos, em clara violação do disposto no artigo 118º do Código Penal.

    7. A matéria de facto vertida nos itens 5, 6, 7, 12, 13 e 14 dos factos provados não especifica as circunstâncias de tempo, lugar e modo da respectiva prática, impedindo o exercício de um efectivo direito de defesa do recorrente, em clara violação do dispositivo do artigo 32° da Constituição da República Portuguesa.

    8. A decisão recorrida funda-se numa incorrecta interpretação da norma do artigo 152º, nº 3, do Código Penal.

    9. A boa interpretação do citado preceito impõe, com vista ao preenchimento do tipo legal de crime de maus tratos, uma actuação grave e reiterada, que, em boa verdade, não ficou validamente demonstrada.

    10. A condenação do recorrente pela prática do crime de ofensa à integridade física funda-se, para além do alegado erro na decisão de facto, numa incorrecta interpretação do artigo 143º do Código Penal.

    Pretende, assim, que, no provimento do recurso, seja revogado o acórdão recorrido e seja substituído por outro que absolva o recorrente dos crimes de que estava acusado e do pedido de indemnização civil contra si deduzido.

    1. Responderam à motivação do recurso o Ministério Público e a assistente, pronunciando-se ambos pelo não provimento do recurso.

    2. Nesta Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu o parecer que consta a fls. 282, em que se pronunciou pela rejeição do recurso por manifesta improcedência, nos termos do art. 420º, nº 1, do Código de Processo Penal.

      Este parecer foi notificado aos demais sujeitos processuais, nos termos do art. 417º nº 2 do Código de Processo Penal, a que apenas respondeu o recorrente para dizer que deu cumprimento ao disposto no art. 412º, nºs 3 e 4, do Código de Processo Penal.

      Os autos foram a visto dos Ex.mos Juízes adjuntos e, após, realizou-se a audiência de julgamento.

      IIFUNDAMENTOS DE FACTO 4. No acórdão recorrido foram considerados provados os factos seguintes: 1) Desde 2 de Novembro de 1990, data do nascimento da filha de ambos, D………., que o arguido viveu maritalmente com F………. . Em Abril de 1993, separaram-se.

      2) Desde esta última data, o arguido e a ofendida têm vindo a manter uma relação amorosa, interrompida por diversas vezes por períodos de tempo de alguns meses, em virtude das constantes agressões, injúrias e ameaças cometidas pelo arguido na pessoa da ofendida, motivadas essencialmente por ciúmes do arguido.

      3) A F………. desde há alguns anos que aceita por vezes reatar o relacionamento amoroso com o arguido por receio de agressões e perseguições cometidas pelo arguido.

      4) Desde data indeterminada de 1993, o arguido frequentemente espera pela F………. na rua sem o seu consentimento e diz-lhe em voz alta "puta", "que anda a foder com este e com aquele", "badalhoca".

      5) Nestas ocasiões, a F………. tenta fugir e o arguido geralmente agarra-a com violência e contra a sua vontade.

      6) Por vezes o arguido envia mensagens escritas para o telemóvel da ofendida com palavras como "baixa as cuecas e salta para cima de mim até estares satisfeita".

      7) Por diversas vezes o arguido se encostou e espreitou para dentro da janela de casa da irmã da F………. quando esta lá se encontra.

      8) Por diversas vezes, o arguido telefonou para casa da F………. durante a noite, por volta das 3 ou 4 horas da madrugada, e desligava o telefone quando aquela o atendia.

      9) Ainda em 1993, residindo a F………. em casa da sua avó, o arguido por diversas vezes esperou, escondido, numa zona isolada, que a F………. passasse na rua em direcção a casa da sua irmã, como fazia habitualmente, e desferiu-lhe bofetadas, provocando-lhe hematomas.

      10) A F………., por medo e vergonha, nunca recorreu ao hospital, nunca apresentou queixa nem contou a verdade a ninguém.

      11) Durante dez anos e até Agosto de 2001, a F………. trabalhou na G………., no Porto.

      12) Durante esse período de tempo, o arguido tinha acessos de ciúmes que duravam cerca de uma semana e que se interrompiam quando a ofendida aceitava namorar com ele.

      13) Nesses acessos de ciúmes, o arguido todos os dias esperava pela F………. à porta da G………. contra a sua vontade, constrangendo-a com a sua presença.

      14) De uma das vezes, à porta da G………., o arguido chamou-lhe "puta" e "vaca' em voz alta.

      15) No dia 14 de Fevereiro de 1998, o arguido esperou pela F………. na Rua ………., contra a sua vontade. Quando a F………. ia a passar naquele local, o arguido surpreendeu-a e disse-lhe em voz alta "puta", "que andava a foder com os patrões" e desferiu-lhe um número indeterminada de bofetadas, que provocaram a sua queda, tendo tido necessidade de receber tratamento hospitalar.

      16) Como consequência directa e necessária desta conduta do arguido, resultaram para a F………. as lesões descritas no auto de exame médico-legal de fls. 6 dos autos apensos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, que lhe demandaram 4 dias de doença.

      17) Em data indeterminada do verão de 2002, depois de a F………. sair do café que fica perto de casa da sua irmã, o arguido telefonou-lhe por diversas vezes seguidas para o telemóvel e disse-lhe "que ela se estava a arreganhar toda para o homem do café".

      18) No dia 31 de Janeiro de 2003, a F………. foi jantar com o arguido na churrasqueira ……….. .

      19) No decurso do jantar, o arguido disse à F………. que "há doze anos que me andas a enganar, andas a foder com este e com aquele, não querias que eu te fosse buscar à G………. porque andavas a foder com os estudantes todos".

      20) Já no exterior da churrasqueira, a F………. tentou fugir mas o arguido pôs-se à sua frente, impedindo-a de fugir e disse-lhe em voz alta "eu fodo-te, eu parto-te os dentes".

      21) Mais lhe disse que a proibia de levar a filha para casa da sua irmã porque a ofendida ia para lá "foder" com os ucranianos que vivem em frente.

      22) Em seguida, o arguido atirou com a mochila e partiu o vidro de um veículo automóvel.

      23) No dia 16 de Fevereiro de 2003, o arguido esperou pela F………. à porta de casa da irmã daquela, sita na ………., em Ermesinde, e disse-lhe, em voz alta aos gritos: "eu vi-te pela janela a foder com os ucranianos". A F………. telefonou para a polícia e o arguido ausentou-se, dizendo-lhe em voz alta que a "fodia".

      24) No dia 23 de Fevereiro de 2003, pelas 22 horas (10 da noite), na ………., em Ermesinde, nesta comarca, como habitualmente, o arguido esperou na rua que a F………. e a filha de ambos, D………., de 12 anos de idade, passassem por aquele local ao regressarem a casa vindas de casa da irmã da F………., como fazem habitualmente aos fins-de-semana.

      25) Ao passarem naquele local, o arguido agarrou a F………. pelos braços e disse-lhe aos gritos, "que andava a foder com os ucranianos", provocando-lhe hematomas nos braços.

      26) A filha de ambos, a D………., interpôs-se entre o arguido e a F………. e disse ao arguido para largar a sua mãe. De imediato, o arguido disse à menor D………. "cala-te, se não levas".

      27) Como a menor continuou a gritar, o arguido desferiu-lhe uma bofetada com violência.

      28) Como consequência directa e necessária desta agressão, resultaram para a ofendida D………. edema da hemiface esquerda e solução de continuidade do lábio superior, que lhe demandaram 5 dias de doença, sem afectação da capacidade de trabalho. A menor D………. teve necessidade de receber tratamento hospitalar.

      29) No dia 26 de Março de 2003, o arguido, como habitualmente, sem o consentimento e contra vontade da F………., esperou na rua que ofendida e a menor saíssem de casa da irmã da ofendida a fim de a ameaçar, injuriar e agredir, apenas não o tendo feito porque estas regressaram de táxi para casa.

      30) O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, com a intenção de causar sofrimentos físicos e psíquicos à mãe da sua filha e com intenção de molestar o corpo da sua filha, bem sabendo que a sua...

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