Acórdão nº 36/05.5TBNLS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 19 de Junho de 2007

Magistrado ResponsávelVIRG
Data da Resolução19 de Junho de 2007
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

ACORDAM O SEGUINTE: I- Relatório: A...

intentou aos 13-01-2005 a presente acção contra “B...

”, pedindo a condenação desta a reconhecer o direito de propriedade da A. sobre o veículo automóvel de matrícula 27-15-OF, bem como o cancelamento do registo de propriedade de tal viatura efectuado a favor da R. e registos subsequentes, e ainda a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 1.500,00 a título de danos morais bem como a indemnização que se vier a liquidar em execução de sentença quanto ao prejuízo causado com a imobilização e desvalorização do veículo.

Alega para o efeito e em síntese que: - Foi sócia gerente da R.

- Transmitiu a sua quota a outra pessoa e, em contrapartida, a R., através do seu sócio gerente C...

, cedeu-lhe a propriedade da viatura 27-15-OF.

- Na altura essa viatura era propriedade de D...

, que a havia dado de aluguer à R., tendo esta assumido o compromisso de pagar as prestações ainda em falta e, findo o contrato, de transmitir a propriedade da mesma para a A., emitindo a respectiva declaração para efeitos de registo.

- «Por efeito do contrato-declaração junto (a fl. 15), a A. ficou de imediato investida no domínio e posse da viatura, passando a utilizá-la quotidianamente para as suas deslocações e exercício da sua actividade profissional», mas a R., após efectuar o pagamento de todas as prestações do aluguer, recusou emitir a declaração de venda a favor da A. e antes registou a propriedade em seu próprio nome, situação que forçou a imobilização da viatura e causou à A. danos patrimoniais e morais. Entretanto faleceu aquele sócio gerente.

Foram juntos 5 documentos, de fls. 9 a 18.

Contestou a R. alegando que a A. simulou ser sócia e gerente da R. em nome de um terceiro, o qual por problemas judiciais e financeiros a indicou para o efeito, sendo que a A. apenas exerceu funções de recepcionista.

Alegou que nenhum valor tem a declaração do referido C... a fl. 15, a qual contém só uma assinatura, e a R. obriga-se nos termos do seu pacto social com a assinatura de dois gerentes. E quem tem estado há anos na posse do veículo é F....

Mais afirmou ser proprietária da viatura em causa, o que se presume face ao registo, pelo que conclui que «deverá a A. ser condenada a restituir a posse do veículo à R.». Como valor, indicou «o mesmo da acção» ( [1] ).

Respondeu a R. reafirmando o que alegara e a validade do acto de alienação do automóvel, concluindo que o pedido formulado na contestação é descabido e que a ré deve ser condenada como litigante de má fé em multa e indemnização de € 500,00 a favor da autora.

A A. juntou o doc. de fl. 46 e a ré o de fl. 51.

Foi proferido despacho dispensando a fase de saneamento.

Não se mostra efectuado o registo da acção real.

Foi realizado a audiência de julgamento, após cuja produção da prova foi proferido despacho com a redacção do provado e motivação, a que se seguiu a sentença de fls. 101 ss, que decidiu: «Nestes termos e com os fundamentos expostos decido julgar a presente acção improcedente por não provada absolvendo a R. do pedido. Mais decido julgar a reconvenção procedente por provada, reconhecendo o direito de propriedade da R. sobre a viatura de matrícula 27-15-OF, condenando a A. a restituí-la à A. Custas pela A.».

Da sentença recorre a autora, concluindo a sua alegação, para que se revogue a sentença e se julgue procedente a acção: 1- Contrariamente ao decidido na douta sentença, o negócio sub judice de cessão da quota pela recorrente, documentado por escritura e no documento – declaração de fls.., tal como o negócio inicial de aquisição da quota em 1999, não posto em crise pela recorrida – é válido e assim foi querido pelas partes.

2- A circunstância de a Recorrente ter intervindo no negócio, embora no interesse de terceiro que não se identifica, e por questões que só a este diziam respeito, não configura qualquer caso de simulação.

3- A Ré B... jamais pôs em causa a sua qualidade de sócia e também de gerente da recorrente, com ela negociando a transferência da sua quota e a cedência da viatura sub judice como contrapartida do preço.

4- Não se provaram os requisitos da simulação e, nomeadamente, qualquer declaração divergente entre a vontade e a declaração dos contraentes, a existência de qualquer acordo simulatório e o intuito de prejudicar terceiro.

5- A posição da Ré, após a morte do seu sócio principal e gerente C..., ao não cumprir o contrato, viola o princípio da boa-fé, actuando em manifesta má-fé.

6- A Ré não tem interesse em agir ao alegar a simulação, pois não é titular de relação jurídica afectada com a invocada nulidade, não sendo interessada para os efeitos do art.º 286º do C. Civil.

7- Ao conhecer a simulação, o Tribunal condenou em objecto diverso do pedido, violou o princípio do pedido pois a Ré contestante não formulou essa pretensão jurisdicional – art.º 661º n.º 1 do C.P.Civil.

8- Provado que foi nos autos o pagamento de todas as rendas do contrato de aluguer da viatura, pela recorrida B..., convalidou-se o contrato de compra venda da viatura como contrapartida do preço da cessão de quota.

9- Convalidado o contrato, transferiu-se para a recorrente o direito de propriedade do veículo.

10- O registo efectuado pela Ré B... já após a convalidação do negócio é ilegal por carecer de causa ou fundamento para tal e, por isso, se pede o seu cancelamento no petitório.

11- Aliás, como é jurisprudência aceite, a presunção juris tantum derivada do registo predial cede pela prova da posse anterior ao mesmo, o que aconteceu nos autos, tendo ficado provado que após o negócio a recorrente passou a utilizar a viatura como coisa sua e com ela a circular nas vias públicas, gozando da presunção da titularidade do direito – art.º 1268º do C. Civil.

12- Ao Tribunal estava vedado conhecer do pedido de reivindicação do direito de propriedade sobre a viatura, por via reconvencional, já que o Juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes e na contestação a recorrida B... não formulou aquele pedido.

13- Por outro lado, atendendo a que a recorrida não formulou qualquer pedido reconvencional na contestação que, a existir, - (que não é o caso) deveria obedecer ao formalismo do art.º 501º n.º 1 do C. Civil - estava vedado ao Tribunal o conhecimento dessa questão concreta e assim foram violados os princípios do pedido e do dispositivo – art.ºs 661º e 264º do C.P.Civil.

14- Tendo Tribunal violado o disposto nos art.ºs 668º al. d) e e) do C.P.Civil, o que constitui nulidade da sentença.

Não houve contra-alegação.

Foi proferido despacho a fl. 135 considerando não verificadas as arguidas nulidades de sentença.

Correram os vistos legais.

Nada obsta ao conhecimento do objecto do recurso.

II- Fundamentos: De facto: É a seguinte a matéria de facto que a 1ª instância julgou provada, com rectificações de que se dará nota: 1. A Autora declarou comprar uma quota na sociedade R., no valor de 1.000.000$00, a F... que declarou cedê-la à A., tendo esta sido nomeada gerente da mesma sociedade, factos que ficaram registados no registo comercial respectivo à mesma sociedade.

  1. Na qualidade de gerente, a Autora assinou alguns documentos da mesma, nomeadamente actas e documentos de fecho de contas.

  2. Por escritura pública de 09.01.2001, outorgada no Cartório Notarial de Estarreja, a Autora declarou transmitir a quota que detinha na sociedade R., a favor de E...

    .

  3. C... ( [2] ), na qualidade de sócio gerente da sociedade R., assinou o documento de fls. 15 e vº, pelo qual declarou ceder à A. a propriedade da viatura Audi A4, 1.9, TDI Sport, 5p, detentora da matrícula 27-15-OF, como complemento e contrapartida do preço da referida cessão.

  4. Sobre tal viatura foi celebrado pela R. um acordo designado por “contrato de aluguer”, com a D..., destinado à aquisição de uma viatura ligeira...

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