Acórdão nº 426/05.3GAMMV.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 13 de Junho de 2007
Magistrado Responsável | ELISA SALES |
Data da Resolução | 13 de Junho de 2007 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam, em audiência, na secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I - RELATÓRIO O Ministério Público veio interpor recurso da sentença que absolveu o arguido B...
da prática do crime de maus tratos p. e p. pelo artigo 152º, n.º 2 do CP por que vinha acusado, e o condenou pela prática de um crime de coacção p. e p. pelo art. 154º, n.º 1 do Código Penal na pena de 160 dias de multa, à razão diária de € 5,00 e, ainda no pagamento à demandante A...
da quantia de € 600,00.
E, da respectiva motivação extraiu as seguintes conclusões: 1- O crime de maus tratos e infracção de regras de segurança encontra-se previsto e punido no artigo 152º, n.º l, n.º 2 e n.º 3, do Código Penal.
2- Desde a sua consagração até à reforma de 1995, teve este crime natureza pública, passando então a ter natureza semi-pública, sendo que a Lei n.º 7/2000, de 02/05, restaurou a sua primitiva natureza.
3- Subjacente à consagração do crime de maus tratos está a progressiva consciencialização ético-social da gravidade da violência doméstica e das suas devastadoras consequências no equilíbrio da família e de cada um dos seus membros, que atravessa gerações e conduz, demasiadas vezes, à morte ou à incapacitação das vítimas.
4- A conduta típica desdobra-se em múltiplas condutas parcelares, as quais, consideradas de per si, podem integrar a prática de outros crimes (como sejam a ofensa à integridade física simples, a ameaça, a injúria, a difamação, a coacção, o sequestro, entre outros) ou não assumir relevância jurídico-penal (caso de ameaças que não configurem em si mesmas um crime de ameaça ou das humilhações ou provocações).
5- O crime de mais tratos caracteriza-se por unificar e congregar as condutas parcelares num único crime, que deixam, por isso, de conformar uma pluralidade de crimes.
6- Trata-se, pois, de um crime duradouro ou permanente, ou, como também é classificado na Jurisprudência, um crime de execução permanente ou reiterada.
7- A consumação deste crime dá-se com a prática do último acto de execução.
8- O momento decisivo e, portanto, o tempus delicti, é o momento em que foi praticada a última conduta que integra o comportamento típico.
9- Sendo o crime de maus tratos um crime único, embora duradouro, que se consuma com o cometimento do último acto de execução, não há qualquer sucessão de leis no tempo, visto que a única lei em abstracto aplicável é a vigente no momento em que o crime se consuma.
10- A última conduta parcelar imputada ao arguido ocorreu, de acordo com a factualidade provada na douta sentença a quo, em 11/07/2005, pelo que é esta a data da consumação do crime.
11- Tendo a consumação do crime ocorrido na vigência da Lei n.º 7/2000, de 27/05, é esta a única lei aplicável, não havendo lugar, in casu, a quaisquer considerações quanto à aplicação da lei no tempo.
12- O crime de maus tratos tem in casu natureza pública, pelo que o Ministério Público tem legitimidade para exercer a acção penal, sem prejuízo de a ofendida ter também apresentado queixa.
13- Perante a factualidade dada como provada na douta sentença recorrida, que se aceita inteiramente, é inegável que o arguido cometeu o crime de maus tratos por que vinha acusado.
14- Em conformidade, deverá o arguido ser condenado pela prática, como autor material, na forma consumada, de um crime de maus tratos e infracção de regras de segurança, previsto e punido no artigo 152°, n.º l e n.º 2, do Código Penal, numa pena de prisão a fixar bem acima do limite mínimo.
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No caso da pena de prisão aplicada ser suspensa na sua execução, deverá ser ainda imposta ao arguido a condição de não maltratar física ou psiquicamente a ofendida, em conformidade com o disposto no artigo 16°, da Lei n.º 6l/91, de 13/08 (visto que ao arguido havia sido imposta a medida de coacção de afastamento da residência).
16- Deverá ainda o arguido ser condenado na pena acessória de proibição de contactos com a vítima e de afastamento da residência, consagrada no n.º 6, do artigo 152°, do Código Penal.
*O arguido não respondeu.
Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer defendendo a improcedência do recurso, por duas ordens de razões: - por concordar com a tese do tribunal de 1ª instância, segundo a qual os factos praticados anteriormente à entrada em vigor da Lei n.º 7/2000, de 27.05, podendo constituir crimes autónomos, tais como ofensa à integridade física, ameaça e injúria, não podem ser incluídos na caracterização da conduta reiterada ou continuada que tipifica o crime de maus tratos, da previsão do art. 152º; e, - por considerar que de acordo com os factos apurados falta o elemento subjectivo do crime de coacção por que o arguido foi condenado, pelo que deverá a sentença ser revogada e substituída por outra que contemple a absolvição (integral) do arguido.
Os autos tiveram os vistos legais.
*** II- FUNDAMENTAÇÃO É do seguinte teor a decisão recorrida (por transcrição): 1.1. Factos provados 1.
O arguido e A... são casados há mais de 45 anos, tendo duas filhas, e estão separados desde 11 de Julho de 2005.
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Ao longo de todo o período de convivência conjugal, sempre no interior da casa de morada de família, situada no ......., Montemor-o-Velho, o arguido manifestou em relação à sua mulher uma personalidade agressiva e violenta.
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Muitas vezes o arguido dirigiu a A... expressões como “vaca”, “puta”, “porca”, “tens os amantes à tua espera”, “eu mato-te”, “eu corto-te o pescoço” e “eu corto-te às postas”.
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Muitas vezes o arguido se dirigiu a A... e, enquanto a acusava de ter amantes e de o andar a trair, desferia-lhe murros e bofetadas na cabeça, apertava-lhe e torcia-lhe os braços e o pescoço e empurrava-a, projectando-a contra os móveis e as paredes ou para o chão.
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Nessas ocasiões, sucedeu por vezes o arguido exibir-lhe facas, no intuito de a intimidar ainda mais.
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A primeira vez que tal sucedeu foi cerca de ano e meio depois de se casarem.
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Estes comportamentos tornaram-se mais frequentes pelo há cerca de 15 anos.
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