Acórdão nº 557/04.7TAACB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 02 de Maio de 2007

Magistrado ResponsávelGABRIEL CATARINO
Data da Resolução02 de Maio de 2007
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, na secção criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

  1. – Relatório.

    Em acusação formulada pelo digno magistrado do Ministério Público contra A...

    , com identificação constante de fls. 77, vir-lhe-ia a ser imputada a prática, em autoria material, de um crime contra a genuinidade e qualidade ou composição de alimentos destinados a animais previsto e punido pelos artigos 24º, nºs 1, al.a) e 4, 81º, nº1, al.a) e 82º, nºs 1, al. a) e c) e 2, do Decreto-Lei nº 28/84, de 20 de Janeiro, e a contra-ordenação prevista e punida pelos artigos 3º.al. b), 4º, al. b) e 6º do DL nº 150/99, de 7 de Maio de 1999.

    Após recebimento do libelo acusatório veio a ser realizada audiência de julgamento, e após a audição do arguido e das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa – cfr. 116 a 119 – veio a ser designada para a leitura da sentença. Na data designada, a Exma. Julgadora viria a proferir o despacho que, por comodidade, se deixa transcrito de seguida.

    O arguido vem acusado da prática de um crime contra a genuinidade, qualidade ou composição de géneros alimentícios e aditivos alimentares previsto e punido pelos art. 24.º n.º 1 al. a) e 4, 81.º n.º 1 al. a), 82.º n.º 1 al. b) e c) do Decreto-Lei n.º 28/84 de 20/01, por ter ministrado em dois bovinos seus, clembuterol.

    Sucede porém que tal tipo legal de crime implica que o género alimentício falsificado com a substância ministrada não seja susceptível de criar perigo para a vida ou para a saúde e integridade física alheias.

    Ora conforme resulta dos próprios autos e de uma extensa bibliografia científica e médica, entre os quais se salienta o artigo publicado de fls. 275 a 278 na Acta Médica Portuguesa de 2003, n.º 16, disponível para consulta no site www.ordemdosmedicos.pt., a ingestão de carne de bovinos a quem foi ministrada clembuterol pode provocar intoxicação alimentar, palpitações e outros efeitos na saúde de quem os come.

    Assim sendo, forçoso é de concluir que, em face do facto ora apurado, o comportamento do arguido não integrará a prática do crime de que vem acusado, mas do crime previsto e punido pelo art. 282.º n.º 1 do Código Penal, sendo certo que da acusação não consta como se impõe a perigosidade para a saúde e vida dos consumidores, o que, obviamente, configura uma alteração substancial dos factos, nos termos do art. 1º, no 1 al. f) do Código de Processo Penal.

    Em face do exposto, considerando o facto ora apurado e ao abrigo do art. 359.º n.º 1 do Código de Processo Penal, uma vez que ainda que o Ministério Público e o arguido estivessem de acordo com a continuação do julgamento pelos novos factos, sempre este tribunal seria incompetente para continuar o julgamento atendendo à moldura penal abstracta aplicável – cfr. art. 14.º n.º 1 al. h) do Código de Processo Penal -, comunica-se a referida alteração ao Ministério Público, valendo a mesma como denúncia pelos novos factos.

    Por último, determino o arquivamento dos autos

    .

    Contrariado com a decisão expressa no despacho que se deixou transcrito, recorre o digno magistrado do Ministério Público, tendo rematado a motivação com que alentou a sua discrepância com o decidido, com o sequente acervo conclusivo: «1 ª – Vem o presente recurso interposto pelo Ministério Público do douto despacho de fls. 121, proferido no dia 30 de Junho de 2006 que julgou verificada uma alteração substancial dos factos constantes da acusação e, em consequência, ordenou a extracção de certidão de todo o processado e remessa da mesma ao Ministério Público, valendo a mesma como denúncia pelos novos factos e, se seguida, ordenou o arquivamento dos Autos.

    1. – Em lado algum dos Autos, mormente imediatamente antes do douto despacho a quo foi fixada matéria de facto – rectius novos factos - que, decorrentes da prova produzida em Audiência de Discussão e Julgamento, tivessem a virtualidade de poderem vir a ser considerados provados e, dessa forma, poder conduzir à sua prolação; 3ª Não tendo o douto despacho a quo especificado os motivos de facto que conduziram à sua prolação e subsequente decisão, enferma o mesmo do vício da nulidade, I por falta de fundamentação; 4ª – Ao decidir como decidiu violou-se no douto despacho a quo o disposto nos artigos 94º, nº 1 e 4, 359º, nº 1 e 2 e 379º, nº 1, al. c), do Código de Processo Penal; 5ª - O crime contra a qualidade de géneros alimentícios, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 19º, 24º, nºs. 1, al. a) e 4, 81º, nº 1, al. a) e 82º, nº. 1, als. b) e c) e 2, al. a)-I, todos do Regime Jurídico das infracções contra a Saúde Pública, aprovado pelo D.L. nº 28/84, de 20 de Janeiro, é doutrinalmente classificado como crime de perigo abstracto; 6ª – O crime de corrupção de substâncias alimentares ou medicinais, previsto e punido pelo artigo 282º, do Código Penal, é doutrinalmente classificado como crime de perigo concreto; 7ª – Nos nada existe, em concreto, que permita concluir e ter por verificado a existência de perigo concreto para a vida, a saúde ou integridade física de outrem, na ingestão da carne de bovino a quem foi ministrada a substância clembuterol; 8ª – Pelo que não tendo existido ou verificado, em concreto, tal perigo, deve entender-se, com segurança suficiente, que, em abstracto, a ingestão de tal carne não foi susceptível de causar perigo para vida, a saúde ou para a integridade física de outrem; 9ª – Pelo que ao ter feito operar uma alteração substancial dos factos constantes da acusação que não se verificava, nem estava assente em quaisquer factos, violou o douto despacho a quo o disposto nos artigos 1º, nº 1, al. f) e 359º, nº 1 e 2, ambos do Código de Processo Penal e o disposto no artigos 24º, nºs. 1, al. a) e 4, 81º, nº 1, al. a) e 82º, nºs. 1, als. b) e c) e 2, todos do Regime Jurídico das infracções contra a Saúde Pública, aprovado pelo D.L. nº 28/84, de 20 de Janeiro e nele se aplicou incorrectamente o disposto no artigo 282º, nº 1, do Código Penal; 10ª – Em consequência, deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogado o douto despacho a quo e ordenado que o mesmo seja substituído por douta Sentença a proferir».

    Em resposta, o arguido arenga que: «3.1. Como se diz na acusação trata-se duma pequena exploração familiar.

    3.2. O arguido nega ter dado ou mandado dar a substância Clembuterol aos seus animais nem a conhece.

    3.3. Substância esta que foi detectada em dois bovinos, embora, na altura, tivessem sido abatidos, naquele matadouro, mais bovinos seus e de outras pessoas.

    3,4. Os Senhores fiscais e autuantes, declararam em audiência que não assistiram ao abate, nem à desmancha dos bovinos referenciados com a substância Clembuterol.

    3.5. O arguido...

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