Acórdão nº 120/04.2IDGRD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 18 de Abril de 2007

Magistrado ResponsávelGABRIEL CATARINO
Data da Resolução18 de Abril de 2007
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Recorrente: A...

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Recorrido: Ministério Público.

Acordam, na secção criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

  1. – Relatório.

    Insatisfeito com a decisão prolatada no processo supra referido, em que na procedência da pronúncia que contra si havia sido deduzida, o condenou, como autor material de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelo artigo 26º do Código do IVA e punível pelo artigo 24º do Regime Jurídico das Infracções Fiscais Não Aduaneiras (Decreto-Lei n.º 20-A/90 de 15.1, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 394/93 de 24.11), actualmente punível pelo artigo 105º, n.º1 e 2 do Regime Geral da Infracções Tributárias (Lei n.º 15/2001 de 5/6), na pena de noventa dias de multa, à taxa diária de € 5,00, o que perfaz o montante global de € 450,00 (quatrocentos e cinquenta euros), recorre o arguido, A..., casado, empresário da construção civil, filho de ...... e de ....., nascido em 5/2/1957, natural de ......, ....., residente em Rua da ......, tendo rematado a respectiva motivação com o sequente acervo conclusivo: «1- Os recibos de fls. 203 e 204 não fazem prova suficiente e definitiva do recebimento do IVA pelo arguido.

    2- Deveria ter sido feita prova suplementar ‘de que o IV A ingressou nos cofres do arguido e deles se apropriou.

    3- As testemunhas de acusação a este propósito nada sabiam.

    4- O Tribunal não valorou a existência de uma acção judicial para cobrança da quantia que as fls. 155 e 156 titulam, que para além do mais legitima a absolvição com base na dúvida.

    5- O Tribunal erradamente admitiu como possível que as facturas de elevado valor tivessem sido pagas em numerário.

    6- O Tribunal não poderia ter dado como provado que o IV A liquidado foi efectivamente recebido.

    7- Independentemente do que se alegou, o arguido repôs a verdade fiscal, pagou os impostos, estão satisfeitas as condições de prevenção, a ilicitude não é grave, pelo que deveria ter beneficiado do regime de isenção do art. 22º do RGIT.

    08 - A sentença recorrida violou, entre outros, os artigos 105º e 22º do RGIT».

    Em resposta, Exmo. Senhor Procudor-Adjunto, defende o julgado, tendo despedido a estrénua defesa, com as conclusões que a seguir se deixam transcritas.

    I. Ora o recibo – meio de quitação, faz prova do recebimento do montante neles exarado; II. Tais montantes, com o IVA incluído, terão dado entrada no património do arguido; III. Não basta a instauração de acção judicial civil a negar a prática de factos em apreciação criminal, para que esses factos tenham que ser tidos, sem mais, por não provados em sede criminal; IV. O regime de dispensa de pena previsto pelo art. 22º do RGIT é uma prorrogativa que cabe ao julgador determinar

    .

    Nesta Instância, o Exmo. Senhor Procurador-geral Adjunto, é de opinião que deve ser notificado o arguido para cumprir a condição que entretanto introduzida no nº4 do artigo 105º do RGIT – alínea b) do nº4 do artigo 105º do RGIT, introduzida pela Lei nº 53-A/2006, de 29.XII.

    Tal como deixamos expresso no despacho preliminar e de análise do processo consideramos estarmos perante uma questão prévia, induzida pela introdução da condição objectiva de punibilidade aditada pela alínea b) do novel nº4 do artigo 105º do RGIT, pelo que, sendo mais favorável para o arguido e, por isso, de aplicação imediata e com efeito retroactivo, conduzirá à despenalização do ilicito imputado ao arguido e á consequente extinção da responsabilidade penal, pelo que o julgamento se realizará em conferência.

  2. – Fundamentação.

    II.A. – De facto.

    Para a decisão que proferiu ateve-se o tribunal recorrido á sequente factualidade: «a) O arguido, A..., com sede fiscal registada na freguesia de Ervas Tenras, concelho de Pinhel, pela actividade de construção civil - CAE 045211, é sujeito passivo, entre outros, de Imposto sobre Valor Acrescentado, nos termos da alínea a) do n.º1 do artigo 2º do Código do IVA, enquadrado no regime normal trimestral.

    1. O arguido enquanto sujeito passivo de IVA, reteve imposto por si liquidado, apurado em conformidade com o disposto nos artigos 19º a 25º e 71º do Código do IVA, apurado em conformidade com o disposto nos artigos 19º a 25º e 71º do Código do IVA, no montante global de € 42 965,51 (quarenta e dois mil novecentos e sessenta e cinco euros e cinquenta e um cêntimos), relativos ao 1º trimestre do ano 2001.

    2. Essa prestação tributária, recebida pelo arguido, não foi entregue ao respectivo credor tributário - o Estado, no prazo legal para a sua entrega, ou seja até ao dia 15 do 2º mês seguinte respectivo trimestre, que no caso seria até ao dia 15 de Maio de 2001.

    3. O arguido era à data dos factos responsável pela retenção e posterior colocação de tais impostos à ordem da Fazenda Nacional, nos termos legais.

    4. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito de obter uma vantagem patrimonial com tais montantes, que integrou no seu património.

    5. Mais sabia que havia liquidado tais quantias de terceiros a título de IVA, com a obrigação de os entregar nos cofres do Estado e que, ao apropriar-se desses valores, causava prejuízo patrimonial à entidade supra referida, com a diminuição das respectivas receitas fiscais.

    6. O arguido não ignorava ser a sua conduta proibida por lei penal.

      Mais se provou que: h) O arguido exerce de forma habitual e lucrativa a actividade de construção civil, o que constitui o seu escopo empresarial.

    7. No exercício dessa actividade, em 2001, contratou com a empresa “B...

      ”, com sede em Vila Franca das Naves, a realização de obras de edificação de uma Albergaria, sita em Vila Franca das Naves.

    8. O arguido iniciou a empreitada, ao abrigo da relação contratual assumida com “B...”, tendo sido acordado que facturaria os serviços à medida da sua execução e aceitação.

    9. Assim, foi-se procedendo a parciais aceitações da empreitada e ao pagamento das respectivas facturas, emitidas pelo arguido.

    10. As facturas n.º155 e 156 datadas de 24/3/2001 e de 30/3/2001, respectivamente no valor de € 295, 702,13 têm subjacentes a liquidação de IVA que à taxa legal então em vigor ascende a € 42 965.51.

    11. O arguido intentou contra a “B...” uma acção declarativa ordinária, que corre termos sob o n.º 219/05.8 TBPNH, neste Tribunal, peticionando o pagamento das facturas n.º 155 e 156 e, concomitantemente, do IVA.

    12. O arguido já liquidou o montante em dívida referente ao IVA em falta e respectivos juros.

    13. O arguido está socialmente integrado.

    14. Colaborou com a administração fiscal no âmbito da inspecção a que foi sujeito.

    15. Do certificado de registo criminal do arguido nada consta.

      2.2. Factos não provados.

    16. Dos serviços prestados e devidamente recebidos pela “B...” não foram pagas as facturas n.º 155 e 156 datadas de 24/3/2001 e de 30/3/2001, respectivamente no valor global de € 295 702,13.

      Não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a decisão da causa.

      2.3. Convicção do Tribunal.

      O Tribunal formou a sua convicção com base na conjugação crítica de todas as provas atendíveis e produzidas em sede de audiência de discussão e julgamento, bem como na documentação junta aos autos, conjugados com as regras de experiência comum, na medida em que, fundamentadamente, conduziram à formação de um todo lógico e coerente de verdade.

      Valoramos, desde logo, o depoimento da testemunha C...

      ..., inspectora tributária, que, de forma isenta e credível, com recurso aos documentos juntos aos autos confirmou ao tribunal a maior parte dos factos constantes da acusação. Assim, disse aquela testemunha que em relação ao IVA apurou imposto em falta referente às facturas nºs 155 e 156. Mais referiu aquela testemunha que o arguido apresentou declarações de substituição referente àquelas facturas, mas que não foram acompanhadas do respectivo meio de pagamento. Disse, ainda, que não sabe se o IVA constante dessas facturas foi ou não recebido. Por último, referiu que o montante do IVA em causa já foi liquidado pelo arguido.

      De igual modo, atendemos ao depoimento da testemunha D...

      , igualmente inspector tributário, que, de igual modo, confirmou ao tribunal a maior parte dos factos constantes da acusação. Disse, ainda, ao tribunal que não avaliou os fluxos financeiros do arguido, mas que em relação às facturas em causa existiam recibos na contabilidade referentes a tais facturas. Mais referiu que o arguido colaborou com a acção inspectiva.

      Valoramos, ainda, o depoimento da testemunha E...

      que referiu ser fornecedor de alguns materiais de construção utilizados pelo arguido na construção da Albergaria das Naves, pertencente à “B...” Por último, em relação à prova testemunhal atendemos, ainda, ao depoimento da testemunha F...

      para dar como provada a matéria vertida em p) dos factos provados.

      Valoramos, igualmente, os documentos juntos aos autos, mais propriamente as facturas de folhas 90 e 91, bem como os recibos de folhas 203 e 204.

      Foram, igualmente, relevantes os documentos de folhas 183 a 190 para dar como provado que o arguido já liquidou os montantes em dívida.

      Atendemos, ainda, ao teor da petição inicial que deu origem aos autos n.º 219/05.8 TBPNH de folhas 179 a 181 para dar como provado que o arguido instaurou uma acção contra a “B...” para cobrar o montante das facturas nºs 155 e 156.

      Por último, atendemos ao teor do certificado de registo criminal do arguido, junto aos autos a folhas 117.

      No tocante aos factos atinentes ao elemento subjectivo do ilícito, dado que o mesmo respeita ao íntimo de cada um, retira-se o mesmo da prática pelo arguido dos factos integrante da infracção que lhe é apontada conjugados com as regras de experiência comum.

      No concernente aos factos não provados, e para além do que já resulta excluído em face da matéria provada, os mesmos resultaram de ausência de mobilização probatória capaz de convencer o Tribunal da sua efectiva verificação.

      Na verdade, o cerne da questão prendia-se em saber se o arguido recebeu ou não da “B...” o montante referente às facturas n.º 155 e 156 que têm subjacentes a liquidação do IVA que deu origem...

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