Acórdão nº 96/04.6TAGVA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Março de 2007
Magistrado Responsável | JORGE DIAS |
Data da Resolução | 28 de Março de 2007 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.
No processo supra identificado foi proferida sentença que julgou procedente a acusação deduzida pelo Magistrado do Mº Pº contra os arguidos: 1 - A..., com sede na Zona Industrial de X... ; representada pelo seu único gerente, a seguir identificado; 2 - B..., casado, gerente, natural de ..., nascido a ..., filho de ... e de ..., residente na Zona Industrial de X..., estando actualmente, e desde 25/10/02, preso no Estabelecimento Prisional de Custóias - Porto; 3 - C...
, solteira, empregada de escritório, natural de ..., nascida a ..., filha de B e de ..., residente na Zona Industrial de X...; e 4 - D..., casado, técnico superior de gestão, natural de ..., nascido a ..., filho de ... e de ..., residente no Bairro de Y....
Sendo decidido: 1 - Condenar o arguido B, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal na forma continuada, p. e p. pelos arts. 105º, nºs 1 e 2, do RGIT, aprovado pela Lei 15/01, 05/06, e 30º, n.º 2, do Código Penal, na pena de vinte (20) meses de prisão.
2 - Condenar a arguida C, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, p. e p. pelos arts. 105º, nºs 1 e 2, do RGIT, aprovado pela Lei 15/01, 05/06, e 30º, n.º 2, do Código Penal, na pena de 130 (cento e trinta) dias de multa, à taxa diária de € 4 (quatro euros).
3 - Condenar o arguido D...
, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, p. e p. pelos arts. 105º, nºs 1 e 2, do RGIT, aprovado pela Lei 15/01, 05/06, e 30º, n.º 2, do Código Penal, na pena de 75 (setenta e cinco) dias de multa, à taxa diária de € 6 (seis euros).
4 - Condenar a sociedade arguida A, nos termos do art.º 7.º n.ºs 1 e 3, do RGIT, numa multa de cento e cinquenta (150) dias, à taxa diária de dez euros (€ 10).
*** Inconformados, interpuseram recurso os arguidos, B, C e D.
São do seguinte teor as conclusões, formuladas na motivação do recurso, e que delimitam o objecto do mesmo: 1- O presente Recurso incide sobre o julgamento da matéria de facto e da matéria de direito.
2- Entendem os Recorrentes que a decisão recorrida está inquinada por uma deficiente valoração das provas sujeitas à Douta apreciação do Tribunal, ou seja, que a prova produzida em audiência de discussão e julgamento assim como os documentos junto aos autos não suportam a factualidade dada como provada pelo Tribunal "a quo".
3- Apreciando cuidadosamente a prova produzida, entendem os recorrentes que se mostram incorrectamente julgados (art.412, n.º 3, a) do C.C.P.) os factos dados como provados no Douto Acórdão nos pontos 6, 7, 9 e 10.
4- Na verdade, os Senhores Inspectores Tributários, testemunhas de acusação, E...
e F...
foram unânimes a declararem que o IVA em falta na acusação respeita apenas ao IVA liquidado pela "A" nas suas operações activas (transmissões de bens e prestações de serviços).
5- Tais depoimentos permitem concluir que no procedimento de apuramento do imposto em falta na "A", não foi tido em consideração o IVA referente às aquisições de bens e serviços efectuadas pelo mesmo sujeito passivo no exercício da sua actividade.
6- Concluiu-se, também, pelo depoimento da testemunha E que o apuramento do IVA em causa nos autos foi efectuado por correcções técnicas, através do preenchimento do Modelo 383.
7- Os depoimentos das testemunhas de acusação atrás identificadas, estão, aliás de harmonia com as declarações prestadas pela arguida C... no que respeita ao facto de a Administração Fiscal, através do Inspector E, não ter tido em conta o IVA suportado pela "A" nas aquisições de bens e serviços.
8- Mostra-se, também, incompreensível que nenhum dos Inspectores de Finanças tenha conseguido explicar cabalmente ao Tribunal a sua intervenção no Processo.
9- Sintomático é até o facto de a testemunha F, que foi o instrutor do processo, não ter feito a confirmação indispensável de quais as importâncias realmente em falta e devidas pela "A" relativamente a cada um dos 7 trimestres referidos na acusação.
10- Com efeito, esta testemunha afirmou desconhecer quais os montantes de IVA efectivamente devidos pela "A" naqueles períodos.
11- Também, a prova documental junta aos autos, nomeadamente, os documentos de folhas 26 a 38, 408 a 414 e 519 a 527, não permitia ao Tribunal dar como provado que as importâncias em falta e que se mostravam devidas fossem as constantes da acusação.
12- Com efeito, no primeiro documento a folhas 33, o Sr. Inspector E refere que, por inexistência de contabilidade não aplicou a metodologia inerente ao crédito do imposto, pelo que o IVA a entregar é igual ao IVA liquidado na facturação processada.
13- Por sua vez, no segundo documento, o Sr. Inspector F refere a folhas 409 que o imposto em falta no valor de 119.314,54 € foi apurado em conformidade com o disposto nos arts. 19 a 25 e 71 do Código do IVA.
14- Finalmente, no que a documentos diz respeito, as declarações de folhas 519 a 527 mostram de forma concludente que o imposto tido como em falta e considerado devido pela "A" foi apurado tendo em consideração apenas o IVA das operações activas da empresa, ou seja, apenas o IVA a favor do Estado tendo-se desprezado o IVA a favor do sujeito passivo.
15- Assim, não se conformam os recorrentes com a decisão que deu como provados os factos constantes dos pontos 6, 7, 9 e 10, considerando-os incorrectamente julgados.
16- Entendem os recorrentes que, quer as declarações da arguida C... (cassete n.º 1-Lado A), quer os depoimentos das testemunhas E (cassete n.º 1-Lado A e início do Lado B) e F (cassete n.º 1-Lado B) impõem decisão diversa da que consta naqueles pontos 6, 7, 9 e 10, dados como provados no Acórdão recorrido.
17- Entendem também os recorrentes que os documentos juntos aos autos impõem igualmente decisão diversa da que consta nos referidos pontos.
18- O Acórdão recorrido viola também o art. 105 do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) e ao arts, 19, 1, 22, 1, 4 e 5 e 26, 1 do Código do Imposto Sobre o Valor Acrescentado (CIVA).
19- O Tribunal "a quo" interpretou o art. 105,1 e 2 do RGIT no sentido de considerar como prestação tributária legalmente obrigada a entregar, o IVA constante das facturas emitidas pelos sujeitos passivos do IVA, no caso concreto a "A".
20- Ora, esta interpretação é inaceitável.
21- Com efeito, como referem Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos em Regime Geral das Infracções Tributárias, Anotado, de 2001 da Áreas Editora, pag, 587: "para efeitos do art.105 do RGIT os valores a considerar são os que nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à Administração Tributária ".
22- Ora, a legislação aplicável é precisamente constituída por, entre outra, os art.s 19, 22 e 26 do CIVA, 23- Que, em síntese, acolhem o sistema do "Método do Crédito do Imposto" que se caracteriza no seguinte: O operador assume a qualidade de devedor do Estado pelo valor do imposto facturado aos clientes pelas vendas realizadas em determinado período (IMPOSTO LIQUIDADO ou IMPOSTO A FAVOR DO ESTADO). Mas, em contrapartida, o operador é credor do Estado pelo total do imposto suportado nas compras efectuadas no mesmo período (IMPOSTO DEDUTÍVEL ou IMPOSTO A FAVOR DO SUJEITO PASSIVO).
Em consequência, o imposto a entregar ao Tesouro Público relativamente ao período considerado será apenas o valor correspondente à diferença entre aquele débito e este crédito. A dedução do imposto suportado nas compras é imediata (art.
22 do CIVA), sendo assim a dedução é de natureza financeira e não física " (Vidal Lima, Código do Imposto Sobre o valor Acrescentado, Edição Porto Editora, pag.29).
24- Assim, as importâncias constantes da Acusação e que o Tribunal "a quo" deu como provado serem as que legalmente se mostravam devidas pela "A", não foram apuradas nos termos legais aplicáveis, desrespeitando-se os arts. 19, 22 e 26 do CIVA.
25- Atento o mecanismo do IVA, poderia até dar-se o caso de, nos períodos (trimestres) referidos na Acusação, a "A" ser credora do Estado.
26- Além de tudo isto, há ainda que referir que, no caso concreto, o IVA que se mostrasse devido deveria ter sido apurado por Métodos Indirectos nos termos conjugados dos artigos 83-A e 84 do CIVA com os artigos 87, b), 88, a) e 90 da LGT, dada a inexistência de contabilidade e a falta de declarações periódicas por parte da "A.
27- Finalmente, alegam ainda os recorrentes que o Acórdão está ferido do vicio de contradição insanável (art. 410, 2, b) CPP.
28- Com efeito, na página 8 do Acórdão refere-se: "suscitaram-se no decurso da audiência de julgamento dúvidas sobre o montante de IVA em dívida ao Estado, designadamente por a inspecção realizada não ter efectuado eventuais deduções do imposto, principalmente do IVA das matérias primas adquiridas".
29- Ora, esta parte da fundamentação está, claramente, em contradição com o ponto 9 dos factos dados como provados.
30- E este vício resulta claramente do texto da decisão recorrida, não só por si só, como também das regras do senso comum e da experiência humana.
31- Com efeito, não pode dar-se como provado que as importâncias de IVA que se mostravam devidas são as constantes do ponto 9 da decisão e, ao mesmo tempo, admitir, na fundamentação, dúvidas sobre o montante de IVA em dívida ao Estado, dúvidas cujo desaparecimento não foi cabalmente justificado.
NESTES TERMOS DEVE O PRESENTE RECURO PROCEDER, SENDO RECONHECIDAS: - A ERRADA VALORAÇÃO DA PROVA CONSIDERADA PELO TRIBUNAL " A QUO", - A ERRADA APLICAÇÃO DAS NORMAS CONSTANTES DO ART. 105,1 E 2) DO REGIME GERAL DAS INFRACÇÕES TRIBUTÁRIAS (RGIT), - A ERRADA INTERPRETAÇÃO DOS ARTIGOS 19, 22 E 26 DO CÓDIGO DO IMPOSTO SOBRE O VALOR ACRESCENTADO (CIVA), - A EXISTENCIA DO VICIO DE CONTRADIÇÃO INSANAVEL ENTRE A FUNDAMENTAÇÃO E A DECISÃO E CONSEQUENTEMENTE SEREM OS ARGUIDOS ABSOLVIDOS DO CRIME EM QUE FORAM CONDENADOS.
Foi apresentada resposta, pelo Magistrado do Mº Pº, na qual conclui: 1- O douto acórdão recorrido não padece de qualquer vício que possa afectar a...
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