Acórdão nº 1253/03.8TBILH.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 27 de Fevereiro de 2007

Magistrado ResponsávelJORGE ARCANJO
Data da Resolução27 de Fevereiro de 2007
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra I – RELATÓRIO 1.1. - Os Autores - A....

e mulher, B...

– instauraram na Comarca de Ílhavo acção declarativa, com forma de processo ordinário, contra os Réus: 1º) - C...

e mulher, D...

  1. ) - “E...

    ”, com sede em no lugar de S. Bernardo, Aveiro.

    Alegaram, em resumo: Os Autores são proprietários de um prédio rústico, composto de terreno de cultura e eucaliptal, sito em Ervosas, Ílhavo, confinante com um prédio rústico, pertencente aos 1ºs Réus, ambos inferiores à unidade de cultura e destinados à utilização agrícola.

    Por escritura pública de 13/6/2003, os 1ºs Réus venderam à 2ª Ré o referido prédio rústico confinante, pelo preço de € 35.000,00, sem prévia notificação aos Autores, depois de o transformarem em prédio urbano, por declaração para inscrição na matriz, inserindo-se em zona interdita à construção e de Reserva Agrícola Nacional ( RAN ), assistindo-lhe o direito de preferência ( art.1380 nº1 do CC ).

    Pediram cumulativamente: a) - Que seja declarada nula e de nenhum efeito a alteração da natureza do prédio alienado de “rústico” em “urbano”, feita pelos 1ºs Réus; b) - Ser reconhecido aos Autores o direito de preferência na alienação do prédio identificado no art.11º da petição; c) - O direito de haverem para si tal imóvel, mediante depósito do respectivo preço, sisa, despesas notariais e outras; d) - A condenação da 2ª Ré a entregá-lo aos Autores, livre de pessoas e bens.

    Contestaram os Réus, defendendo-se, em síntese: Arguíram a nulidade do processo por a petição não ter sido acompanhada de suporte digital, e por excepção, invocaram a ilegitimidade activa da Autora mulher, o prédio destinava-se à construção urbana, por se situar próximo da zona industrial de Ervosas, não inserido na RAN, sendo que aquando da venda já não tinha a natureza de rústico, a renúncia do direito de preferência pelos Autores e o abuso de direito, impugnando a restante factualidade, concluindo pela improcedência da acção.

    Replicaram os Autores, contraditando a nulidade processual e a excepção dilatória.

    1.2. - No saneador julgou-se improcedente a arguida nulidade processual e a excepção dilatória de ilegitimidade activa, afirmando-se a validade e regularidade da instância.

    1.3. - Realizada a audiência de julgamento, seguiu-se sentença que decidiu pela integral procedência da acção, declarando-se nula e de nenhum efeito a alteração da natureza do prédio identificado em B) vendido pelos 1ºs Réus à 2ª Ré, reconhecendo-se aos Autores o direito de preferência na alienação desse mesmo prédio, e haverem eles para o direito de propriedade sobre tal imóvel, substituindo-se àquela 2ª Ré na posição de compradores, sendo devida a essa mesma 2ª Ré o depósito efectuado do respectivo preço, sisa, despesas notariais e outras, condenando-se ainda a 2ª Ré a entregar tal prédio livre de pessoas e bens àqueles primeiros.

    1.4. - Inconformada, a 2ª Ré (E... ) recorreu de apelação, com as conclusões que se passam a resumir: (……..) II – FUNDAMENTAÇÃO 2.1. – Delimitação do objecto do recurso: Considerando que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões, as questões essenciais que importa decidir são as seguintes: 1ª) - Incompetência material do tribunal comum para conhecer do primeiro pedido; 2ª) - Nulidade processual; 3ª) - Nulidade da sentença por omissão de pronúncia; 4ª) - Anulação do julgamento, por vício da deficiência; 5ª) - Alteração da matéria de facto ( quesitos 1º, 4º, 10º e 18º ) 6ª) – Se assiste aos Autores o direito de preferência ( a violação do art.1381 a) do CC, do art.3º do DL 93/90 de 19/3 e do art.12 nº1 do DL 196/89 de 14/6 ).

    2.2. - 1ª QUESTÃO/ A incompetência material do tribunal comum: No despacho saneador apenas se conheceu expressamente da nulidade do processo e da excepção dilatória da ilegitimidade activa, afirmando-se quanto ao mais, de forma tabelar, a validade e regularidade da instância.

    Ainda que continue em vigor a doutrina do Assento do STJ de 27/11/91 ( DR I-A de 11/1/92 ), agora transformado em acórdão de uniformização, a declaração genérica sobre a competência material do tribunal e a inexistência de excepções ( peremptórias ) não faz caso julgado formal, como decorre do art.510 nº3 do CPC.

    Muito embora a apelante não tenha invocado na contestação tal excepção dilatória ( arts.494 a) do CPC ), só a vindo arguir em sede de recurso, e nas alegações de direito em 1ª instância pugne até pela improcedência do primeiro pedido ( fls.359 ), o certo é que ela é de conhecimento oficioso ( art.495 do CPC ), mesmo pela Relação ( arts.660 nº1 e 713 nº2 do CPC ).

    A competência, enquanto medida de jurisdição de cada tribunal que o legitima para conhecer de determinado litígio, como pressuposto processual, afere-se nos termos em que a acção é proposta (pedido e causa de pedir), ou seja pela relação jurídica tal como o autor a configura ( cf., por ex., ALBERTO DOS REIS, Comentário ao Código de Processo Civil, vol.1º, pág.110, MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, pág.88; Ac do STJ de 3/2/87, BMJ 364, pág.591, de 12/1/94, C.J. ano II, tomo I, pág.38 ).

    Nos termos do art.66 do CPC, “ são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional” e neste mesmo sentido já estabelecia o art. 14 da LOTJ (DL 38/87 de 23/12), tal como agora o artigo 18º da LOFTJ.

    A competência dos tribunais judiciais é aferida por critérios de atribuição positiva e de competência residual e, segundo o artigo 67 do CPC, as leis de organização judiciária determinam quais as causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais judiciais dotados de competência especializada.

    Na base da competência em razão da matéria está o princípio da especialização, que permite reservar para certas categorias de tribunais o conhecimento de certas causas, atendendo à especificidade das matérias.

    O art.209 da Constituição prevê a existência de várias categorias de tribunais, incluindo aí, nomeadamente, os tribunais judiciais e os tribunais administrativos e fiscais, competindo a estes “o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais” ( art.212 nº3 doa CRP ), com tradução semelhante na lei ordinária, conforme art.4º do ETAF (aprovado pelo DL nº 129/84, de 27/04).

    Por conseguinte, os tribunais administrativos e fiscais apenas são competentes para dirimir litígios emergentes de relações jurídico-administrativas e jurídico-fiscais.

    Ressalva, contudo, o nº1 do art. 4º do ETAF, a existência de recursos e acções que estão excluídos da jurisdição administrativa, designadamente as questões de direito privado, ainda que qualquer das partes seja pessoa de direito público. Neste caso não verifica-se uma relação jurídica de direito administrativo, e, portanto, os tribunais administrativos não são competentes para o seu julgamento - e as acções cuja apreciação pertença por lei à competência de outros tribunais – postulando-se, assim, uma cláusula de natureza residual.

    De acordo com a Lei Geral Tributária ( DL nº398/98 de 12/12 ), “consideram-se relações jurídico-tributárias as estabelecidas entre a administração tributária, agindo como tal, e as pessoas singulares ou colectivas e outras entidades legalmente equiparadas a estas “( art.1º nº2 ).

    O Código da Contribuição Autárquica (aprovado pelo DL nº442-C/88 de 30/11), ao tempo em vigor, define o conceito de prédios, para efeitos fiscais ( arts.2º a 6º), bem como a possibilidade de alteração das matrizes ( arts.13º a 15º ), entretanto revogado pelo Código do IMI ( aprovado pelo DL nº287/2003 de 12/11, com entrada em vigor em 1/12/03 ).

    Para o CCA, “As matrizes prediais são registos de que constam, designadamente, a caracterização dos prédios e o seu valor tributável, a identidade dos proprietários e, sendo caso disso, dos usufrutuários” ( art.13º ), e o CIMI contém uma definição similar no art.12º.

    Também o Código do Registo Predial afirma que “ a descrição tem por fim a identidade física, económica e fiscal dos prédios “ ( art.79 nº1 ).

    As matrizes prediais, enquanto detidas pelos serviços do registo predial e armazenadas pelas repartições de finanças, constituem dados públicos, integradas numa lógica de publicitação à comunidade, oferecendo segurança e clareza ao tráfego jurídico dos diversos aspectos da propriedade imobiliária.

    Compete, assim, à Administração Fiscal o registo e organização das matrizes prediais, sendo que em determinadas situações, como as proporcionadas pelas alterações e actualizações, se apresenta até como a única entidade válida no exercício da função registral de publicitação de alguns elementos que integram os prédios, que escapam ao registo predial.

    Daí que à Administração Fiscal, não obstante o propósito de harmonização com o registo predial ( arts.28 a 32 do CRP ), compita uma função registral paralela, dada a obrigatoriedade do registo das matrizes prediais, ainda que só para efeitos fiscais constituam presunção de propriedade.

    A inscrição do prédio na matriz e a actualização são efectuadas com base em declaração apresentada pelo sujeito passivo, ou então oficiosamente, originando o registo da respectiva matriz ( agora em suporte digital ou em papel ), para efeitos tributários, classificando os prédios como rústicos, urbanos e mistos, determinando...

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