Acórdão nº 562/2002.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 12 de Dezembro de 2006

Magistrado ResponsávelTELES PEREIRA
Data da Resolução12 de Dezembro de 2006
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra I – A Causa 1. A...

(A., neste recurso Apelado), menor, representado por sua mãe, B... [ A acção foi intentada inicialmente pela mãe do menor, em seu próprio nome. Posteriormente, correspondendo ao convite formulado, nos termos do artigo 265º, nº 2 do Código de Processo Civil, através do Despacho de fls. 34, foi apresentada uma nova petição (cfr. fls. 45/47) na qual figura como A. o próprio menor, representado por sua mãe (v. artigo 1869º do Código Civil).

], intentou, em 3 de Setembro de 2002, no Tribunal de Viseu (3º Juízo Cível), a presente acção ordinária, dirigindo-a contra C...

(R. , neste recurso Apelante) e pedindo o reconhecimento judicial de ser este (o R.) o seu (dele A.) pai. Logo na petição inicial – na qual alegou ser ele A. fruto das relações sexuais havidas entre a sua mãe e o R., concretamente das ocorridas entre Janeiro e Setembro de 1998[ O A. nasceu em 3 de Novembro de 1998, sendo que o respectivo “período legal da concepção” – ou seja, os primeiros 120 dias dos 300 que precederam o seu nascimento (artigo 1798º do Código Civil) – mediou entre 7/01/1998 e 6/05/1998.

] – requereu a realização de “exames hematológicos” visando comprovar o vinculo biológico de paternidade do R. relativamente a ele.

O R. contestou (fls. 27/30), negando ter mantido “[…] quaisquer relações de sexo […]” com a mãe do A..

Culminando a fase dos articulados foi proferido Despacho Saneador, fixados os factos (então) assentes e elaborada a base instrutória (fls. 51/53), apresentando A. e R. os respectivos requerimentos de prova (cfr. fls. 56/57 e 60), tendo o A. reiterado o pedido de realização de prova pericial consubstanciada no mencionado “exame hematológico”.

1.1.

Em sede de instrução do processo, foi admitida, através do Despacho de fls. 70, a realização desse exame, solicitando-se a marcação do mesmo ao Instituto Nacional de Medicina Legal (INML), o que viria a ocorrer por três vezes (fls. 74, 87 e 100), frustrando-se sempre a realização do mesmo por falta do R. (fls. 79, 92 e 105), não obstante ter sido sempre notificado para esse efeito (fls. 76, 88 e 104)[ O que motivou a sua condenação em multa a fls. 82, 95 e 108.

]. A fls. 121 foi o R. pessoalmente notificado para esclarecer se estava disposto a submeter-se a tal exame[ Sendo no mesmo acto informado que o exame implicaria para ele, tão só, a “colheita de saliva” (v. o mandado junto a fls. 118).

], apresentando, em função dessa notificação, o seguinte requerimento: “[…] António Campos Cardoso, […], tendo em conta o mui douto despacho de Vª. Exª. […] vem dizer que não está disposto a submeter-se aos exames requeridos, pois que, segundo o seu entendimento […] os mesmos têm para ele uma carga psicológica e social de vexame, que não está disposto a assumir.

[…]” [transcrição de fls. 123] Face a este esclarecimento, foi proferido – e notificado ao R. – o seguinte Despacho: “[…] Face à expressa recusa do réu em submeter-se a exame hematológico e sem prejuízo das consequências daí decorrentes em sede de repartição do ónus da prova, atento o disposto no artigo 519º do [Código de Processo Civil], determino o prosseguimento dos autos sem prévia realização do aludido exame.

[…]” [transcrição de fls. 126] 1.2.

Realizou-se, então, a audiência de julgamento, na qual se procedeu à gravação da prova testemunhal produzida, finda a qual se fixou, através do Despacho de fls. 172/178, por referência à base instrutória, a matéria de facto provada. Fundamentando a resposta (conjunta) aos quesitos 1º, 2º, 3º, 4º, 5º e 8º[ 1º O R. manteve com a [mãe do A.] um relacionamento amoroso, concretizado em relações sexuais completas? 2º Desde há mais de 10 anos? 3º Sempre que o réu realizava serviços para a [mãe do A.] ou a encontrava casualmente, convidava-la para manterem relações sexuais? 4º O que se concretizava? 5º Os comportamentos referidos em 1º a 4º ocorreram, também, nos meses de Janeiro a Setembro de 1998? 8º O relacionamento sexual da [mãe do A.] com o réu foi exclusivo, sendo apenas com o réu que a [mãe do autor] manteve relações sexuais nos primeiros 120 dias dos 300 que precederam o nascimento do [autor]?] [ Resposta que foi: “Provado apenas que em virtude dos serviços que realizava para a mãe do menor A... […], o réu encontrava-se várias vezes com a B...na residência desta e nas suas propriedades, tendo com a mesma mantido relações sexuais pelo menos nos primeiros 120 dias dos 300 que precederam o nascimento do menor.”], disse-se nesse Despacho: “[…] A convicção do tribunal no sentido de que o réu manteve relações sexuais com a B... pelo menos nos primeiros 120 dias dos 300 que precederam o nascimento do menor, assentou nas regras da experiência comum, à luz das quais e socorrendo-se do disposto no artigo 351º do Código Civil, se entendeu presumir a existência de tal relacionamento, conjugando o facto objectivo de a B... e o réu se conhecerem, trabalharem juntos e se encontrarem com bastante frequência durante o período que antecedeu o nascimento do menor, quer na residência daquela, quer nas propriedades agrícolas onde trabalhavam, com a persistente recusa por parte do réu em se submeter aos exames de sangue.

Estabelece o artigo 519º, nº 2, parte do Código de Processo Civil, para além do mais, que se aquele que recuse a colaboração for parte, o tribunal apreciará livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, recusa essa que, no caso do réu, evidencia, no entender do tribunal, que este se considera, no plano subjectivo, como o verdadeiro pai biológico do menor A..., recusando a feitura do exame com o fundado receio de que o seu resultado venha a comprovar esse facto.

[…]” [transcrição de fls. 175/176] E, depois de lembrar as sucessivas recusas do R. em se submeter a exame, culminando com a já referida recusa expressa, acrescentou-se nessa fundamentação: “Com tal actuação e sem invocar uma causa legítima para a sua recusa, sem dúvida que o réu inviabilizou ao autor a produção de um meio de prova de especial relevância sobre um facto essencial para o julgamento da causa.

Entende assim este tribunal que há que extrair consequências da recusa assumida pelo pretenso progenitor em fazer os exames com vista à averiguação da paternidade do menor A..., o qual apostando objectivamente na eventual escassez e/ou fragilidade da prova testemunhal, no facto de a mãe do menor ter outros filhos sem a paternidade estabelecida e sabendo, como sabia, nunca ter sido assumido publicamente qualquer relacionamento amoroso com a mãe do menor, optou assim por inviabilizar a utilização de tal meio de prova.

[…] Por tudo o exposto, valorando a recusa do réu nos termos supra referidos e conjugando a mesma com a demais prova testemunhal produzida, a qual permitiu apurar que a B...e o réu se encontraram com bastante frequência, quer na residência daquela, quer nas propriedades agrícolas onde trabalhavam, durante o período que antecedeu o nascimento do menor, entendeu o tribunal, à luz das regras da experiência, o aludido relacionamento sexual entre a mãe do menor e o réu, pelo menos, nos primeiros 120 dias dos 300 que precederam o seu nascimento.

[…]” [transcrição de fls. 176 e 178] Consignou-se, ainda, no mesmo Despacho, fundamentando desta feita a resposta “não provado” ao quesito 9º da base instrutória[ 9º Deste relacionamento resultou a gravidez que sobreveio à [mãe do menor] e da qual [este] nasceu […]?], o seguinte: “Todavia, se tal conjugação é suficiente e bastante para permitir ao tribunal concluir no sentido apontado, já o não será para, a partir de tal relacionamento sexual em tal período, se dar como estabelecido o vínculo biológico e, daí, ter o tribunal considerado não provado ter sido dessas relações que resultou a gravidez que sobreveio à B... e da qual nasceu o A..., matéria objecto do artigo 9º da base instrutória.

Na verdade, entendemos que para a prova de tal vínculo biológico os elementos probatórios apontados não são suficientes para, com segurança, se concluir nesse sentido.

[…]” [transcrição de fls. 178] Proferiu, então, a Exmª Juíza do Círculo de Viseu a Sentença de fls. 181/189, a Decisão ora apelada, julgando a acção procedente e reconhecendo, consequentemente, o A. como pai do R.. Assentou este pronunciamento na circunstância, que o Tribunal entendeu emergir da matéria de facto, de se ter considerado integrada a presunção de paternidade constante da alínea e) do nº 1 do artigo 1871º do Código Civil (CC) e não ter a mesma sido ilidida pelo R., nos termos do nº 2 da mesma disposição. Reconhecendo o Tribunal que essa presunção entrou em vigor (o diploma que a acrescentou ao artigo 1871º) em data posterior ao termo do período legal da concepção, considerou-a, não obstante, aplicável por estarem em causa (v. artigo 12º, nº 2, trecho final do CC) relações – as relações biológicas de paternidade – constituídas anteriormente à entrada em vigor da lei, mas subsistentes nessa data.

1.3.

Inconformado, interpôs o R. o presente recurso de apelação, alegando-o a fls. 217/231 e sintetizando a sua pretensão através das seguintes conclusões: “[…] 1- A douta sentença recorrida não valorou correctamente a recusa do R. em realizar o exame hematológico solicitado nos autos; 2- Ao alegar que não se submetia a exame por o mesmo...

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