Acórdão nº 2061/06.0YRCBR de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 25 de Outubro de 2006
Magistrado Responsável | ATA |
Data da Resolução | 25 de Outubro de 2006 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.
Inconformado com o despacho proferido pelo Tribunal de Instrução Criminal de Coimbra no âmbito da instrução n. 924/03.3 TACBR que não pronunciou o arguido - A...
- da prática de factos que qualifica como autoria de crime de injúria, p.p. pelos 181º, 183º, nº1 al. a), 184º e 132º, nº2 al.j) do Código Penal, o assistente B...
recorre da decisão.
Na motivação do recurso apresenta as seguintes conclusões: 1.- O despacho recorrido, ao não pronunciar, em parte, o arguido, violou o disposto no artigo 26°, n° 1, da Constituição da República Portuguesa e 72°, do Código Civil 2.- Normas de "estrutura" constitucional, atinentes à protecção ao direito fundamental ao bom nome e, como tal, directamente aplicáveis, nos termos do artigo 18°, n° 1 daquele diploma 3.- E ainda o disposto no artigo 181°, n° 1, do Código Penal, comando de ultima ratio destinada a fazer assegurar a garantia constitucional. Com efeito, 4.- Tidas as coisas na objectividade que elas assumiram nas relações entre o assistente e o arguido, não pode deixar de considerar-se que o mesmo foi muito para além do exercício saudável e legalmente tutelado do direito à liberdade de expressão e de crítica, ainda que científica, fazendo-se resvalar para um âmbito relevando da pura vindicta pessoal e que, por isso, não pode merecer tolerância jurídico-penal 5.- Contrariamente, pois, ao assumido pelo douto despacho recorrido o qual, por conseguinte, considerou que o chamar-se "desonesto" a pessoa com a qual se discute é, nessa sede, tolerável.
Em resposta o Ministério Público apresenta as seguintes conclusões: 1 - Como é generalizadamente assinalado pela doutrina juspenalística, o direito penal actua apenas para a tutela subsidiária de bens jurídicos claramente individualizáveis, só sendo desencadeados os gravosos instrumentos ao serviço deste direito e só fazendo sentido aplicar uma pena para tutela, em ultima ratio, de um bem jurídico-penal.
2 - O art. 26°, n.1, da Constituição da República Portuguesa ao indicar, entre o elenco das garantias individuais das pessoas, o direito ao bom nome e reputação, mais não significa que o direito a não ser ofendido ou lesado na sua honra, dignidade ou consideração social. É a este comando constitucional que tem de adequar-se a interpretação dos art.180° e 181°, do Código Penal quando falam em honra e consideração. E ao referir como bem jurídico destes crimes a honra ou consideração, o Código Penal limitou-se a utilizar sinónimos, verificando-se total congruência entre a tutela jurídico-penal e a protecção jurídico-constitucional dos valores da honra das pessoas.
3 - Para que se verifiquem estes tipos legais é necessário que o facto imputado ou o juízo formulado sejam idóneos, em abstracto, para causarem uma ofensa à honra ou à consideração da pessoa visada. Contudo, não deve considerar-se ofensivo da honra e consideração de outrem tudo aquilo que o queixoso entenda que o atinge, de certos pontos de vista, mas aquilo que, razoavelmente, isto é, segundo a sã opinião da generalidade das pessoas de bem, deverá considerar-se ofensivo daqueles valores individuais e sociais.
4 - Ora, uma cuidada apreciação dos factos e o seu confronto com a incriminação da injúria determina a conclusão de que não é possível subsumir, em nosso entender, a conduta do arguido na factualidade típica daquela infracção. Ou seja, a não correspondência dessa conduta à factualidade típica daquela incriminação destinada à tutela da honra torna impossível a condenação do arguido logo em sede de tipicidade; e se torna impossível uma tal condenação, isso vale como imperativo para que ele não deva ser pronunciado, atenta a consabida regra de que uma pronúncia só pode juridicamente ter lugar quando a futura condenação se mostre mais provável do que a absolvição, quando, por outra forma, logo em sede de .. indícios suficientes .. não se suscite qualquer dúvida razoável à sua subsistência.
5 - E, a razão decisiva da atipicidade da conduta do arguido prende-se com o objectivo da interpelação/exposição: o que fez o arguido foi confrontar o assistente com a exposição teórica que acabara de fazer, criticando a falta de inovação e afirmando que o tema constaria já de qualquer manual, considerando-o, por isso, intelectualmente desonesto, não se revelando, pois, qualquer intenção de atingir o assistente na sua honra.
6 - Preenchido não se encontra também o tipo de ilícito subjectivo do crime de injúria, uma vez que exige o dolo ( genérico, sob a forma de dolo directo, necessário ou eventual ); e, como se referiu, não pode considerar-se dolosa, sob qualquer forma, a conduta do arguido.
7 - Com efeito, atentemos nos factos: assistente e arguido estiveram presentes num Simpósio Nacional de Investigação em psicologia, encontrando-se este último entre a assistência e sendo o primeiro, além de moderador, responsável pela apresentação de uma comunicação científica. Aberto o debate o arguido dirigiu-se ao assistente, ao que parece em tom de voz elevado, dizendo-lhe que o que acabara de ali expor mais não era do que uma reprodução do que podia ler-se em qualquer manual e que o assistente era intelectualmente desonesto.
8 - O que fez o arguido foi confrontar o assistente com a exposição teórica que acabara de fazer, criticando a falta de inovação e afirmando que o tema constaria já de qualquer manual. Sendo que o arguido e assistente têm em comum a área científica que escolheram para concluírem as respectivas formações académicas e que o referido simpósio versava sobre matérias que ambos dominam.
9 - Ora, é inequívoco que a referência à honestidade não é uma forma, aberta ou subtil, de colocar em causa a probidade do assistente, mas sim a crítica à apresentação, como originais ou novas, de ideias que, afinal, são já do domínio dos interlocutores e, assim, em nada contribuem para o debate o que, para alguém com a posição académica do assistente, não é intelectualmente...
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