Acórdão nº 255/09.5TAVIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 29 de Junho de 2011

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução29 de Junho de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. RELATÓRIO: No âmbito do processo comum (tribunal singular) n.º 255/09.5TAVIS que corre termos no Tribunal Judicial de Viseu, 1.º Juízo Criminal, a fim de serem julgados em processo comum, com intervenção do tribunal singular, o Ministério Público acusou: SC...

, casado, motorista, residente no …, Viseu; VF...

, casado, industrial, residente na Rua …, Viseu; “XXX.... Limitada, pessoa colectiva n.º …, com sede na Rua …, Viseu, imputando a prática, aos arguidos SC...e VF…, de um crime continuado de abuso de confiança contra a Segurança Social, p. p. pelos art.ºs 30.º, n.º 2, do Código Penal, e 105.º, n.º 1, e 107.º, n.º 1, do Regime Geral das Infracções Tributárias (Lei n.º 15/2001, de 05 de Junho) – RGIT –; e, à sociedade arguida, a prática de um crime continuado de abuso de confiança contra a Segurança Social, p. p. pelos art.ºs 30.°, n.º 2, do Código Penal, e 7.º, n.º 1, 105.º, n.º 1, e 107.°, n.º 1, do RGIT, nos termos constantes da acusação deduzida nos autos, que aqui se dá por reproduzida.

O “Instituto da Segurança Social, I.P., Centro Distrital de Viseu” deduziu pedidos de indemnização civil contra os arguidos, pedindo a condenação solidária destes no pagamento da quantia de € 16.436,84, esta relativa a cotizações pagas aos seus trabalhadores e gerentes, sendo € 12.881,49 de cotizações propriamente ditas e € 3.555,35 relativos a juros vencidos até 11.02.2010, quantia essa acrescida de juros vencidos desde então e vincendos até integral e efectivo pagamento. Já no decurso do julgamento, veio o demandante informar nos autos, e assim se documentou, que, no âmbito dos processos de execução fiscal onde a quantia pedida nestes autos é, também, quantia exequenda, foi celebrado acordo para pagamento em prestações com o arguido VF..., pedindo, por via disso a extinção da instância cível por inutilidade superveniente da lide, o que veio a ser declarado na sentença de fls. 335 a 349, prosseguindo os autos apenas para apreciação da responsabilidade penal.

* Na sequência disso, efectuada que foi a audiência de julgamento, em 7/1/2011, foi proferida sentença, cujo Dispositivo é o seguinte: “1.

Condenar o arguido VF..., pela prática de um crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, na forma continuada, p. e p. pelo artigo 107.º do RGIT, na pena de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa, no quantitativo diário de € 10,00 (dez euros), perfazendo o montante global de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros).

  1. Condenar a sociedade arguida XXX... Limitada, como responsável penal pelo crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, na forma continuada, p. e p. pelo artigo 107.º do RGIT, na pena de 350 (trezentos e cinquenta) dias de multa, no quantitativo diário de € 5,00 (cinco euros), perfazendo o montante global de € 1.750,00 (mil setecentos e cinquenta euros).

  2. (…) Mais decido julgar parcialmente improcedente a acusação e, em consequência: 4.

    Absolver o arguido SC...

    da prática do crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, na forma continuada, p. e p. pelo artigo 107.º do RGIT, de que vinha acusado.” (…)” **** Inconformado com a decisão, dela veio interpor recurso o arguido VF...

    , em 10/2/2011, defendendo a revogação da sentença recorrida, e sua substituição por outra decisão que o absolva, por extinção do procedimento criminal, ou, caso assim não suceda, que reduza ao mínimo legal a pena de multa que lhe foi aplicada, ou, até mesmo, que o dispense de pena, extraindo da sua motivação as seguintes Conclusões: 1. Considerando os elementos constantes do processo, muitos deles, até, relevados na douta sentença e outros resultantes da apreciação da prova gravada e produzida em julgamento, deve a douta sentença ser revogada e substituída por outra decisão que absolva o recorrente da prática do crime de que vinha acusado, ou reduza o montante da pena de multa aplicada, ou, até mesmo, que dispense o recorrente de uma pena.

  3. O Tribunal a quo considerou, e bem, como provado, no ponto 10 do quarto parágrafo da sentença recorrida que «no âmbito do processo de execução fiscal onde a quantia em dívida a título de cotizações nestes autos é também quantia exequenda, e na sequência da reversão nos termos do artigo 160.º do CPPT contra o arguido VF..., foi celebrado acordo entre este e a Segurança Social para pagamento da mesma em prestações».

  4. Todavia, o Tribunal a quo olvida na sentença recorrida que tal acordo, celebrado entre o arguido VF... e a Segurança Social, foi-o com a garantia do imóvel inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, Viseu, facto que resulta a fls. dos presentes autos.

  5. Deveria, pois, ter sido dado como provada a prestação de garantia pelo recorrente, para cumprimento do referido acordo de pagamento da dívida em prestações, facto que não deixa de ser da maior relevância, no que às finalidades preventivas especiais da punição diz respeito e que, no caso concreto, se possam fazer sentir, já que poderia, a nosso ver, ter servido como circunstância excludente da pena.

  6. No mais considerou, ainda, o Tribunal a quo, nos pontos 23 e 24 do sexto parágrafo da sentença recorrida que «quanto à situação pessoal do arguido VF..., prova-se que (…)23. Vive numa casa, há cerca de 15 anos a esta parte, casa essa registada em nome do filho, o arguido VF..., seu único filho. 24. O arguido VF... é dono, não obstante, de outras casas. (…)»; 6. Deve corrigir-se o ponto 23 do sexto parágrafo da sentença recorrida, pois, onde se lê «casa essa registada em nome do filho, o arguido VF..., seu único filho», deve ler-se “casa essa registada em nome do filho, o arguido SC..., seu único filho”.

  7. Quanto ao ponto 24, do sexto parágrafo da sentença recorrida, verifica-se ter incorrido em erro o Tribunal a quo, ao dar como provado que «o arguido VF... é dono, não obstante, de outras casas», pois o que resulta das suas declarações é que morou em outras casas e não que é dono de outras casas, pelo que se impõe a sua correcção.

  8. Foi, também, considerado como provado pelo Tribunal a quo, no ponto 6 do quarto parágrafo da sentença recorrida que «as cotizações retidas nas remunerações efectivamente pagas dizem respeito ao período de Fevereiro de 2007 a Agosto de 2008 e totalizam o montante global de quinze mil cinquenta e nove euros e sessenta e oito cêntimos».

  9. Resulta da certidão de dívida que integra o pedido de indemnização civil deduzido pela Segurança Social, a fls., que o montante das cotizações mensais retidas é inferior a sete mil e quinhentos euros, valor mínimo do qual depende a relevância penal do facto.

  10. “Coma Lei 64-A/2008, de 31-12, foi dada nova redacção ao n.º 1 do artigo 105.º do RGIT, introduzindo-se a locução “de valor superior a € 7500”, com o que o legislador criou um novo elemento objectivo do tipo, eliminando o número de infracções criminais de abuso de confiança fiscal as condutas omissivas traduzidas na não entrega de prestações tributárias deduzidas desde que o respectivo montante seja igual ou inferior àquele valor, passando a configurar o crime em questão apenas as condutas “desviantes” de prestações de valor superior àquele quantitativo; o limite mínimo constitutivo do crime passou assim a ser substanciado por “descaminho” de prestação tributária de valor superior a € 7500; V – Só fará sentido considerar a descriminalização, desde que se acolha a tese da relevância, nesta sede, dos valores individualizados de cada prestação que é o critério legal constante do n.º 7 do artigo 105.º do RGIT, sendo que a consideração de crime continuado ou de um único crime não afasta esse dispositivo; a regra da relevância do valor de cada declaração consta de forma directa nos artigos 103.º, n.º 3 e 105.º, n.º 7, este reproduzindo ipsis verbis, e por remissão, o n.º 7 do artigo 105.º, é aplicável aos crimes de fraude e abuso de confiança contra a segurança social – artigos 106.º, n.º 2 e 107.º, n.º 2. Significa isto que prevalecerá a norma do n.º 7 do artigo 105.º e sendo assim ter-se-ão em conta os valores individuais de cada declaração. XXXVI – Neste sentido, o artigo 107.º contém uma norma em branco, sendo preenchido em aspectos normativos em função da remissão para o artigo 105.º que tipifica o crime congénere, com a mesma matriz, de abuso de confiança fiscal. XXXVII – Essa dependência do tipo do artigo 107 só pode significar que a sua completude apenas será atingida se reportada a todos os seus elementos normativos do “tipo integrador”, incluindo os valores mínimos determinativos da qualificação – o que já era – e agora da própria incriminação (cfr. Ac. STJ, de 04-02-2010, dgsi.pt).

  11. Nesta matéria, perfilhamos o entendimento do Conselheiro Santos Cabral, aderindo aos fundamentos apresentados no seu voto de vencido ao Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 8/2010, DR 186, Série II, de 2010-09-23, que fixou jurisprudência no sentido de que a exigência do montante mínimo de € 7500, de que o n.º 1 do artigo 105º do RGIT (…) faz depender o preenchimento do tipo legal de crime de abuso de confiança fiscal não tem lugar em relação ao crime de abuso de confiança contra a segurança social previsto no artigo 107 n.º 1 do mesmo diploma.

  12. Somos da opinião de que o propósito de harmonização entre as duas previsões (artigos 105º e 107 do RGIT) se acha bem patente com a construção de um novo tipo contra-ordenacional, previsto no Código do Regime Contributivo Previdencial para a Segurança Social, constante da Lei n.º 11/2009, de 19 de Setembro, o qual refere no artigo 42.º que «sem prejuízo do disposto no RGIT, a violação do disposto nos n.ºs 1 e 2 constitui contra-ordenação leve quando seja cumprida nos 30 dias subsequentes ao termo do prazo e constitui contra-ordenação grave nas demais situações».

  13. A qualificação de um facto como contra-ordenação significa eo ipse a denegação da dignidade penal e da carência da tutela penal; dignidade e carência que não podem atribuir-se com a outra mão, ao elevar o mesmo facto ao estatuto e ao regime de ilícito criminal...

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