Acórdão nº 235/08.8TTBGC.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 13 de Junho de 2011
Magistrado Responsável | FERREIRA DA COSTA |
Data da Resolução | 13 de Junho de 2011 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Reg. N.º 768 Proc. N.º 235/08.8TTBGC.P1 Acordam no Tribunal da Relação do Porto: B… deduziu[1], com o patrocínio da Senhora Procuradora da República, contra C… – Companhia de Seguros, S.A. acção declarativa, com processo especial, emergente de acidente de trabalho, pedindo que se condene a R. a pagar ao A.: • € 2.086,59 de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária; • O capital de remição da pensão de € 514,80, com início em 2008-04-08; • € 80,06 para reembolso das despesas de taxas moderadoras/internamentos, medicamentos e material de ortopedia; • € 61,70 para reembolso das despesas de transporte e alojamento; e • juros de mora à taxa legal.
Alega o A., para tanto e em síntese, que no dia 8 de Outubro de 2007 quando, exercendo a profissão de trolha na construção civil, como trabalhador independente e auferindo a retribuição anual de € 604,50 por 14 meses, sofreu um acidente que consistiu na queda de uma altura de 4 metros quando estava a colocar réguas numa porta que dava acesso para uma varanda duma casa em construção, do que lhe resultou lesões que lhe determinaram incapacidade temporária e permanente para o trabalho, que a R. imputa a negligência grosseira e exclusiva do sinistrado e a inobservância das regras de segurança, também por parte dele.
Contestou a R., impugnando parcialmente os factos alegados pelo A. e, por excepção, alegou não aceitar a existência e caracterização do evento como acidente de trabalho, por entender que o mesmo ocorreu por negligência grosseira do sinistrado e por violação de normas de segurança, pelo que está excluída a sua reparação e requerendo a final a realização de exame por junta médica para fixação da incapacidade do A.
Foi proferido despacho saneador, assentes os factos considerados provados e elaborada a base instrutória, sem reclamações.
Determinou-se o desdobramento do processo para fixação da incapacidade do A. e, autuado por apenso o respectivo incidente e realizada a junta médica, foi proferida decisão, pela qual foi fixada ao sinistrado uma IPP de 4,93%.
Realizado o julgamento com gravação da prova pessoal, respondeu-se à base instrutória, sem reclamações – cfr. fls. 164 a 167.
Proferida sentença, o Tribunal a quo condenou a R.: a) a pagar ao A. B…: - o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia no valor de € 292,06 (duzentos e noventa e dois euros e seis cêntimos), com efeitos a partir de 08/04/2008, a calcular oportunamente de acordo com as regras fixadas na Portaria 11/2000 de 13/01; - a quantia de € 1.708,17 (mil setecentos e oito euros e dezassete cêntimos) relativa a indemnização por incapacidade temporária para o trabalho; - o montante global de € 78,81 (setenta e oito euros e oitenta e um cêntimos) relativo a despesas com assistência médica e tratamentos; - o montante global de € 61,70 (sessenta e um euros e setenta cêntimos) relativo a despesas de deslocação; - juros de mora sobre todas as prestações em dívida, à taxa legal, desde a data do respectivo vencimento quanto à pensão e à indemnização pela incapacidade temporária e desde a citação quanto às demais prestações, até integral pagamento; b) a providenciar ao A. a assistência médico-cirúrgica de que este careça, ainda, designadamente para retirada do material de osteossíntese.
Inconformada com o assim decidido, veio a R. interpôr recurso de apelação, pedindo que se revogue a sentença, tendo formulado a final as seguintes conclusões: 1. Entende a Apelante que o Tribunal não apreciou a questão da exclusão da situação em apreço das garantias do contrato de seguro, questão essencial para a resolução deste litígio e alegada pela ora Apelante em sede de contestação (cfr. arts. 40.º e 41.º), sendo, por isso, a sentença nula, nos termos do art. 668.º, n.º 1, d), do C.P.C..
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A R. invocou esta exclusão, alegando que o Autor não observou as regras estabelecidas para garantir as condições mínimas de segurança, não estando, por isso, este acidente garantido pela apólice em causa, mas o Tribunal não a apreciou.
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Nestes termos, caso o Tribunal de 1.ª Instância não o tenha feito, deve o Tribunal a quem pronunciar-se sobre a questão da exclusão do contrato de seguro por violação das regras de segurança por parte do A., estabelecida na alínea g) do n.º 1 do art. 4.º da Apólice Uniforme.
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E considerando a matéria dada como provada, designadamente nos pontos 8, 9, 17 a 20, que a Ré se abstém de transcrever, deve o Tribunal a quo considerar que o acidente proveio de acto e/ou omissão que importou a violação das regras de segurança previstas na lei.
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Provado que o A. caiu da varanda onde se encontrava e que a existência de guarda corpos ou cinto de segurança eram medidas adequadas a prevenir o risco de queda em altura, devia ter o Tribunal a quo concluído, nem que fosse por presunção judicial (cfr. art. 349.º do Código Civil) que a existência daqueles meios de protecção impediria o Autor de cair, ou dito de outro modo, senão fosse a inexistência daqueles meios de protecção o A. não cairia.
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Razão pela qual deve o Tribunal julgar procedente o alegado pela R., considerando que o acidente ora em causa está excluído do contrato de seguro, nos termos do disposto no art. 4.º, n.º 1, g) da Apólice Uniforme, absolvendo a R. dos pedidos contra si deduzidos.
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Atentos os factos dados como provados, resulta evidente que as circunstâncias em que o Autor trabalhava implicavam um risco efectivo de queda, pelo que era imposto por lei que aquele adoptasse as medidas especiais de protecção para evitar as quedas em altura.
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Se a utilização de guarda-corpos e/ou de cinto de segurança era o meio eficaz para prevenir o risco de queda em altura, impedindo uma eventual queda, então, era legalmente imposto ao Recorrido que, naquelas concretas circunstâncias, o utilizasse.
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Do cotejo dos preceitos legais supra invocados, resulta que o Autor tinha obrigação de tomar todas as precauções necessárias a garantir a sua segurança, verificando, antes de executar qualquer tarefa, os riscos que tal acarretava, sob pena de, não o fazendo, ser responsável pelos acidentes que em virtude do seu não uso, ocorram.
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É do conhecimento comum, a especial perigosidade e o especial risco de queda e de sofrer lesões inerente aos trabalhos exercidos a mais de 4 metros do chão.
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Note-se que o murete existente na bordadura da varanda com apenas 66 cm de altura não era manifestamente dispositivo de segurança adequado ou eficaz - por isso, aliás, é que a Lei estabelece 1 metro como altura mínima para guarda corpos.
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Da mesma forma, não pode ser considerado dispositivo de segurança adequado ou eficaz, o andaime montado a cerca de dois palmos de distância da varanda, que, aliás, possibilitou a queda do Autor.
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Por outro lado, o tipo de tarefa exercida, numa varanda em construção, que implicava que o Autor exercesse força, puxando pelos grampos, susceptíveis de se soltar, e, consequentemente, de provocar o desequilíbrio do Autor, implicava, como é evidente meios de protecção colectiva e/ou individual adequados.
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Atenta a sua profissão, não podia o Autor ignorar as normas legais supra referidas que, aliás, traduzem regras de elementar cuidado, sendo certo que, mesmo que as ignorasse, ignorantia legis non excusat.
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Provada a violação das regras de segurança por parte do Autor e demonstrado que a utilização de guarda corpos e cinto de segurança seria uma medida adequada a prevenir e diminuir o risco de queda em altura, devia o Tribunal a quo concluir que o acidente ocorreu por violação das regras de segurança por parte do Autor, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 7.º, alínea a) da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro.
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Aliás, a prova que o Autor quando caiu exercia as suas tarefas a cerca de 4 metros de altura, sem guarda corpos, sem cinto de segurança ou qualquer meio de protecção que evitasse a queda, não só permitia mas impunha que o Tribunal concluísse que o seu comportamento era temerário em alto e relevante grau.
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Ficou, pois, mais do que demonstrado que o Autor violou as mais elementares regras de segurança e que agiu com negligência grosseira, e que foi a sua conduta a única causa do acidente dos autos, pelo que não podia deixar de estar, nos termos do disposto no art. 7.º da LAT, excluído o direito à reparação.
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Deve, pois, julgar-se procedente o recurso interposto pela Recorrente, absolvendo-se a R. dos pedidos contra si deduzidos.
O A. apresentou a sua contra-alegação de resposta à apelação, concluindo pelo não provimento do recurso.
Recebido o recurso, elaborado o projecto de acórdão e entregues as respectivas cópias aos Exm.ºs Juízes Desembargadores Adjuntos[2], foram colhidos os vistos legais.
Cumpre decidir.
São os seguintes os factos dados como provados pelo Tribunal a quo: 1- A R. dedica-se à actividade seguradora (alínea A).
2- No âmbito desta sua actividade a R. contratou com o sinistrado, trabalhador independente, a transferência da responsabilidade infortunística deste, resultante de acidentes de trabalho ocorridos consigo próprio na actividade respectiva (alínea B).
3-Mediante contrato de seguro do ramo "acidentes de trabalho por conta própria", titulado pela apólice com o n.º 1 1.00026783 (alínea C).
4- Auferia o A. a retribuição de € 604,50 x 14 meses/ano, perfazendo a retribuição anual de €8.463,00, retribuição esta abrangida pela apólice referida (alínea D).
5- Cerca das 11 horas, do dia 8 de Outubro de 2007, em Miranda do Douro, no exercício da actividade de trolha da construção civil, o A. sofreu um acidente que consistiu em ter caído de uma varanda, de uma altura de cerca de quatro metros (alínea E).
6- Em consequência da queda o A. sofreu fractura da extremidade distal do rádio esquerdo (alínea F).
7- A R. não prestou ao A...
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