Acórdão nº 81/08.9GBMGR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 18 de Maio de 2011

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução18 de Maio de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

1.Relatório: A) No âmbito do processo comum (tribunal colectivo) n.º 81/08.9GBMGR que corre termos no Tribunal Judicial da Marinha Grande, 3.º Juízo, ao arguido PS...

foi imputada a prática, em autoria material, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 131.º e 132.º , n.ºs 1 e 2, do C. Penal.

O ISS, I.P. – CNP deduziu pedido de indemnização civil pedindo para ser reembolsado do pagamento das prestações por morte que efectuou aos filhos menores do falecido, no montante total de 14.230,18 euros, acrescido dos respectivos juros de mora legais, desde a data da notificação até integral e efectivo pagamento.

Em sede de audiência de julgamento, tal pedido foi ampliado para a quantia de 19.147,22 euros.

Pela assistente RN..., companheira da vítima, e por seus filhos menores, MS... e KL..., foi deduzido pedido civil pedindo para serem ressarcidos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos com a morte de FF..., no valor global de 281.094, 63 euros, acrescidos de juros de mora desde a notificação até efectivo e integral pagamento.

Efectuada a audiência de julgamento, por acórdão de 24/6/2010, foi decidido o seguinte (com interesse para o presente recurso): “ a) absolver o arguido PS...da prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, do C. Penal; b) condenar o arguido PS..., pela prática de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo artigo 137.º, n.º 1, do C. Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão que se suspende na sua execução por igual período, nos termos do artigo 50.º, do C. Penal; (…)” **** Inconformado com a decisão, dela recorreu, em 16/7/2010, o Ministério Público, defendendo que existe erro de julgamento na apreciação da matéria de facto, além de existir, por outro lado, contradição na fundamentação de facto e erro notório na apreciação da prova, acrescentando, ainda, que a conduta do arguido não pode ser enquadrada em sede de legítima defesa putativa, por insuficiência da matéria de facto, motivo pelo qual o arguido deve ser condenado como autor material de um crime de homicídio, p. e p. pelo artigo 131.º, do C. penal, ou, caso assim não se entenda, que seja ordenado o reenvio dos autos para novo julgamento, extraindo da respectiva motivação do recurso as seguintes conclusões: 1. Ao dar como provado que o arguido representou que a vítima tinha consigo uma arma de fogo que se preparava para utilizar e que só disparou contra o ofendido por ter representado uma agressão iminente deste com a arma de fogo, temendo pela sua vida e da sua acompanhante, baseando-se fundamentalmente nas declarações do arguido, o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, tendo em conta as regras da experiência comum, porquanto, para além da versão daquele ser incongruente e inverosímil quanto a essa representação, dos restantes factos apurados não resulta que o ofendido estivesse na iminência de agredir o arguido ou a acompanhante, pelo que o colectivo na apreciação das provas infringiu o disposto no artigo 127.º, do CPP.

2. Existe contradição na fundamentação de facto, entre a agressão iminente representada pelo arguido e a restante matéria fáctica, mormente, não se deram como provados actos ou gestos intimidatórios por parte do ofendido, bem como de qualquer arma de fogo na posse deste que fizessem crer, seriamente, ao arguido que ia ser alvejado.

3. O acórdão recorrido padece, ainda, na sua fundamentação, de erro notório na apreciação da prova, porquanto, ao dar como provado que o arguido disparou um tiro na direcção da vítima (embora para o ombro – facto 36º -), prevendo que o seu disparo poderia provocar a morte (facto 76º) e que actuou sem se conformar com a produção desse resultado (facto 77º), nele se configuram duas realidades conclusivas inconciliáveis, tendo em conta as regras da experiência comum no que se reporta à utilização da arma de fogo como instrumento de agressão dos mais letais, que normalmente causa lesões fatais, mesmo quando o agressor procura zonas não vitais do corpo, risco esse que foi assumido pelo arguido ao disparar voluntariamente contra a vítima.

4. Ainda que se considere que o arguido apenas disparou por ter representado aquela agressão iminente da vítima com arma de fogo, tal erro não lhe é desculpável, porquanto o mesmo não é sustentado em actos objectivos praticados pela vítima e que pudessem ser razoavelmente interpretados por uma pessoa medianamente prudente de que a seguir à ameaça se seguisse inevitavelmente e de imediato a própria agressão ao arguido ou à sua acompanhante.

5. Ao apreciar e julgar a conduta do arguido num quadro de legítima defesa putativa, com recurso ao disposto no artigo 16.º, n.º2, do C. Penal, o tribunal a quo infringiu, por erro de interpretação, o disposto nesta disposição legal, pois a atitude do arguido não se fundou num erro objectivamente inevitável, por não se ter provado que naquelas circunstâncias o mesmo não tinha hipótese plausível de fuga e que para afastar aquele perigo não tinha outra alternativa que não fosse a de disparar contra a vítima.

6. Ao decidir assim, o tribunal a quo fê-lo, ainda, com insuficiente matéria de facto para o efeito, o que vicia, também, a fundamentação do acórdão, face ao disposto no artigo 410.º, n.º 2, al. a), do CPP.

7. Deve o acórdão recorrido ser alterado, expurgando-se do mesmo os factos relativos à representação do arguido da agressão iminente por parte da vítima e, dando-se como provado, em face dos meios de prova supra referidos, nomeadamente das declarações do próprio arguido, dos depoimentos das testemunhas HJ… e BC..., da reconstituição dos factos, do relatório de autópsia e da perícia de balística, que o arguido, ao disparar contra o ofendido FF…, previu que lhe poderia provocar a morte e que actuou conformando-se com a produção desse resultado e, consequentemente, condenar-se o arguido como autor material do crime de homicídio, p. e p. no artigo 131.º, do C. Penal.

8. Caso assim não se entenda, deverá ser ordenado o reenvio dos autos para novo julgamento, a fim de serem supridos os apontados vícios de fundamentação do acórdão recorrido e se harmonizar a matéria de facto.

**** RN…, assistente e demandante cível, em 22/10/2010, veio aos autos, a fls. 930, manifestar a sua adesão ao recurso interposto pelo Ministério público, fazendo sua, com a devida vénia, a respectiva motivação.

**** O arguido PS..., em 17/11/2010, respondeu ao recurso, defendendo a sua improcedência total, apresentando as seguintes conclusões: 1. Bem decidiu o Colectivo ao decidir como decidiu.

2. A matéria de facto dada como provada resulta de uma avaliação criteriosa da prova produzida.

3. A versão dos factos descrita pelo arguido é perfeitamente plausível e é confirmada pelos depoimentos, não só da testemunha HJ..., designadamente na parte que retro se transcreve, como das restantes transcrições dos depoimentos quer do perito GL…, quer da testemunha DD..., bem como pelos relatórios periciais e respectivos esclarecimentos.

4. Inexiste qualquer erro de julgamento, designadamente contradição na fundamentação de facto ou erro na apreciação da prova.

5. O erro em que incorreu o arguido é-lhe desculpável e foi, inquestionavelmente, consequência do comportamento da vítima.

6. O arguido actuou em situação de erro sobre a existência de uma causa de exclusão da ilicitude, concretamente o arguido agiu na plena convicção de que estava a agir numa situação de legítima defesa, já que representou, e bem, dadas as circunstâncias, que estava perante uma agressão ilícita e iminente a ser perpetrada em si mesmo ou na pessoa que com ele se encontrava, estando esta agachada, aterrorizada e incapaz de se defender.

7. O arguido recorreu ao único meio adequado a repelir a agressão.

8. O comportamento do arguido é subsumível à previsão dos artigos 32.º e 16.º, do C. Penal. **** O recurso foi, em 14/12/2010, admitido.

Já no Tribunal da Relação de Coimbra, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu, em 14/1/2011, douto parecer, no qual não acompanhou o recurso, salientando que “(...) não vislumbramos do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, nenhum dos vícios apontados.

” Mais disse que “Inclinamo-nos, antes, para a tese do tribunal a quo, ao considerar que a matéria de facto provada evidencia que o arguido actuou erroneamente convencido da existência de uma situação de justificação, mais concretamente a legítima defesa.

Na esteira de Figueiredo Dias, trata-se de um erro sobre um estado de coisas que, a existir, exclui a ilicitude do facto, ou seja, uma situação putativa de justificação.

Ora, neste contexto, perante uma situação de legítima defesa putativa, fica sempre em aberto a possibilidade de punir o agente por facto negligente, nos termos do disposto no artigo 16.º, n.ºs 2 e 3, do C. Penal, quando se verifiquem os pressupostos do tipo negligente como, aliás, o fez – e, em nosso entendimento, bem, em face de todo o circunstancialismo – o tribunal recorrido.

Nesta conformidade, a condenação do arguido PS… pela prática de um crime de homicídio por negligência, nos termos atrás indicados, não nos suscita qualquer reparo, merecendo, por conseguinte, plena confirmação.

” Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, não tendo sido exercido o direito de resposta.

Colhidos os vistos, teve lugar a legal conferência, cumprindo apreciar e decidir.

****II. Decisão Recorrida (com relevo para o recurso): “(…) II – Factos provados: 1. No dia … 2008, cerca da 1h 50, o arguido encontrava-se no parque de estacionamento próximo do café existente na praia de ..., no lugar e freguesia de ..., ..., ao volante do seu veículo automóvel ligeiro de passageiros, de marca Opel, modelo Corsa 2.Com este virado para a praia (oeste) 3. E de forma a ter o aludido café do seu lado esquerdo.

4. Havia chegado minutos antes 5. Acompanhado de HJ… .

6. Que...

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