Acórdão nº 1724/08.0 TBMJT.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 03 de Março de 2011

Magistrado ResponsávelSÍLVIO SOUSA
Data da Resolução03 de Março de 2011
EmissorTribunal da Relação de Évora

Apelação nº 1724/08.0 TBMJT.E1 Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Évora: Relatório Ali.............

, divorciado, residente……….., intentou a presente acção, na forma de processo ordinário, contra o Estado, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de €536.900,00, por danos morais e patrimoniais, acrescida de juros moratórios, à taxa legal, desde a citação até efectivo pagamento, a pretexto de ter sido sujeito a ilegal e abusiva prisão preventiva, articulando factos que, em seu critério, conduzem à procedência do pedido, que, porém, foi julgado improcedente.

Inconformado com sentença, apelou o demandante, culminando as suas alegações, com as seguintes conclusões: - O Autor esteve, por imposição do Réu, no regime de prisão preventiva à ordem do processo nº10/01.0TELSB, entre 12 de Abril de 2006 e 12 de Julho de 2007, portanto, durante um ano e três meses, a qual foi mantida em todos os reexames da subsistência dos respectivos pressupostos; - Neste período de privação da liberdade, o Autor viveu muito triste e amargurado, em 12 de Abril de 2006 (data em que foi detido) estava a trabalhar numa oficina de automóveis e era na profissão de mecânico que ganhava o seu sustento, com a prisão preventiva perdeu esse seu emprego, por isso esteve impedido de receber retribuição mensal e de proceder aos descontos legais para a segurança social; - No período em que esteve preso preventivamente, o Autor teve que cumprir as regras habituais impostas a um recluso, designadamente foi forçado a habitar um espaço colectivo com outros presos, a ingerir refeições de natureza e qualidade e a horas por outros determinadas, a observar horários de refeições e descanso, foi privado de conviver com os seus amigos, com a sua família, com quem lhe aprouvesse, quando quisesse, bem como de exercer a sua sexualidade como o determinasse a sua vontade; - Em resultado dessa privação da liberdade que lhe foi imposta pelo Estado, o Autor sofreu prejuízos de elevado monta, por natureza irreversíveis, e o estado de necessidade em que se encontra bem como o respeito que deve a si próprio levam-no a pedir nesta acção a condenação do Estado a indemnizá-lo pelos prejuízos que sofreu, nas quantias de €39.000,00 por danos patrimoniais e de €500.000,00 por danos morais; - Com a consideração genérica de que “não existe qualquer fundamento para se condenar o Estado Português a pagar uma qualquer indemnização pela privação da liberdade do Autor” a sentença de que se recorre julga a acção totalmente improcedente e nega a Ali............. o direito a qualquer indemnização; - Nos termos do artigo 22º. da CRP o Estado é civilmente responsável por acções ou omissões praticadas no exercício de funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem. Com essa disposição Constituição visa a responsabilidade do Estado por danos resultantes do exercício das funções politica, legislativa, administrativa e jurisdicional e abrange quer a responsabilidade por actos ilícitos, quer por actos lícitos, quer pelo risco. Este preceito constitucional uma norma directamente aplicável; - Assim, sob pena de violação desse preceito constitucional, o legislador ordinário não pode limitar a responsabilidade do Estado aos casos típicos de prisão ilegal ou injustificada, como faz a sentença recorrida; - Por seu lado, dispõe o artigo 9º. do Decreto-Lei nº48051, de 21 de Novembro de 1967 que o “Estado e demais pessoas colectivas públicas, indemnizarão os particulares a que, no interesse geral, mediante actos administrativos legais ou actos materiais lícitos, tenham imposto encargos ou causado prejuízos especiais e anormais”; - Entendemos assim que uma situação de prisão que depois, em sede de decisão final em que o Tribunal absolve em absoluto o arguido porque nada em relação a ele se provou, se vem a revelar injustificada e sem qualquer fundamento face à sua absolvição pelo (s) crime (s) por cujos indícios esteve preventivamente preso, não pode deixar de ser reparada com a devida indemnização - desde que ele peça e que os danos estejam provados; - Ao decidir como o fez está a douta sentença recorrida a desrespeitar o comando constitucional consubstanciado naquele artigo 22º da CRP; - E, ao fundar tal decisão no artigo 225º. do CPP, está a fazer-se uma interpretação inconstitucional dessa norma - por outras palavras é inconstitucional o artigo 225º do CPP interpretado no sentido de que só em caso de manifesta ilegalidade e de erro grosseiro há lugar a responsabilidade civil do Estado. E é-o por violar o aludido artigo 22º da CRP: com efeito, o regime específico e próprio previsto nesse artigo 225º do CPP para os casos de manifesta ilegalidade e erro grosseiro não invalida o regime que resulta do artigo 22º da CRP; - Estando, como estão, processualmente provados os danos patrimoniais e morais sofridos pelo Autor (nos termos consignados na sentença), bem como o carácter injustificado da prisão preventiva (por força da sua absolvição dos crimes), ao Autor deve ser reconhecido o direito à quantia que pede por tais danos; - Ao decidir como decidiu, a sentença recorrida violou, por errada interpretação e aplicação, o artigo 225º do CPP, e por não aplicação o artigo 9º do Decreto-Lei nº 48051, de 21 de Novembro de 1967; - São inconstitucionais os artigos 225º do CPP, nessa interpretação dada pela sentença recorrida, bem como a não aplicação do artigo 9º do Decreto-Lei nº 48051, de 21 de Novembro de 1967, em qualquer dos casos por violação do artigo 22º da CRP. Com efeito, o regime específico e próprio previsto nesse artigo 225º do CPP para os casos de manifesta ilegalidade e erro grosseiro não invalida o regime que resulta do artigo 22º da CRP; - Não pode aceitar-se que os actos de instrução que determinaram a prisão preventiva e a mantiveram ao longo de quinze meses possam/devam ser meramente formais e instrumentais. Eles têm que ser substanciais. O facto de, em sede de prova, nada determinante da sua condenação se ter demonstrado contra o então arguido bem evidencia que tais actos não foram reais e ponderosos, no sentido de profundos e substanciais; - Ao decidir como decidiu, nessa parte a sentença recorrida violou, por errada interpretação a aplicação, o artigo 225º do CPP; - A responsabilidade pela confusão que nos autos se criou quanto à nacionalidade do Autor é de culpa do Réu, já que bastaria exigir /solicitar ao então arguido os seus documentos de identificação para que os elementos retirados fossem certos. Tanto mais que, como bem se vê de todo o processo criminal, na altura o arguido não dominava bem o português pelo que a sua confusão quanto a nacional / natural até é compreensível; - Do facto de o Autor ter sido assistido por defensor oficioso sempre que a lei obriga não pode tirar-se a ilação de que por isso nada é possível questionar. Com efeito, a asistência de defensor oficioso não contribui para diminuir a responsabilidade do Réu nos factos referentes à prisão preventiva - e é isso que nesta acção está em causa.

Termos em que deve julgar-se procedente o presente recurso e, em consequência, proferir-se acórdão que revogue a sentença recorrida e condene o Réu nos pedidos formulados pelo Autor.

O apelado contra-alegou, votando pela manutenção do decidido.

Face às conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento é oficioso[1], o objecto do recurso circunscreve-se à apreciação da seguinte questão: a pretendida aplicação - “eficácia imediata”[2] -, ao caso dos autos, do preceito consagrado no artigo 22º. da Constituição da República Portuguesa.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Fundamentação Na sentença recorrida, foi considerado...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT