Acórdão nº 1156/09.2TBPVZ.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 28 de Abril de 2011

Magistrado ResponsávelMARIA CATARINA
Data da Resolução28 de Abril de 2011
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Apelação nº 1156/09.2TBPVZ.P1 Reg. nº 206.

Tribunal recorrido: 3º Juízo Cível de Póvoa de Varzim Relatora: Maria Catarina Ramalho Gonçalves Adjuntos: Dr. Filipe Manuel Nunes Caroço Drª Teresa Maria dos Santos Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I.

B… e C…, residentes na …, nº …, .º Dtº, Póvoa de Varzim, intentaram a presente acção com processo ordinário contra D…, residente na Rua …, nº …, Póvoa de Varzim e E…, Ldª, com sede na Rua …, nº …, rés-do-chão (representada pelos seus dois sócios, D… e F…), alegando, em suma, que: Por contrato celebrado em 01/08/1986, deram de arrendamento à 1ª Ré uma fracção – da qual são proprietários – devidamente licenciada para o exercício de actividades económicas e/ou serviços; por escritura pública de 12/12/2008, a 1ª Ré efectuou um negócio jurídico que denominou de “constituição de sociedade”, realizando a sua quota no valor de 93.000,00€ através da entrada para a sociedade (a 2ª Ré) do estabelecimento comercial de farmácia que estava instalado na fracção arrendada aos Autores; dessa forma, as Rés realizaram um verdadeiro trespasse do estabelecimento comercial pelo valor de 93.577,87€, sendo que a 1ª Ré realizou a sua quota naquela sociedade com a entrada desse estabelecimento pelo valor de 93.000,00€, tendo recebido o remanescente do preço devido pelo trespasse; na qualidade de senhorios, assistia aos Autores o direito de preferência naquele negócio, sendo certo, porém, que nunca os Réus os notificaram para esse efeito e pretendendo agora exercer esse direito.

Com estes fundamentos, pediam a condenação dos Réus a: ● Reconhecerem que aos Autores assiste o direito de preferência no trespasse a que aludem; ● Abrirem mão do estabelecimento comercial denominado “E…, Lda.”, a favor dos Autores, vendo-se substituídos por estes na respectiva aquisição, recebendo o preço devido, respectiva escritura, devendo para esse efeito juntar aos autos o comprovativo do preço de venda e demais despesas notariais; ● Verem declarado o cancelamento de quaisquer registos que eventualmente hajam sido lavrados com base na referida escritura.

As Rés contestaram, alegando, em suma, que aos Autores não assiste o direito de preferência que vêm invocar, na medida em que, por força do disposto no RAU, esse direito apenas existe nas situações de trespasse por venda ou dação em cumprimento do estabelecimento, o que não aconteceu no caso dos autos em que o estabelecimento foi transmitido em cumprimento da obrigação de entrada no capital da nova sociedade.

Concluem pela improcedência da acção e pedindo a condenação dos Autores, por litigância de má fé, em multa e indemnização a seu favor de valor não inferior a 5.000,00€.

Os Autores responderam ao pedido de condenação por litigância de má fé, sustentando a sua improcedência.

Foi realizada audiência preliminar, após o que foi proferido despacho saneador onde se decidiu julgar improcedente a acção, absolvendo as Rés dos pedidos formulados e absolvendo os Autores do pedido de condenação por litigância de má fé.

Inconformados com essa decisão, os Autores interpuseram o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões: 1. A realização de quotas representativas do capital social de uma sociedade comercial feitas em espécie por via de trespasse de estabelecimento comercial pertencente a uma das sócias gera na esfera jurídica do senhorio do local arrendado direito de preferência? 2. Decidiu o Tribunal a quo em sentido negativo. Salvo o devido respeito, parece-nos que tal decisão é inaceitável. É nossa modesta opinião que o art.º 1112º n.º 4 do C.C. não faz uma enumeração taxativa dos negócios susceptíveis de gerar direito de preferência na esfera jurídica do senhorio de local arrendado trespassado.

  1. Ao contrário, o art.º 1112º n.º 4 do C.C. enumera exemplificativamente os negócios jurídicos onerosos susceptíveis de gerar direito de preferência. Para tal entendimento não é sequer necessário interpretar extensivamente o citado normativo. Bastará invocar-se o argumento histórico, acerca do surgimento no ordenamento Jurídico Português desta norma, para compreender que o que o legislador pretendeu ao enunciar estes dois tipos de negócios, foi afastar o direito de preferência dos regimes de trespasse através de negócios gratuitos, como doações ou testamentos.

  2. A ratio legis do direito de preferência do senhorio no caso de trespasse de estabelecimento é claramente fiduciária. Quer isto dizer, que as razões que presidem à introdução deste normativo em questão, o actual art.º 1112º n.º 4 do C.C. e antigo art.º 116º R.A.U., foram as de permitir ao senhorio a possibilidade de resgatar o imóvel, impedindo as fraudes e injustiças e que o negócio jurídico como o trespasse se presta.

  3. Na realidade, e ao contrário do que acontece com as demais preferências previstas no Código Civil, o senhorio que exerce a preferência não realiza o seu interesse com a coisa sobre que incide o seu direito. O senhorio através da prioridade negocial que o direito de preferência lhe concede realiza outro interesse: o da recuperação efectiva do imóvel.

  4. O carácter essencial para a existência do direito de preferência pelo senhorio nos termos do disposto no art. 1112 n.º 4 do Código Civil é a onerosidade do negócio. A referência à compra e venda e à dação em cumprimento é meramente exemplificativa por serem estas as duas figuras jurídicas de negócios onerosos mais correntes do mundo dos negócios, designadamente, no mundo dos trespasses de estabelecimentos comerciais.

  5. Mal andou a M. Juiz do Tribunal a quo ao não aplicar o disposto no art. 1112º n.º 4 C.C., impedindo deste modo o funcionamento de uma norma que serve como válvula de segurança e mecanismo de controlo às transmissões da posição de arrendatário sem necessidade de consentimento do senhorio.

  6. Dispõe o art. 9º do Código Civil: “A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir de textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas de tempo em que é aplicada.”. A interpretação dada pelo Tribunal a quo ao n.º 4 do art. 1112º C.C. não respeita a regra do art. 9º do Código Civil.

  7. A operação de transmissão do estabelecimento comercial em causa nos presentes autos, consistiu numa entrada em espécie de uma das sócias, a primitiva arrendatária, ora Ré, para a realização da sua obrigação de entrada aquando da constituição da sociedade Ré. Ora, salvo o devido respeito por opinião contrária, a entrada em...

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