Acórdão nº 3579/08.5TBVFR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 14 de Abril de 2011

Magistrado ResponsávelFILIPE CAROÇO
Data da Resolução14 de Abril de 2011
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 3579/08.5TBVFR.P1 – 3ª Secção (apelação) Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira Relator Filipe Caroço Adj. Desemb. Teresa Santos Adj. Desemb. Maria Amália Santos Acordam no Tribunal da Relação do Porto I.

B…, LDA, sociedade comercial por quotas, com sede na Rua …, n.º .., freguesia de …, concelho de Oliveira de Azeméis, instaurou acção declarativa sob a forma de processo sumário contra C…, S.A., com sede na …, .., ….-… Lisboa, alegando, aqui sinopticamente, que a sociedade D…, L.da lhe entregou 8 cheques destinados ao pagamento de produtos que lhe vendeu no valor total de € 8.163,01, sacados sobre uma conta de que era titular na R.

Os cheques não foram pagos, mas devolvidos pela Compensação de Lisboa nas datas em que foram apresentados a pagamento entre 21.12.2006 e 23.7.2007, por motivos que não a falta de provisão, nomeadamente por “cheque revogado, coacção moral” e “cheque revogado, falta vício na formação da vontade”.

Tais declarações, apostas no verso dos cheques são falsas e a R. não tinha quaisquer indícios que justificassem o dever de acatar a eventual ordem de revogação dos cheques emitida pela D….

Em 27.12.2007 a R. recebeu uma carta pela qual a A. lhe comunicou terem os cheques sido devolvidos e não haver motivo algum para a revogação dos mesmos. Em 03.01.2008 a R. respondeu à A., confirmando a recepção do contacto, mais referindo que se encontravam a proceder à análise da situação com o objectivo de dar uma resposta o mais rápido possível. Todavia, nunca mais respondeu.

A R. está obrigada a indemnizar a A. pelos prejuízos causados em montante nunca inferior ao valor do total das quantias apostas nos cheques e nos juros legais contados a partir da data das respectivas datas de vencimento. Alem disso estão vencidos juros moratórios à taxa legal de 4% ao ano, contados a partir das datas dos vencimentos dos cheques, no valor de € 377,30.

E termina com o seguinte pedido: «…, deve a presente acção ser julgada procedente por provada, condenando-se a R. a pagar à autora a quantia de € 8.163,01 referente ao valor dos cheques e € 377,30 referente aos juros vencidos, num total de € 8.540,31, bem como os juros vincendos».

Citada, a C… apresentou contestação impugnando grande parte da materialidade alegada na petição inicial.

O representante legal da D… comunicou à R. que tinha emitido os cheques sob ameaça do representante da A., e o gerente da agência da R. acreditou nessa explicação mandando devolver os cheques pelos referidos motivos.

Pediu a intervenção acessória do representante legal da D…, E… por ter sido com base na sua comunicação e na confiança que a R. tinha na sua pessoa que aceitou a revogação dos cheques.

Para a hipótese de se vir a demonstrar o que a A. alega na sua petição inicial, que tal ameaça jamais existiu e que se tratou de expediente da contestante para evitar inibição de uso de cheques ter-se-á de concluir que a R. terá direito de regresso contra o interveniente em sede de responsabilidade contratual, justificando-se o incidente.

Concluiu no sentido de que a acção seja julgada improcedente, com absolvição da R. do pedido.

A A. respondeu à contestação, concluindo como na petição inicial.

O tribunal admitiu a intervenção do chamado, como auxiliar na defesa da R. que, uma vez citado, ofereceu contestação pela qual impugnou grande parte dos factos alegados na petição inicial e acompanhou a contestação da R., acrescentando que, atenta a sucessiva e crescente intimidação da A., e no sentido de ver-se livre de uma situação que cada vez mais o deprimia e afectava, anuiu a emitir, de uma só vez, e antes do dia 19.12.2006, os cheques dos autos a favor dela. Foi o representante da A. que o obrigou a emitir os cheques, apesar de saber que não havia disponibilidade financeira para os pagar.

Terminou defendendo a improcedência da acção.

A A. respondeu à contestação do interveniente negando qualquer intimidação ou ameaça e afirmando que os cheques foram emitidos por livre e espontânea vontade dele.

No despacho saneador foi dispensada a elaboração de factos assentes e base instrutória.

Instruído o processo, teve lugar a audiência de discussão da causa que culminou com a prolação de respostas fundamentadas em matéria de facto.

Foi depois proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a R. C…, S.A. do pedido.

É desta decisão que apela agora a A., formulando as seguintes conclusões: «1.º O cheque é um instrumento de levantamento de fundos, correspondendo a um meio de dispor de importâncias pecuniárias depositadas numa conta bancária, levantamento cujo beneficiário pode ser o próprio sacador ou um terceiro; 2.º A revogação de cheque só produz efeitos depois de findo o prazo de apresentação estabelecido no artigo 29º da LUCH; 3.º Preceito que, face ao seu teor literal, tem sido interpretado no sentido de que a revogação do cheque só produz efeito findo aquele prazo, mas, se não for revogado, pode ser pago pela entidade sacada mesmo depois do prazo referido.

4.º Da Sentença proferida pelo tribunal “a quo” resulta indubitavelmente que os cheques supra identificados foram todos apresentados a pagamento dentro do prazo de oito dias; 5.º Pelo que, apesar da emitente dos cheques ter emitido á ré sacada (instituição bancária) declaração de revogação, proibindo o pagamento dos cheques mediante a mera invocação de “cheque revogado; falta vício na formação da vontade”, com a excepção do n.º ………., com data de emissão de 20 de Dezembro de 2006, no valor de 784,08 euros, apresentado a pagamento a 21 de Dezembro de 2006”, que veio devolvido mediante a invocação de “cheque revogado; coacção moral”, essa declaração não podia ser por esta acatada; 6.º A ré, enquanto instituição bancária e em função do preceituado no artigo 32º LUCH, devia atender que a revogação de cheque só produz efeitos depois de findo o prazo de apresentação estabelecido no artigo 29º da LUCH (oito dias), sendo, em princípio, absolutamente ineficaz essa declaração enquanto decorre o prazo fixado neste artigo.

7.º Impunha-se à ré que, enquanto instituição bancária, agisse com diligência e não aceitasse a ordem de revogação do pagamento dos cheques em causa, por esta ser “pura e simples” e não conter quaisquer fundamentos entendidos como indícios sérios de que a situação comunicada pela cliente sacadora se verificou ou, pelo menos, dadas as circunstâncias concretas de cada caso, tinha grande probabilidade de se ter verificado, pagando os cheques, havendo provisão, uma vez que foram apresentados a pagamento dentro do prazo a que alude o artigo 29.º da LUCH; 8.º A ré ao recusar o pagamento dos cheques, que foram apresentados dentro do prazo estabelecido no artigo 29º da LUCH, com fundamento em ordem de revogação do sacador, comete violação do disposto na 1ª parte do artigo 32º do mesmo diploma, respondendo por perdas e danos perante o legítimo portador do cheque, nos termos previstos nos artigos 14º, parte, do Dec. nº 13004 e 483º, nº 1, do Código Civil; 9.º Tanto mais que a ré, enquanto entidade bancária, tinha a obrigação de não aceitar a ordem de revogação de cheques da sua cliente, sacadora dos mesmos, por se limitar a afirmar que os cheques foram emitidos por coacção sob ameaça sem concretizar minimamente essa alegação, não estando assim minimamente abalado o dever de os pagar, por terem sido apresentados dentro do prazo a que alude o artigo 29.º da LUCH.

10.º A autora tem o direito de accionar a ré no sentido de que esta lhe pague os montantes dos cheques revogados verificando-se que se encontra impedida de os receber por qualquer outra forma e que esses montantes se destinavam ao pagamento de mercadoria que tinha fornecido à sacadora dos mesmos, encontrando-se esta insolvente e não tendo bens que suportem o crédito da autora 11.º Ao não entender assim o tribunal “a quo” desconsiderou o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do S.T.J. 4/2008 e violou, entre outros, o disposto nos artigos 29.º e 32.º da LUCH, artigo 14.ºsegunda parte do Decreto 13004e artigo 483.º do Código Civil.» (sic) Termina no sentido de que seja concedido provimento ao recurso, revogando-se a sentença e condenando-se a R. no pedido formulado na petição inicial.

*A R. ofereceu contra-alegações defendendo a improcedência do recurso e a manutenção do julgado, com as seguintes conclusões[1]: «1) A Ré recusou o pagamento dos cheques aqui em causa com um motivo concreto e justificado – o que afasta a aplicação da doutrina emergente do Ac de Fixação de Jurisprudência 4/2008 2) O facto concretamente invocado pela sacadora perante o banco sacado integrava uma situação de coação moral e como tal constituía justa causa de revogação do mandato – art 1170, nº 2 C Civil 3) Em face desse concreto motivo apresentado por escrito pela sacadora do cheque, à R. não era exigível outro comportamento que não a recusa de pagamento do cheque sob pena, incluso, de poder ser responsabilizada pela sacadora, por não ter dado crédito e cumprido essa ordem que, objectivamente, integrava o referido conceito de justa causa.

4) Ou seja, subsumindo os factos ao direito, a Ré sempre teria agido sem culpa o que, desde logo, afastaria a obrigação de indemnizar 5) Dos factos provados não se...

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