Acórdão nº 211/10.0GBETR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 23 de Março de 2011

Magistrado ResponsávelISABEL VALONGO
Data da Resolução23 de Março de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. RELATÓRIO 1. Nos autos de processo comum singular nº211/10.0 GBETR, do Juízo Criminal de Estarreja, Comarca do Baixo Vouga, o arguido AT..., residente na Rua da …, ..., foi julgado e condenado pela prática de um crime de desobediência, p. e p. no art. 348.º, n.º 1, alínea a) do CP, por referência art. 152.º, n.º 3 Código da Estrada, na pena de 7 meses de prisão, a cumprir em 42 períodos de fins-de-semana, de 46 horas de duração cada, nos termos do art. 45.º CP e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 6 (seis) meses. Ficou ainda sujeito à obrigação de entregar a carta de condução de que seja titular na secretaria do tribunal, ou no posto policial da área da sua residência, no prazo de dez dias a contar do trânsito em julgado da decisão.

    2 - Desta sentença recorre o arguido, formulando, em síntese, as seguintes conclusões: “(…) I- O presente recurso versa sobre a escolha da modalidade de execução da pena de prisão.

    II - O arguido foi condenado na pena de 7 meses de prisão a cumprir em 42 períodos de fins-de-semana de 46 horas de duração cada e na pena acessória de inibição de conduzir veículos motorizados pelo período de seis meses.

    III- Refere o artigo 71° nº 2 do CP. na determinação concreta da pena o julgador deve atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele.

    IV- O artigo 40° nº 1 do CP. determina que a aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

    V- De acordo com o plasmado no artigo 43° do CP. o Julgador no momento em que aplica uma pena de prisão deve dar preferência à substituição da pena de prisão por pena de multa, por trabalho a favor da comunidade ou por suspensão da sua execução.

    VI- E quando o Julgador se depara com um caso grave que, prima facie, reclama a aplicação de pena de prisão efectiva, deverá avaliar se a privação da liberdade deverá ser executada na sua forma mais extrema ou se pelo contrário se deverá atender às formas de execução de pena menos radicais -artigo 43° a 46° do CP.

    VII- Ora in casu, entende-se que o Tribunal deveria ter aplicado qualquer uma das penas de substituição previstas no Código Penal., sendo que cada uma delas possui o seu próprio conteúdo político-criminal.

    VIII- Neste sentido, Prof. Figueiredo Dias in Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, Lisboa 1993.: Fls. 50: "Como matrizes comuns a todo este movimento devem, entre outras, salientar-se as seguintes: restrição do âmbito e da frequência de aplicação das penas privativas da liberdade; luta decidida contra as penas de prisão de curta duração, conducente à sua substituição, na generalidade ou mesmo na totalidade dos casos, por penas não detentivas ou não institucionais; enriquecimento da panóplia e aumento sensível do campo e da frequência da aplicação das penas não detentivas, em particular da pena de multa; tentativa de limitar, por todos os meios, o efeito estigmatizante – e consequentemente criminógeno -, das reacções criminais, sem por isso frustrar as expectativas sociais que subjazem às normas violadas"; Fls. 51: "O movimento de reforma do direito penal português, que culminou com a entrada em vigor do novo Código Penal em 1 de Janeiro de 1983, participou a justo título e desde a primeira hora...das características mais marcantes do movimento de reforma internacional que acabámos de caracterizar".

    Fls. 74/75 "Deste princípio - entre nós posto, desde há muito, em particular relevo por Eduardo Correia -, resulta, por um lado, a exigência de preterição da aplicação da pena de prisão em favor de penas não detentivas, sempre que estas se revelem suficientes, in casu, para realização das finalidades da punição. Deriva, por outro lado, a obrigação para o legislador de enriquecer, até ao limite possível, a panóplia das alternativas à prisão postas à disposição do julgador; e na verdade, de alternativas que não se esgotem, do lado de quem as cumpre, num sofrimento passivo da pena, mas possam representar uma prestação activa em favor da comunidade".

    Fls. 378, já a propósito dos pressupostos de aplicação da nossa lei positiva: "Pressuposto material de aplicação da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade é, uma vez mais, que ela se revele adequada e suficiente à realização das finalidades da punição; que ela se revele, já o sabemos, susceptível de, no caso, facilitar - e, no limite, alcançar - a socialização do condenado, sem se mostrar incompatível com as exigências mínimas de prevenção de integração, sob a forma de tutela do ordenamento jurídico.

    IX-Nesta orientação, Maia Gonçalves na revisão do C. Penal de 95, in C. Penal Anotado, 15a ed., p. 215, em anotação ao artigo 58°: "A comissão revisora propôs um expressivo alargamento dos pressupostos da medida de prestação de trabalho a favor da comunidade, atendendo à ideia de que se trata porventura da mais importante descoberta político-criminal dos últimos decénios no domínio sancionatório e que esta pena é a única das penas que não tem carácter estritamente pessoal-negativo mas assume cariz social-positivo.

    X-Assim, no presente caso devia ter sido aplicada a pena de Trabalho a Favor da Comunidade, estando cumpridos os Pressupostos da sua Aplicação, previstos no artigo 58° do CP.,: a)Consentimento do Condenado: Este pressuposto está verificado, na própria audiência de Julgamento o arguido, perguntado se dava consentimento para lhe ser aplicada a pena de Trabalho a Favor da Comunidade, prestou esse consentimento, sendo iniciativa do arguido, ora recorrente a sua aplicação.

    b)Pressuposto Formal: Devendo ser aplicada ao arguido a pena de prisão não superior a uma ano, cumprindo-se este pressuposto uma vez que foi aplicada ao arguido uma pena de prisão de sete meses de prisão.

    c)Pressuposto Material: Que a pena de Trabalho a Favor de Comunidade, realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Ora, com a aplicação da Pena de Trabalho a Favor da Comunidade o arguido, recorrente, vai sentir de perto o carácter punitivo desta estando em contacto com a sociedade e prestando determinado trabalho.

    d)Tempo de duração: Pelo exposto deve ser aplicada ao arguido a pena de Trabalho a Favor da Comunidade com uma duração de 200 horas de Trabalho a prestar em Estabelecimento/Instituição a indicar pelo Tribunal.

    XI-Nestes termos a pena de prisão de sete meses a cumprir a pena de 42 períodos de fins-de-semana de quarenta e seis horas de duração cada aplicada ao arguido deve ser substituída por uma pena de trabalho a favor da comunidade com uma duração de duzentas horas de trabalho a prestar em Estabelecimento/Instituição a indicar pelo Tribunal.

    DISPOSIÇÕES LEGAIS VIOLADAS 1- Artigos 40 nº 1 e 71 n° 1 e nº 2 do Código Penal 2- Artigo 18°, nº2, da C.R.P.

    Nestes termos e nos mais de Direito que doutamente venham a ser supridos deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência este Venerando Tribunal revogar parcialmente a douta sentença recorrida, substituindo-se por outra que: - Aplique ao recorrente a pena de Trabalho a Favor da Comunidade com uma duração de 200 horas de Trabalho a prestar em Estabelecimento/Instituição a indicar pelo Tribunal.

    Com o que se fará a habitual Justiça.” * 1. Respondeu o Ministério Público, concluindo como se transcreve: “Em nosso entender, a pena de trabalho a favor da comunidade, já não realiza de forma adequada e suficiente as finalidade da punição, pois o arguido conta já com vários antecedentes criminais, pelos quais já sofreu condenações em penas de multa e de prisão, sendo que por duas vezes a pena de prisão foi suspensa na sua execução, e mesmo assim continuou a praticar factos criminosos.

    Assim, é bom de ver, que o recorrente olvida determinados aspectos essenciais e determinantes que estão na base na determinação da medida da pena, a saber: O recorrente foi já condenado no âmbito dos processos. n.° 191/2000, do 2.° Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Oliveira de Azeméis, pela prática, em 12.4.1999, de um crime de desobediência, na pena de 80 dias de multa à taxa diária de 800$00, por decisão datada de 22.3.2001 ;Proc. n.° 111/2000 (actual n.° 492/98.6PAOVR), do 2.° Juízo do Tribunal Judicial de Ovar, pela prática, em 7.9.1998, de um crime de ofensa à integridade física grave, por negligência, na pena de 9 meses de prisão, cuja execução foi suspensa pelo período de 2 anos e 6 meses, por decisão datada de 29.5.2002 e Proc. n.° 163/04.6GCOAZ, do 1.° Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Oliveira de Azeméis, pela prática, em 13.5.2004, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 80 dias de multa à taxa diária de 5 €, bem como na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 7 meses, por decisão datada de 6.12.2006 - tendo, portanto, sido considerado o CRC do mesmo junto a fls. 42 e ss dos autos.

    Acresce ainda que o recorrente foi condenado por sentença datada de 26.02.2010, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143° n.°1 do Código Penal e de um crime de ameaça previsto e punível pelo artigo 153° e 155° n.° 1 al. a) do mesmo diploma na pena única de 200 (duzentos) dias de multa à taxa diária de €6,50 e no pagamento de pedido de indemnização cível formulado. Desta sentença, o recorrente interpôs recurso, tendo sido a sentença recorrida totalmente confirmada pelos Venerandos Juízes do Tribunal da relação do Porto, pelo que deverá ser considerada outra condenação no já extenso CRC do arguido.

    Na verdade, perante o CRC do arguido é evidente que as anteriores condenações foram ineficazes e insuficientes para assegurar as finalidades das penas, designadamente afastar o arguido do cometimento de novos crimes.

    Resulta evidente que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, razão pela qual a pena de trabalho a favor da...

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