Acórdão nº 150/03.1TAGMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 22 de Fevereiro de 2011

Magistrado ResponsávelFERNANDO CHAVES
Data da Resolução22 de Fevereiro de 2011
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães I – Relatório Nestes autos de processo comum com intervenção do tribunal singular n.º 150/03.1TAGMR, a correr termos no 2º Juízo Criminal de Guimarães, por sentença transitada em julgado, o arguido Manuel P..., com os demais sinais dos autos, foi condenado pela prática, como autor material, de um crime de violação da obrigação de alimentos previsto e punido pelo artigo 250.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 10 (dez) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos, subordinada à obrigação de, no prazo de 180 dias a contar do trânsito em julgado, pagar aos menores a importância de € 12.305,00.

Por despacho proferido em 14/9/2010, constante de fls. 376 a 379, o tribunal a quo decidiu revogar a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido e, em conformidade, determinar o cumprimento da pena de 10 meses de prisão fixada na sentença.

Inconformado com tal decisão, dela interpôs recurso o Ministério Público, concluindo a respectiva motivação nos seguintes termos (transcrição): «1ª.

Não se conforma o Ministério Público com o facto de se ter revogado a suspensão da execução da pena imposta ao arguido.

  1. O Ministério Público entendeu que a opção para o caso seria a prorrogação do prazo de suspensão nos termos do artigo 51°. D) do CP.

    Contudo: 3ª.

    Não se apuraram in casu as circunstâncias que permitem aferir pela culpabilidade do arguido na óptica do estipulado no corpo do artigo 55° CP quando aí se refere “se o condenado deixar de cumprir culposamente”.

  2. Não há nos autos elementos que permitam conhecer a situação económica do arguido na actualidade, nada se averiguando sobre a sua realidade social e económica.

  3. Apesar de várias diligências para audição do condenado, o mesmo não foi ouvido presencialmente.

  4. Esta audição do condenado, além de obrigatória, tem de ser presencial; tratando-se de acto para o qual a lei exige a presença do arguido, a sua omissão implica a existência da nulidade insanável prevista no art. 119 al. c) do CPP.

  5. Esta interpretação que propugna a audição presencial do condenado no “processo” (colocando-se a tónica na “substancialidade” desse processo) que procede a decisão de revogar a suspensão da execução da pena ou substituir as suas condições é a melhor orientada para a Constituição» (Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 3.” ed., pp. 1151 e 1152) consubstanciando o direito à audiência, formalidade em si que consubstancia uma verdadeira garantia jurídico-material.

  6. A decisão de revogação da suspensão é precedida de actos que se aproximam de um julgamento, como a produção de prova e a presença do condenado, o que no caso não ocorreu.

  7. A actividade processual dirigida à decisão de manutenção ou revogação da suspensão terá de processar-se de acordo com os princípios gerais do processo penal, de garantia de um processo equitativo, designadamente respeitando as garantias de defesa do arguido, onde se inclui o princípio do contraditório, regra orientadora da produção pelo tribunal de um juízo que interfira com o arguido, o que no caso não ocorreu na sua expressão presencial e pessoal.

  8. - O propugnado neste recurso não ofende a Doutrina do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 6/2010 que fixou jurisprudência, e que tem como objecto o modo como se deve processar a notificar da decisão de revogação da suspensão e não, coisa distinta, à actividade processual prévia à formação desta decisão e ao conjunto de princípios processuais, parametrizados pelos princípios constitucionais, a que esta actividade se subordina.

  9. A decisão recorrida, de fls. 376 a 379, violou, fazendo errada interpretação, os artigos 51º., d), 55°, 56° do CP e, ainda, art. 495 nº 2, 119 al. c) este do CPP e art. 32°, nº 5, da Constituição da República Portuguesa.

    Termos em que se deve revogar a decisão que revogou a suspensão da pena e impôs o cumprimento da pena de meses de prisão por outra que ordene a audição presencial do arguido ou, o que subsidiariamente se alega, por outra que prorrogue o prazo de suspensão nos termos do artigo 51º., d) do CP.».

    * Notificado do interposto recurso, o arguido nada disse.

    * A Sra. Juiz sustentou o despacho recorrido, considerando que não foi violado o princípio do contraditório, tendo sido asseguradas ao arguido as garantias de defesa, com plena efectividade.

    * Na intervenção a que alude o artigo 417.º, n.º 1 do CPP, a Exma. Procurador-Geral Adjunta emitiu parecer no qual, concordando com a decisão recorrida, se pronunciou no sentido da improcedência do recurso.

    No âmbito do disposto no artigo 417.º, n.º 2 do CPP, o arguido nada disse.

    Foram colhidos os vistos e realizou-se a conferência.

    * II - FUNDAMENTAÇÃO 1.

    É o seguinte o teor do despacho recorrido (transcrição): «Incumprimento pelo condenado da condição imposta para suspensão da execução da pena de prisão aplicada.

    Cumprido o contraditório, nada disse o arguido ou sua defensora – cfr. fls. 364 a 367.

    Já o MP pugna pela redução para um ano do prazo de suspensão imposto nos autos (por aplicação da lei mais favorável ao arguido) e, subsequentemente, pela prorrogação do mesmo prazo de suspensão, desde logo por se não terem apurado “circunstâncias que permitam aferir pela culpa grave do arguido”.

    Apreciando.

    O arguido Manuel P...

    foi julgado e condenado nestes autos, por sentença proferida em 20.10.2004 e transitada em julgado em Junho de 2008, além do mais, na pena de 10 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos, com a condição ali imposta - cfr. f‌ls. 119 e 203 e segs.

    Tal suspensão foi determinada em conformidade com o regime legal então vigente - cfr. artigo 50º, n.ºs 1 e 5, do Código Penal.

    Sucede porém que a Lei nº 59/2007, de 04 de Setembro, veio introduzir numerosas e significativas alterações ao Código Penal, designadamente em matéria de suspensão de execução da pena de prisão, que ora apreciamos.

    A entrada em vigor desta nova lei, não obstante à data dos factos e da prolação do acórdão vigorar o regime anterior, levanta o problema de sucessão de leis no tempo.

    A proibição da aplicação retroactiva da lei penal significa que a pena é determinada pela lei que vigora ao tempo do delito (tempus delicti - cfr. artigo 3°, do Código Penal).

    A regra da irretroactividade da lei penal está directamente ligada a um dos corolários normativos do princípio da legalidade (cfr. artigo 29°, n°1, da Constituição da República Portuguesa e artigo 1°, este do Código Penal), que se exprime no nullum crimen sine lege, e ao seu fundamento de garantia dos cidadãos.

    Entre nós, e assim como na generalidade das legislações modernas, a regra comporta, todavia, uma excepção: o caso de um diploma posterior contemplar uma disciplina mais favorável ao arguido (vide artigo 29°, n°4, da Constituição da República Portuguesa e artigo 2°, n°s2 e 4, este do Código Penal).

    Da análise dos dois regimes legais - artigo 50° -, verificamos que: - ao abrigo da lei anterior: “o...

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