Acórdão nº 300/10.1TBTCS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 02 de Março de 2011

Magistrado ResponsávelPEDRO MARTINS
Data da Resolução02 de Março de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra os juízes abaixo assinados: Por escritura pública de justificação notarial lavrada no Cartório Notarial de P (…), no dia 19/05/2010, A (…) e M (…) declararam-se donos e legítimos possuidores com exclusão de outrem, de um dado prédio urbano, sito no concelho de Loures, não descrito na Conservatória do Registo Predial, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo 2009, no qual residem já há mais de 20 anos. Dizem os justificantes, entre o mais, que o prédio foi por eles adquirido por contrato verbal de compra e venda celebrado em 08/05/1986.

Através da apresentação n.º 2473, de 27/07/2010, aquele Sr. notário requereu junto da CRP de Aguiar da Beira o registo predial do respectivo acto aquisitivo a favor dos justificantes.

Por despacho da Srª conservadora do RP de 26/08/2010 foi lavrada a inscrição como provisória por dúvidas, por não constar do título a existência de licença de utilização nos termos do art. 4º do DL 281/99 de 26/07.

Nos presentes autos veio aquele Sr. notário interpor recurso judicial desta decisão da Srª conservadora de Aguiar da Beira.

A Srª conservadora do RP sustentou a sua decisão.

O Ministério Público deu parecer no sentido de concordância com o expedido no despacho de sustentação da Srª conservadora.

Após foi proferida sentença, julgando improcedente o recurso, mantendo-se por isso o despacho de provisoriedade do registo proferido pela Srª. conservadora.

O Sr. notário recorreu desta sentença, para que seja revogada, determinando-se a realização do acto de registo em causa com carácter definitivo, concluindo, em síntese, que o art. 1/1º do Dec.-Lei 281/1999, não se aplica aos três tipos de escrituras de justificação sobre imóveis previstos no art. 116° do CRP (: estabelecimento do trato sucessivo, e reatamento do trato sucessivo e estabelecimento de novo trato sucessivo), antes pelo contrário - tal como resultaria da expressão utilizada naquela norma “na parte que lhe for aplicável” que de outro modo não faria sentido -, a sua previsão só se aplica aos casos em que a justificação tenha por fim o suprimento da falta de um título translativo do direito de propriedade, cujo paradeiro se desconhece, mas que se torna necessário ao restabelecimento do trato sucessivo, previsto no actual n.° 4 do art. 34° do CRP. Dito de outro modo, nada justifica que, no caso de ser invocada a usucapião como causa de aquisição (originária) do direito de propriedade se apliquem normativos claramente dirigidos a actos que consubstanciam a transmissão da propriedade (aquisição derivada).

O MP contra-alegou defendendo a improcedência do recurso.

* Questão que importa decidir: se a exigência de prova da licença de utilização, feita no art. 1º/1 do Dec.-Lei n.º 281/99, de 26/07, é aplicável também às escrituras de justificação notarial previstas no nº. 1 do art. 116 do Código do Registo Predial.

* O artigo 1/1 do Dec. Lei 281/99 dispõe que “não podem ser celebradas escrituras públicas que envolvam a transmissão da propriedade de prédios urbanos ou de suas fracções autónomas sem que se faça perante o notário prova suficiente da inscrição na matriz predial, ou da respectiva participação para a inscrição, e da existência da correspondente licença de utilização, de cujo alvará, ou isenção de alvará, se faz sempre menção expressa na escritura.” O artigo 4 do mesmo Dec. Lei, artigo que tem a epígrafe ‘justificação relativa ao trato sucessivo no registo predial’, dispõe que: A justificação para os efeitos do artigo 116º do CRP que tiver por objecto prédios urbanos fica sujeita à disciplina deste diploma, na parte que lhe for aplicável.

No ac. do TRC de 16/03/2004 (publicado sob o nº. 4262/03 na base de dados do ITIJ) lembra-se que foi o: “O Regulamento Geral das Edificações Urbanas aprovado pelo DL 38382, de 7/8/1951, [que] introduziu, no seu art. 8º, a necessidade de licença municipal para a utilização de qualquer edificação nova, reconstruída, ampliada ou alterada, quando da alteração resultem modificações importantes das suas características.

Só podendo ser concedidas tais licenças nos termos dos §§ 1º e 2º do ora citado preceito legal, designadamente após vistoria destinada a verificar se as obras obedeceram às condições da respectiva licença, ao projecto aprovado e às condições legais e regulamentares aplicáveis.

Tendo o aludido diploma, segundo consta do preâmbulo do DL que o aprovou, não só a preocupação de tornar as edificações urbanas salubres, mas também de as construir com os exigidos requisitos de solidez e defesa contra o risco de incêndio e de lhes garantir condições mínimas de natureza estética.” Depois, tendo em conta as referências legais que são feitas no preâmbulo daquela Dec. Lei 281/99, o acórdão lembra ainda: “[…] a origem do citado art. 44º/1 [da Lei 46/85] remonta ao DL 445/74, de 12/09, também denominado "lei das rendas", onde se preceituava, no seu art. 11º/1 que: "Não poderão ser celebrados contratos que impliquem a transmissão da propriedade de fogos destinados a habitação ou de prédios urbanos que comportem um ou mais fogos desse tipo sem que faça perante o notário competente a exibição da correspondente licença de utilização, à qual se fará sempre menção no respectivo acto formal".

Com a exigência da exibição da licença de utilização e a obrigatoriedade da sua expressa menção na escritura de transmissão da propriedade de fogos destinados à habitação terá o legislador pretendido, com plena justificação, desencorajar a construção clandestina - A. Neto, Inquilinato, 5ª ed., p. 375.

Tal DL 445/74 foi revogado pelo DL 148/81, de 04/07, o qual, no seu art. 13º passou a aí contemplar a proibição dos contratos que envolvam a transmissão da propriedade de prédios urbanos destinados a habitação sem prova da licença de habitação ou de construção, assim rezando o mesmo: "Não podem ser celebrados contratos que envolvam a transmissão da propriedade de prédios urbanos destinados a habitação sem que se faça perante o notário prova suficiente da existência da correspondente licença de construção ou de habitação, quando exigível, da qual se fará sempre menção na escritura." Tendo-se aproveitado o ensejo da publicação de tal diploma, para mantendo a preocupação do combate à construção clandestina, se desbloquear a transmissão da propriedade dos fogos destinados à habitação sempre que se mostre legalizada a respectiva construção, através da prova, em alternativa, da licença de construção ou da licença de habitação no momento da transmissão - preâmbulo do ora aludido DL 445/74.

Assim, embora o […] DL 281/99 tivesse tido a preocupação fundamental, segundo assinalado no seu preâmbulo, de superar os efeitos nefastos do diferendo interpretativo que o exigido licenciamento vinha causando, procurando, dentro dos limites razoáveis da segurança do comércio jurídico, desbloquear a transmissão dos prédios urbanos, dúvidas não restarão que se manteve a preocupação, com a manutenção da exigência da prova do licenciamento, nas condições aí melhor previstas, de obviar à construção clandestina, com todos os efeitos perniciosos que a mesma, a todos os níveis - desde, nomeadamente, a segurança até ao...

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