Acórdão nº 335/10.4TYVNG-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 01 de Fevereiro de 2011

Magistrado ResponsávelRAMOS LOPES
Data da Resolução01 de Fevereiro de 2011
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Apelação nº 335/10.4TYVNG-A.P1 Relator: João Ramos Lopes Adjuntos: Desembargadora Maria de Jesus Pereira Desembargador Henrique Araújo.

*Acordam no Tribunal da Relação do Porto.

RELATÓRIO*Recorrente: B… Recorridos: C…, Ldª, D…, E….

Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia – 3º Juízo.

* Instaurou a apelante contra os apelados processo de jurisdição voluntária, nos termos do art. 1484-B do C.P.C., pedindo que o segundo e a terceira requeridos sejam imediatamente suspensos e, a final, destituídos, das funções de gerentes que exercem na primeira requerida, alegando, como fundamento, que os segundo e terceira requeridos/apelados têm prosseguido actividade social desconforme aos deveres que lhes resultam de tal função.

Foi determinada a realização de inquérito, levado a cabo por pessoa para tanto nomeada pelo Mmº Juiz do Tribunal a quo (a qual procedeu à audição de testemunhas, cujos depoimentos vazou em auto, tendo ainda visitado edifício que a sociedade vem construindo), vindo a ser proferido despacho que decidiu pela improcedência da pretendida suspensão cautelar, por se entender inexistirem razões de facto e de direito que decisivamente militem no sentido pretendido pela requerente/apelante.

Inconformada com o assim decidido, apela a requerente, pretendendo a revogação da decisão e sua substituição por outra que julgue procedente a pretensão de suspensão cautelar dos segundo e terceira requeridos, terminando as suas alegações formulando as seguintes conclusões: A- A sentença ora posta em crise fez uma errada apreciação dos factos alegados, não fazendo sequer uma análise crítica dos mesmos.

B- A sentença em recurso não se pronuncia quanto aos factos provados.

C- A sentença em recurso desvalorizou a prova documental, a prova testemunhal e o parecer do Exmº Senhor Perito indicado pelo tribunal e com grande experiência em questões similares às dos autos.

D- A sentença em recurso violou o disposto no art. 659º, nº 3, bem como o disposto no art. 1484-B, ambos do CPC.

Não consta dos autos que tenham sido apresentadas contra-alegações.

Cumpre decidir.

*Objecto do recurso.

Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas (artigos 660º, nº 2, 664º, 684º e 685º-A, nº 1, todos do C.P.C. – na versão resultante das alterações introduzidas neste diploma pelo DL 303/2007, de 24/08), sem prejuízo da apreciação de questões de oficioso conhecimento, as questões trazidas à apreciação desta Relação pela apelante sintetizam-se nos seguintes termos: - nulidade da decisão, nos termos do art. 688º, nº 1, b) do C.P.C., por falta de fundamentação (apesar de a apelante não referir expressamente a nulidade da decisão, ao alegar que a decisão não se pronuncia quanto aos factos provados e que a decisão fez errada apreciação da matéria alegada, não fazendo análise crítica da mesma, é esse, juridicamente, o vício que é apontado à decisão recorrida) e bem assim, deficiente fundamentação (fáctica) da decisão, com o eventual suprimento de tal vício (pela ponderação da prova produzida); - verificação dos requisitos legais para decretar a imediata suspensão dos segundo e terceira requeridos dos cargos de gerência na primeira requerida.

*FUNDAMENTAÇÃO*Fundamentação de facto A propósito da factualidade dada como indiciariamente assente com vista à prolação da decisão censurada, aduziu-se o seguinte na decisão recorrida (após se referir ter sido levado a cabo inquérito reduzido a relatório, por parte de pessoa que integra a lista de Administradores Judiciais, que constatou in loco a situação que é objecto do litígio): ‘(…), tenho por perfunctoriamente adquiridos (como base na sobredita peça e levando em linha de conta – em sede de convicção – o teor dos documentos juntos aos autos com o petitório – vd. fls. 15 a 22 e fls. 26 a 47, inclusive e que, «brevitatis causa», dou por reproduzidos e integrados – os elementos de facto exarados nos arts. 1º a 6º (inclusive) do D. Petitório, mais tendo apurado, com relevo para a prolação da legal liminar decisão a proferir ora, que a sociedade requerida contraiu vários empréstimos bancários com vista a ser ultimada a construção de prédio sito na …, qual aquele reportado no art. 62º da sobredita peça processual.

Estes os elementos de facto apurados com base na apodada «summario cognitio» e com estribo num mero «fumus» ou aparência do Direito (como é apanágio desta fase do presente processo de jurisdição voluntária) esgrimido pela recorrente’.

Resulta daqui que a decisão recorrida, considerou provada a seguinte matéria de facto (atendendo à expressa remissão feita para o alegado nos artigos da petição que julgou provados): - a sociedade requerida foi constituída no dia 28 de Dezembro de 1994, sendo a requerente e requeridos os únicos sócios da mesma (artigo 1º da petição); - os requeridos são os únicos gerentes da sociedade requerida, obrigando-se esta com a assinatura conjunta de ambos (artigo 2º da petição); - a sociedade requerida – C…, Ldª – tem um capital social de 100.000,00€, dividido em 4 (quatro) quotas, sendo que: a requerente é titular de uma quota no valor de 20.000,00€, o requerido D… é titular de uma quota de 29.000,00€ e a requerida E… é titular de uma quota de 21.000,00€ (artigo 3º da petição); - ao que acresce que, requerente e requeridos são titulares, em comum e sem determinação de parte ou direito, de uma quota no valor de 30.000,00€ por força da herança aberta por óbito de F…, falecido em Fevereiro de 2002, que era pai da B… e do D… e marido da E… (artigo 4º da petição); - a requerida sociedade está matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Valongo (artigo 5º da petição); - o objecto social da referida sociedade – C.., Ldª – consiste na construção de casas para venda, prédios – revenda dos adquiridos (artigo 6º da petição); - a sociedade requerida contraiu vários empréstimos bancários com vista a ser ultimada a construção de prédio sito na ….

*Fundamentação de direito Alega a apelante que a decisão recorrida, fazendo errada apreciação dos factos alegados e sem sequer efectuar uma análise crítica dos mesmos, não se pronunciando quanto aos factos provados, desvalorizando a prova documental, a prova testemunhal e o parecer do perito que nomeou, violou o disposto no art. 659º, nº 3 do C.P.C..

Poder-se-á interpretar o assim alegado pela apelante como imputando à decisão recorrida o vício da nulidade – a falta de especificação dos fundamentos (de facto) que presidem à decisão implica a nulidade da sentença, nos termos do art. 668º, nº 1, b) do C.P.C..

Todavia, no corpo das alegações (que consistem nos fundamentos apresentados com vista à obtenção da alteração da decisão, que são depois sintetizados nas conclusões), a apelante não deixa de reconhecer expressamente que no caso não se verifica uma falta de fundamentação, verificando-se antes ‘fundamentação deficiente, pouco clara e uma errada apreciação dos facto com consequente errada aplicação do direito’.

Assim, importará apreciar quer da nulidade da decisão quer da sua deficiente fundamentação, na sua vertente fáctica.

É inquestionável a necessidade de fundamentação das decisões judiciais – estruturalmente, na arquitectura do nosso ordenamento jurídico, a fundamentação das decisões constitui a sua verdadeira e válida fonte de legitimação, e por isso tal específico dever se encontra constitucionalmente plasmado (art. 205º, nº 1 da C.R.P., ao prescrever que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente devem ser fundamentadas na forma prevista na lei).

O dever de fundamentação das decisões cumpre (como se salientava já no Ac. TC nº 304/88, de 14/12 no BMJ 382/230 e no DR, II Série, de 11/04/1989), em geral, duas funções: i) uma, de ordem endoprocessual, que visa essencialmente impor ao juiz um momento de verificação de controle crítico da lógica da decisão, permitir às partes o recurso da decisão com perfeito conhecimento da situação, e ainda colocar o tribunal de recurso em posição de exprimir, em termos mais seguros, juízo concordante ou divergente; ii) outra, de ordem extraprocessual, que procura tornar possível um controlo externo e geral sobre a fundamentação factual, lógica e jurídica da decisão, garantindo a transparência do processo e da decisão.

A necessidade de fundamentação radica quer na função dos tribunais como órgãos de pacificação social, o que torna necessária a explicitação dos fundamentos das decisões como forma de persuasão das partes sobre a legalidade da solução encontrada (procurando o convencimento das partes mediante a argumentação dialéctica própria da ciência jurídica), quer na recorribilidade das decisões judiciais, o que implica a necessidade da parte vencida conhecer os fundamentos em que o julgador se baseou para os poder impugnar devidamente[1].

Tal exigência de fundamentação – garantia integrante do próprio conceito de Estado de direito democrático e do direito fundamental de recurso, que com essa justificação modela a fórmula constitucional e o conteúdo de tal exigência[2] – encontra acolhimento e tratamento na lei ordinária.

Além de expressa e especificamente consagrada, em termos gerais, no art. 158º do C.P.C., mostra-se ainda patente em vários preceitos processais civis – vejam-se o art. 653º, nº 2 do C.P.C. (quanto à exigência de fundamentação do despacho que decida da matéria de facto controvertida), o art. 659º, nº 2 do C.P.C. (relativo à exigência de fundamentação da sentença) e o próprio art. 668º, nº 1, b) do C.P.C. (que comina com a nulidade os despachos ou sentenças que não observem o dever de fundamentação).

Tal exigência de fundamentação, ínsita ao dever de administrar a justiça (art. 156º do C.P.C. e art. 202º, nº 1 da C.R.P.), dá corpo aos princípios fundamentais de direito – do Estado de direito democrático, do acesso ao...

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