Acórdão nº 250/09.4TCGMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 13 de Janeiro de 2011

Magistrado ResponsávelANT
Data da Resolução13 de Janeiro de 2011
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: I – Relatório; Recorrente(s): Sílvia (Autora); Recorrido(s): Companhia de Seguros S.A. (Ré); 2ª Vara Mista de Guimarães – acção ordinária.

***** A Autora viúva, por si e em representação da sua filha menor Filipa, consigo residente, demandou “Companhia de Seguros, S.A.”, alegando em síntese que, no dia 10 de Maio de 2007, em C., Guimarães, ocorreu o despiste do veículo onde era transportado o seu marido, em consequência do qual ele veio a falecer.

Mais alegou que a responsabilidade civil por danos causados a terceiros pela circulação de tal veículo havia sido transferida para a aqui Ré.

Termina pedindo a condenação da seguradora no pagamento da indemnização pelos danos sofridos, que computa no montante global de € 420.675,00, acrescido de juros legais desde a data da citação até integral pagamento.

A Ré contestou, dizendo desconhecer os danos invocados e o modo como se deu o acidente, acrescentando, porém, que o malogrado marido e pai das Autoras era transportado na viatura acidentada sem que fizesse uso do cinto de segurança, o que terá agravado substancialmente as lesões que sofreu.

Esclarece que, por se tratar também de um acidente de trabalho, já liquidou à Autora viúva quantia global de € 29.367,35 e constituiu a favor da Autora menor reservas matemáticas de € 25.322,72.

A Autora replicou, afirmando que o marido e pai das Autoras ficou encarcerado dentro do veículo sinistrado, nada fazendo presumir que não utilizasse o cinto de segurança.

Foi saneado o processo e organizada a base instrutória, da qual não foram apresentadas reclamações.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, que foi objecto de gravação áudio, sendo proferida, a final, a decisão que fixou os factos provados e os não provados.

Seguidamente foi proferida sentença em que se julgou a acção parcialmente procedente, condenando-se a Ré a pagar: a) À Autora Sandra a quantia de € 110.400,00 (cento e dez mil e quatrocentos euros) acrescida de juros de mora à taxa legal, contados sobre a quantia de € 109.900,00 (cento e nove mil e novecentos euros) desde a data da presente sentença e até integral pagamento e contados desde 18 de Junho de 2009 sobre a quantia de € 500,00 (quinhentos euros), à mesma taxa, bem como, ainda, a quantia que se vier a liquidar em incidente póstumo relativamente à perda de salários sofrida, reduzida de 20% e até ao limite máximo de € 175,00 (cento e setenta e cinco euros), também acrescida de juros mora desde aquela data de 18 de Junho de 2009 e até integral pagamento, à taxa legal.

  1. À Autora Filipa a quantia de € 106.800,00 (cento e seis mil e oitocentos euros), acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a data da presente sentença e até integral pagamento.

    Inconformadas com tal decisão, dela recorrem quer a Ré quer Autora, extraindo das respectivas alegações, em suma, as seguintes conclusões: São três as questões que a Ré recorrente seguradora pretende ver dirimidas através do presente recurso: 1. A percentagem de responsabilidade atribuída à própria vítima; 2. O valor atribuído aos danos patrimoniais da vítima; 3. A não consideração do valor já pago pela recorrente em sede de acidentes de trabalho.

    Conclusões: I. A morte do ocupante só ocorreu porque ele foi projectado e ficou esmagado entre a cabine do veículo e o solo, e isso só aconteceu porque ele não utilizava o cinto de segurança.

    1. O mesmo resultado poderia verificar-se ainda que não tivesse havido acidente – como a própria sentença reconhece, “uma simples travagem brusca do veículo pode propiciar, em pleno andamento, uma projecção”… e, consequentemente, a produção do dano.

    2. No caso vertente, existem dois factores concorrentes para a ocorrência do dano: o acidente, e a omissão do uso do cinto de segurança por parte do ocupante, que provocou a sua projecção e consequente esmagamento.

    3. Ao contrário do que foi fixado na douta sentença recorrida, a ponderação destes dois factores deve conduzir a uma maior responsabilização do ocupante, na medida em que os danos que sofreu só se produziram porque ele não usava o cinto de segurança.

    4. Entende a recorrente, por todos estes factores, que a graduação das responsabilidades deveria, no mínimo, corresponder a 40% para o condutor e 60% para o ocupante do veículo, atentas as circunstâncias do caso concreto.

    5. Não é razoável identificar a duração da vida activa com a duração da esperança de vida, pelo contrário, será mais razoável fixar como limite da vida activa a idade limite da reforma, isto é, os 65 anos.

    6. Com efeito, é a partir da idade limite da reforma que se verifica o abandono da vida activa, ao menos quanto à actividade profissional habitualmente exercida e em termos de manutenção da capacidade de ganho.

    7. O rendimento considerado (de acordo com a douta sentença, 10.065,30€ anuais) não se encontra fundamentado, assim como também o que se considera que o falecido gastava consigo próprio (apenas se refere que “gastava consigo apenas o indispensável”).

    8. A recorrente despendeu a quantia de 54.690,07€ em remição de pensão e reserva matemática no âmbito do processo de acidente de trabalho, que deveria ser abatida às quantias indemnizatórias fixadas na sentença recorrida, o que não sucedeu nem é ali mencionado ou esclarecido.

    9. Foram violadas as normas dos artigos 570º, nº 1, 496º, 562º, 563º, 564º e 566º do Código Civil.

    Termos em que a douta decisão recorrida deverá ser revogada e substituída por outra que atenda ao alegado, com o que se fará JUSTIÇA.

    Apelação da Autora: Em Conclusão: 1. Impende sobre a Ré o ónus da prova de que o falecido marido e pai das recorrentes seguia na viatura sinistrada sem cinto de segurança; 2. A única testemunha ocular do acidente (condutor do veículo), e que seguia com a vítima, referiu que quando passou para o volante e começou a conduzir o veículo a infeliz vítima tinha o cinto colocado, mais referindo que a vítima era muito cuidadosa; 3. Ao contrário da convicção a que chegou o Mº Juiz “a quo”, do relatório de autópsia da vítima consta expressamente, na sua página 2, que “não se sabe se trazia cinto de segurança”; 4. O Mº. Juiz “a quo”, para ponderar a resposta a dar ao quesito 31º., não levou em consideração que a infeliz vítima, no momento do acidente, se encontrava a dormir (o que originava a sua impossibilidade de se segurar e evitar ser projectado), bem como que o veículo capotou para o lado do condutor, o que fez com que existisse um grande impulso que projectou o passageiro pelo ar com a força da gravidade, não tendo ainda considerado que o cinto, embora se mostrasse intacto, poderia pura e simplesmente ter-se desprendido do fixador, ou até estar mal fixado, nem que o veículo em causa não tinha sido sujeito à inspecção obrigatória, sendo certo que não foram efectuados quaisquer testes ou averiguações no sentido de verificar se o sistema de retenção do cinto de segurança estava a funciona correctamente; 5. Assim, da prova produzida em audiência de julgamento a tal respeito a única certeza que resulta é que quando o veículo iniciou a marcha a vítima trazia colocado o cinto de segurança, sendo tudo o mais (nomeadamente a conclusão de que a vítima não trazia o cinto colocado no momento de acidente) puras especulações, estribadas em qualquer suporte factual que as sustente; 6. De qualquer modo, mesmo que fosse entendido dar como provada a matéria do quesito 31ª (ou seja, que a vítima não tinha naquele momento o cinto colocado), nunca a percentagem de culpa da infeliz vítima no agravamento dos danos deveria ser considerada superior a 10%; 7. Face à prova produzida, a valorização, segundo um critério de equidade, da perda do direito à vida da vítima (um jovem de 25 anos de idade, robusto, saudável, muitíssimo amigo da família, com ânsia e alegria de viver e com projectos de futuro quer para si, quer para a sua família) nunca deverá ser inferior a € 65.000,00, conforme a mais recente tendência da sua valorização pelos nossos Tribunais superiores; 8. Face à prova produzida e constante dos autos, o valor a fixar a título de danos não patrimoniais às recorrentes não deverá ser inferior a € 25.000,00, tanto no que toca à viúva, como à filha menor da vítima; 9. Tendo em conta que o falecido Ricardo era forte, perfeito e saudável, dotado de energia e capacidade de trabalho; tinha 25 anos de idade, trabalhava como motorista de pesados em transportes internacionais e auferia € 496,00 por mês, acrescido do subsídio de alimentação diário de € 3,62; nas horas vagas ajudava os sogros em actividades agrícolas; era tractorista e mecânico nas horas vagas e fins de semana, no que conseguia um rendimento mensal extra nunca inferior a € 150,00; estava no auge da sua actividade, tinha a sua vida regularizada e estável; era um trabalhador incansável e a principal fonte de sustento da família; era económico e gastava consigo apenas o indispensável; que as recorrentes receberão o valor da indemnização de uma só vez, fazendo-a frutificar, através dos juros (que são actualmente baixos e sem expectativas de subida); e que a vítima tinha grandes expectativas de progressão na carreira (até por ser um trabalhador incansável), devem os danos patrimoniais sofridos pelas recorrentes ser fixados em nunca menos de € 275.000,00.

    Nas contra-alegações apresentadas ao recurso da seguradora, diz ainda a Autora: Como resulta também das alegações de recurso em que é recorrente, a ora recorrida não pode concordar com a posição da aqui recorrente. Com efeito, para além de considerar que a resposta ao quesito 31º nunca poderia ser positiva, mesmo que o fosse, a percentagem de culpa da infeliz vítima atribuída pelo Tribunal “a quo” peca, isso sim, por...

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