Acórdão nº 2634/09.9TJCBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 21 de Dezembro de 2010

Magistrado ResponsávelARLINDO OLIVEIRA
Data da Resolução21 de Dezembro de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra A..., Lda.

, com sede na ..., intentou a presente acção declarativa de condenação, sujeita aos termos do processo sumário, contra B...

, residente na ..., pedindo que o réu seja condenado a pagar-lhe a quantia de € 10.000,00, acrescida de juros de mora vencidos desde a citação e vincendos até integral pagamento, à taxa legal de 4%.

Alega para tanto que é uma sociedade comercial que se dedica à compra e venda de veículos automóveis usados e que, no exercício dessa actividade, negociou com o réu a entrega de um veículo automóvel de marca Jeep modelo Grand Cherokee, avaliado em € 12.500,00, contra a retoma de um veículo automóvel de marca Mercedes Benz, para o efeito avaliado em € 22.000,00, tendo as partes chegado a acordo no sentido de a autora vender ao réu o Jeep e retomar em troca o Mercedes, entregando ainda ao réu a quantia de € 9.500,00.

Concluído o negócio, e pagos os € 9.500,00 ao réu, a autora vendeu de seguida o veículo Mercedes à C...

, pelo preço de € 25.000,00.

Invoca que para a avaliação do Mercedes em € 22.000,00 foi determinante o facto de este ostentar a quilometragem de120.000 quilómetros, tendo-se o réu, ciente da importância daquele facto, comprometido a entregar à autora o livro de revisões do veículo, que dizia existir a atestar o número de quilómetros apresentado pelo mesmo.

Mais alega que o réu sabia contudo que veículo em causa tinha o conta-quilómetros falsificado e percorrera na realidade um número de quilómetros muito superior ao ostentado, razão pela qual lhe não entregou o livro de revisões, apesar de muitas vezes interpelado para o efeito.

Perante esta recusa, os representantes da autora e da C... começaram a desconfiar da falsificação, tendo-se a C... apressado a vender o veículo, através de uma leiloeira, pelo valor de € 22.100,00, e entretanto apurado que o veículo teria na altura da venda cerca de 320.000 quilómetros. Como a leiloeira também se apercebeu da viciação do conta-quilómetros, devolveu o veículo à C... e solicitou-lhe a restituição do preço, o que esta fez, apenas tendo vindo a conseguir vender o Mercedes com a indicação de que o veículo tinha um número de quilómetros superior ao registado e pelo preço de € 17.486,00, já deduzidas do valor das taxas, comissões e IVA cobrados pela leiloeira. Por esse motivo, a C... pediu ao autor o pagamento da quantia de € 10.000,00, correspondente à diferença entre os € 25.000,00 pelos quais o adquiriu e o preço conseguido com a venda, abatidas as despesas com leilões, reparações da caixa de velocidades do veículo e encargos de conta caucionada, quantia que a autora pagou, até porque a C... era uma antiga e importante cliente.

Conclui que foi obrigada a suportar esta indemnização de € 10.000,00 mercê do engano que o réu provocou acerca do número de quilómetros do veículo, sendo por isso o réu responsável, nos termos do art. 227.º do Código Civil, pela reparação dos correspondentes prejuízos.

* O réu contestou arguindo a excepção da ilegitimidade passiva, alegando para tanto que quando comprou o veículo Mercedes já este ostentava praticamente a quilometragem com o que o vendeu à autora, não tendo por isso qualquer responsabilidade em relação aos factos alegados pela autora.

Impugnou parcialmente a matéria de facto alegada pela autora, invocando ainda que apenas entregou o Mercedes à retoma porque a sua mulher se não adaptava à condução do mesmo, motivo porque, depois da retoma do Mercedes, e além do Jeep, comprou um Smart para aquela, e que nunca se comprometeu a entregar à autora o livro de revisões.

Conclui pela sua absolvição da instância ou, se assim se não entender, pela sua absolvição do pedido.

* A autora apresentou articulado de resposta no qual defendeu a legitimidade passiva do réu.

No prosseguimento dos autos, foi dispensada a realização de audiência preliminar em consequência do que foi proferido despacho saneador, no qual se julgou improcedente a alegada excepção de ilegitimidade passiva e se seleccionou a matéria de facto assente e controvertida, de que não houve reclamação.

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, com recurso à gravação da prova nela produzida, finda a qual foi proferida decisão sobre a matéria de facto considerada como provada e não provada, com indicação da respectiva fundamentação, tal como consta de fl.s 103 a 108, sem que lhe tenha sido formulada qualquer reclamação.

No seguimento do que foi proferida a sentença de fl.s 109 a 119, na qual se decidiu o seguinte: “Pelo exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente, por provada e, consequentemente, condeno o réu a pagar à autora a quantia de € 7.000,00 (sete mil euros), acrescida de juros vencidos desde a citação e vincendos até integral pagamento, à taxa legal, actualmente de 4%, absolvendo o réu do remanescente do pedido.

Condeno a autora e o réu no pagamento das custas da acção, na proporção do decaimento (art. 446.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).

Valor da acção: € 10.000,00 (art. 306.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).

Registe e notifique.”.

Inconformado com a mesma, interpôs recurso o réu, recurso, esse, admitido como de apelação, com subida nos próprios autos, de imediato e com efeito devolutivo (cf. despacho de fl.s 151), concluindo as respectivas motivações, com as seguintes conclusões: 1.

Através do presente recurso, o recorrente, pretende colocar em crise a questão da sua condenação parcial no pagamento da quantia de € 7.000,00 (sete mil euros) à recorrida pois, a decisão deveria ter sido no sentido da absolvição total do aqui recorrente.

  1. Existiu uma errada apreciação da prova produzida em audiência de discussão julgamento, bem como, uma errada interpretação dos requisitos atinentes à responsabilidade pré-contratual (culpa in contrahendo), interpretação essa em clara contradição com os factos dados como provados e até com a própria motivação da sentença, que levou à procedência parcial da acção contra o recorrente.

  2. Foram considerados provados os factos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 12, 20, 28 e 29 constantes da decisão recorrida.

  3. Discorda o réu da sentença proferida, no sentido de que deva ser responsabilizado no âmbito da responsabilidade pré-contratual, previsto no art. 227º do Código Civil.

  4. Na verdade, o recorrente discorda, nomeadamente e entre outras, da parte do conteúdo da Sentença proferida no processo acima referido, que se refere que: “ Descendo ao caso em apreciação, observamos que o réu violou claramente os deveres de informação que sobre ele impendiam na fase negociatória, uma vez que, apesar de suspeitar que o veículo tinha o conta-quilómetros falsificado, omitiu este informação à autora. E não apenas omitiu este esclarecimento, como ainda adoptou uma conduta claramente destinada a induzir e manter a autora em erro sobre um elemento essencial para a formação da sua vontade, pois comprometeu-se a entregar à autora o livro de revisões do veículo, e assim comprovar o número de quilómetros ostentado pelo mesmo, e nunca veio a cumprir com este compromisso.

    ” E que “Ao violar as regras da boa fé que deveriam pautar o seu comportamento, o réu praticou um facto ilícito, que se presume culposo nos termos do art. 799º do código Civil, do qual resultaram danos, na medida em que, por ter adquirido o veículo com o conta-quilómetros viciado, a autora se viu obrigada a pagar a um seu fornecedor a quantia de € 10.000,00, constituindo-se por isso o réu no correspondente dever de indemnizar.” 6.

    O recorrente, na data da venda do veículo de marca Mercedes, informou das características do veículo, nomeadamente o seu estado e ano de fabrico, tendo a Autora verificado a quilometragem que o veículo apresentava e tendo experimentado o veículo, sabendo que o mesmo era importado, conforme testemunhos do seu funcionário e do representante da C... (empresa à qual o veículo foi facturado), ou seja, conforme se pode aferir pelo depoimento das testemunhas D...

    (representante da C...), (depoimento gravado em CD de 02-03-2010, com Início Gravação aos 00:00:00, pelas 9:58:39 e Fim Gravação aos 01:21:35, pelas 11:20:16), E...

    (funcionário da autora), (depoimento gravado em CD de 02-03-2010, com Início Gravação aos 00:00:00, pelas 11:20:48 e Fim Gravação aos 00:19:56, pelas 11:40:44) e F...

    , (depoimento gravado em CD de 02-03-2010, com Início Gravação aos 00:00:00, pelas 12:12:31 e Fim Gravação aos 00:23:55, pelas 12:36:27).

  5. Quando o R. comprou veículo Mercedes já este ostentava praticamente a quilometragem com que o vendeu e não lhe foi dado o livro de revisões, informações essas, que foram reconhecidas em sede de audiência de discussão e julgamento, no depoimento de G...

    , comerciante que importou o veículo Mercedes e o vendeu ao recorrente e esta testemunha referiu que o recorrente o interpelou, via telefone e em data posterior à transacção, a informar que tinha vendido o veículo a um Stand e que, estes o confrontaram, surpreendentemente, com o facto de que o veículo teria o conta-quilómetros falsificado, ou seja, pelo depoimento desta testemunha se pode, facilmente, verificar que caso o recorrente estivesse de má fé contratual, não teria ficado tão surpreso e não teria indagado e interpelado o transmitente inicial, com vista a certificar-se da quilometragem do veículo.

    (depoimento gravado em CD de 17-03-2010, com Início Gravação aos 00:00:00, pelas 14:23:18 e Fim Gravação aos 00:23:43, pelas 14:47:04 e novamente com Início Gravação aos 00:00:00, pelas 14:47:05 e Fim Gravação aos 00:12:41, pelas 14:59:49).

  6. Portanto, o aqui recorrente, procedeu segundo as regras da boa fé, tanto nos preliminares como na formação do contrato, na medida em que deu a conhecer à recorrida todas as informações referentes ao veículo, não tendo agido com dolo.

  7. Aliás, “a responsabilidade pré-contratual pressupõe uma conduta eticamente censurável, e de forma acentuada, em termos idênticos aos do abuso do direito.” (Ac. deste STJ, de 9.2.1999, in CJSTJ, 1999, I, 84).

  8. Os autos mostram que...

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