Acórdão nº 3973/05.3TBLRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Dezembro de 2010

Magistrado ResponsávelTELES PEREIRA
Data da Resolução14 de Dezembro de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra I – A Causa 1.

Em 3 de Junho de 2005[1], A...

e mulher, B...

(AA., Reconvindos e no presente recurso Apelados), demandaram C...

(R., Reconvinte e aqui Apelante), invocando a celebração com este último, em 30 de Abril de 2004, na qualidade de promitente-vendedor (ele, o R. marido, como promitente-comprador), de um contrato-promessa de compra e venda relativo a “um terreno agrícola […] sito em X..., com o número de matriz ..., denominado ..., pela soma de €300.000,00” (transcrição do texto do clausulado do contrato a fls. 7), preço este do qual o A. entregou, no acto da celebração dessa promessa, a título de sinal, a quantia de €30.000,00.

Afirmam os AA. que o R., interpelado sucessivamente para cumprir, outorgando para o efeito na escritura definitiva como vendedor (escritura marcada pelo A. mais de uma vez), persistiu no incumprimento da promessa, considerando os AA. esta definitivamente incumprida, invocando em função dessa circunstância a resolução do contrato e pedindo a condenação do R. na satisfação do valor daquele sinal em dobro (€60.000,00).

1.2.

O R. contestou e deduziu pedido reconvencional (fls. 27/30). Invocou – e esta asserção expressa a questão central discutida na acção – a ligação do preço prometido para o imóvel à área deste, sendo que, convencido que tal área corresponderia aos 9.920 m2 constantes da matriz, foi surpreendido, no dia da realização da escritura (em 03/11/2004), pela advertência feita pela Senhora Notária, de que estava pendente uma rectificação da área do terreno para 23.800 m2, não obstante constarem da escritura os tais 9.920 m2[2]. Face a tal discrepância pretendeu o R., sem êxito, alterar os termos do contrato (o preço do imóvel), qualificando tal incidência (a grande diferença de áreas) como indutora, relativamente a ele (R.) de uma situação de “erro sobre o objecto do negócio”, com a consequente anulabilidade do mesmo, pugnando pela improcedência da acção e formulando, reconvencionalmente, o seguinte pedido: “[…] [anulação do] contrato-promessa sub judice com as legais consequências, condenando-se os AA. a pagar ao R. uma indemnização correspondente a todas as despesas que este teve de suportar decorrentes da sua actuação dolosa e a liquidar em execução de sentença […]” [transcrição de fls. 30] 1.3.

Finda a fase dos articulados[3], foi o processo saneado e fixados, por remissão para esses mesmos articulados[4], os factos assentes e os considerados controvertidos (fls. 46/48; consta de fls. 114/117 cópia dactilografada da peça condensatória).

1.4.

Realizado o julgamento documentado nas actas de fls. 148/152, 215/217 e 247/248 (no qual foi gravada a prova testemunhal), foram os factos provados (por referência aos controvertidos) fixados no despacho de fls. 248-A/254 e proferida a Sentença de fls. 259/276 – esta, integrada pelo indicado despacho de fls. 248-A/254, constitui a decisão objecto do presente recurso –, julgando ela a acção procedente e improcedente a reconvenção, condenando o R. a satisfazer aos AA. a quantia de €60.000,00, correspondente ao dobro do sinal prestado pelo A.

, nos termos do artigo 442º, nº 2 do Código Civil (CC).

1.5.

Inconformado, interpôs o R. o presente recurso, motivando-o a fls. 282/290, rematando tal peça com a conclusão única que aqui se transcreve: “[…] Atendendo aos documentos de fls. 7, 158 a 161, 193 a 199, aos factos admitidos por acordo no artigo 22º da contestação, aos factos notórios e aos depoimentos das testemunhas parcialmente transcritos, há razões que permitem pôr em causa a razoabilidade da convicção formada pela primeira instância e para alterar as respostas dadas aos nºs 9, 11, 13, 14, 15 e 16 da base instrutória, considerando-se integralmente provados os nºs 9, 11 e 13, não provados os nºs 15 e 16 e, relativamente ao nº 14, provado que «[a] área do terreno foi elemento essencial na determinação do preço da compra e venda em apreço».

Deverá ser revogada a Sentença recorrida e a acção julgada improcedente por não provada, a reconvenção julgada procedente, por provada, declarada a anulação do contrato-promessa de compra e venda sub judice com fundamento no erro sobre o objecto do negócio, nos termos do disposto nos artigos 247º e 251º do Código Civil, com as legais consequências.

[…]” [transcrição de fls. 290] Os AA. Apelados responderam ao recurso, pugnando pela manutenção da decisão colocada em crise pelo Apelante.

Relatada a marcha do processo na primeira instância, é tempo de apreciar as questões colocadas no recurso.

II – Fundamentação 2.

Avançando nesta senda, importa consignar desde já que é através das conclusões formuladas por quem recorre – aqui pelo R./Reconvinte/promitente-vendedor – que se operou a delimitação temática do recurso [artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Código de Processo Civil (CPC)]. Assim sucede com todos os recursos, não constituindo esta apelação excepção a tal respeito.

Ora, atendendo ao teor da conclusão (única), capta-se que a temática do recurso se estrutura em torno da impugnação do acto de julgamento correspondente à determinação dos factos, visando a modificação de alguns destes (artigo 712º, nºs 1 e 2 do CPC), sendo em função desta almejada alteração – e pressupondo-a – que o Apelante pugna por um julgamento-outro da acção, diametralmente antagónico do expresso na decisão da primeira instância. Pretende o Apelante, enfim, a improcedência da acção e o atendimento da reconvenção.

Para o efeito, busca o Apelante, pois, a fixação de outros factos, e é na base de tal alteração que promove uma distinta subsunção, visando a consagração da sua tese respeitante ao erro sobre determinadas qualidades do objecto negocial (artigo 251º do CC), respeitante à celebração do contrato-promessa de compra e venda, promovendo a anulação deste, nos termos do artigo 247º do CC (ex vi do citado artigo 251).

É neste quadro argumentativo que o Apelante, cumprindo o ónus imposto pelas alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 690º-A do CPC, dá conta na motivação do recurso dos pontos de facto concretos que considera terem sido incorrectamente julgados e, cumulativamente a tal indicação e completando-a, dos concretos meios de prova que afirma como erradamente valorados pela primeira instância[5] – estes últimos, por corresponderem neste caso, fundamentalmente, a prova testemunhal, por referência a passagens do registo áudio da mesma (ocupa a gravação duas cassetes e um CD, aquelas e este integralmente ouvidos por esta Relação na preparação do recurso).

O fundamento primordial do recurso corresponde, pois, ao controlo de determinados trechos do elenco fáctico indicados pelo Apelante, com base na asserção de estar em causa, conforme este diz na síntese conclusória acima transcrita, “a razoabilidade da convicção formada pela primeira instância”. É esta asserção que importa reter relativamente a esta dimensão do recurso.

2.1.

A matéria de facto considerada pelo Tribunal a quo foi a que aqui se transcreverá já de seguida, a partir do trecho da Sentença contendo essa relacionação, sublinhando-se que tal transcrição apresenta, na lógica expositiva deste Acórdão, a provisoriedade decorrente de estarem em causa no recurso, como se disse, pendentes de apreciação, trechos dos factos cuja alteração é pretendida pelo Apelante. Aliás, como veremos adiante, essa pretensão será atendida em aspectos muito substanciais do elenco fáctico considerado pelo Tribunal a quo, no qual serão introduzidas importantes modificações.

Não obstante, feita esta advertência (que esta transcrição assinalará nos locais apropriados), são estes os factos que a instância antecedente deu como provados, constituindo eles a base de trabalho que à partida se oferece a esta Relação: “[…]

  1. A. marido e R. celebraram, em 31 de Agosto de 2004, um contrato-promessa de compra e venda.

    B) Por esse contrato, o A. prometeu comprar ao R. e este prometeu vender-lhe «um terreno agrícola de que é proprietário, sito em X..., com o número de matriz ..., denominado ...».

    C) Foi estipulado o preço de €300.000,00.

    D) O A. entregou, nessa data, ao R., e como sinal, a quantia de €30.000,00.

    E) Ficando de entregar a soma de €220.000,00 no dia da escritura pública de compra e venda.

    F) Os restantes €50.000,00 seriam liquidados quando começassem os trabalhos de loteamento no prédio, no prazo de um ano a contar da assinatura do contrato.

    G) Isto, se no indicado prazo de um ano, o A. marido não falecesse, pois, neste caso, a referida soma seria perdoada.

    H) No momento da sua assinatura, na cláusula 2ª, 1º, onde consta a entrega inicial de €30.000,00, o R. acrescentou à mão o seguinte: «como sinal (cheque do ...nº ...)».

    I) Não foi estabelecido prazo para a outorga da escritura, nem a quem competia a sua marcação.

    J) A escritura de compra e venda foi assim marcada para o dia 3 de Novembro de 2004, no Cartório Notarial da ....

    L) Em 29 de Outubro de 2004, o A. procedeu à liquidação do Imposto Municipal sobre Transmissões, documento que, com cópias dos documentos de identidade, entregou à encarregada da marcação da escritura.

    M) Na data designada, A. e R., este na posse do consentimento da R. mulher à transmissão, compareceram no Cartório Notarial da ....

    N) O R. recusou outorgar a escritura, alegando que queria renegociar o preço da compra e venda, que queria receber valor superior, o que o A. recusou.

    O) O A. diligenciou junto do R. pelo cumprimento do contrato, tendo este insistido em preço superior ao acordado.

    P) Na perspectiva de cumprir o contrato, o autor decidiu então por nova marcação da escritura, para o dia 7 de Março de 2005, pelas 14h30, no Cartório Notarial da ..., e do facto notificou o R. por carta registada com aviso de recepção.

    Q) No dia 7 de Março de 2005, pelas 14h30, todos os documentos necessários à escritura se encontravam no referido Cartório, tal como o A.

    R) Mas a escritura de compra e venda não foi realizada por ausência do R., o qual também nada informou.

    S) Por carta registada com...

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