Acórdão nº 308-B/2002.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 30 de Novembro de 2010
Magistrado Responsável | JUDITE PIRES |
Data da Resolução | 30 de Novembro de 2010 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam os Juízes da 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra I.RELATÓRIO A (…) instaurou providência cautelar especificada de arresto, nos termos do disposto no artigo 406º do Código de Processo Civil, contra B (…), pedindo que, sem audição prévia da requerida, se proceda ao arresto de depósitos bancários abertos em nome da sobrinha da mesma, (…) e de um imóvel registado em nome do irmão da mesma requerida, (…).
Para tanto alega o requerente que, tendo representado em juízo e em diversos processos a requerida, e, tendo esta revogado o mandato que lhe conferiu, o requerente apresentou àquela as respectivas notas de honorários.
Desde então, prossegue o requerente, a requerida tem vindo a furtar-se a quaisquer contactos consigo, ocultando bens de que é titular, dinheiro e uma vivenda sita no Algarve, transferindo esses bens, respectivamente, para uma sobrinha e para o irmão, renunciando, de forma inexplicável à sua qualidade de herdeira testamentária relativamente à quota disponível da herança do sogro, o que lhe gerou prejuízos e receio de perda da garantia patrimonial.
Ainda segundo o requerente, interpelou o mesmo a requerida para que esta liquidasse a dívida, que ascende a € 369.415,00, sem que ela o fizesse.
Foi proferido despacho de aperfeiçoamento do requerimento inicial, tendo o requerente sido convidado a factualizar, de forma concreta, o preenchimento dos critérios legais para a fixação dos honorários que integram o seu crédito, bem como para indicar qual o processo pretendido para apensação da providência cautelar.
O requerente respondeu ao convite formulado, indicando a importância dos serviços prestados, a dificuldade dos assuntos tratados, os resultados obtidos, o tempo despendido, as posses da cliente como critérios tidos em conta na fixação dos honorários, reiterando, no mais, o primitivo requerimento, indicando ainda a acção nº 308/2002 para a ela ser apensada a providência.
Foi proferida decisão liminar, que indeferiu o requerimento inicial, entendendo-se que o peticionado pelo requerente não tem fundamento legal, sendo manifestamente improcedente, condenando o mesmo nas respectivas custas.
Notificado de tal decisão, por dela discordar, veio o requerente interpor recurso de apelação para este Tribunal da Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões: “a) - A Senhora Juíza confundiu arresto requerido contra adquirente de bens do devedor e arresto de bens do devedor que se encontram na posse de terceiros.
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- Foi este último o arresto requerido e não o primeiro, como resulta claro da leitura atenta do R.I. e até da invocação nele feita do art° 831° do C.P.C.
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– No requerimento foram arroladas como testemunhas os 2 familiares da requerida em cuja posse estão os bens a arrestar, mas a esta pertencentes.
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– A decisão recorrida violou as seguintes normas: Do Código Civil: art°. 619° N° l, que não aplicou.
Do C.P.C.: art°s. 234°-A N° l e 407° N° 2, que aplicou indevidamente.
De novo do C.P.C.: art°s. 406°, 408° e 831°, que não aplicou.
Do C.R.P.: art°. 119º, que ignorou”.
pugnando, assim, o recorrente pela revogação da decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra que ordene o cumprimento do disposto no artigo 408º do Código de Processo Civil e ulteriores termos do processo.
Não houve contra - alegações.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar.
II.OBJECTO DO RECURSO 1. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelo recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras[1], importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito[2].
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Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelo recorrente, no caso dos autos cumprirá apreciar fundamentalmente as seguintes questões: indeferimento liminar da providência cautelar do arresto.
III. FUNDAMENTO DE FACTO São os factos descritos no relatório supra os pertinentes para o conhecimento do objecto do recurso.
IV. FUNDAMENTO DE DIREITO Da verificação dos requisitos da providência cautelar requerida O direito fundamental de acesso aos tribunais, constitucionalmente consagrado, incorporando o direito de acção, e o princípio da sua efectiva tutela judicial, é garantido quer em relação à violação efectiva de direitos subjectivos, quer quando esteja iminente ou haja perigo de lesão desses mesmos direitos[3].
De tal forma que se pode concluir que a cada direito corresponde uma acção ou uma providência destinada ao seu reconhecimento, mas igualmente à prevenção da sua violação ou a conferir efeito útil a tal reconhecimento.
Neste contexto, o princípio da efectiva tutela judicial pressupõe a composição provisória da situação controvertida antes da decisão definitiva, de molde a prevenir a violação de direitos e/ou a assegurar a utilidade da decisão que os haja reconhecido, tarefa prosseguida através de procedimentos cautelares, de natureza urgente, cuja especificidade visa a garantia desses objectivos.
Pode-se, assim, afirmar que a “tutela processual provisória decorrente das decisões provisórias e cautelares é instrumental perante as situações jurídicas decorrentes do direito substantivo, porque o direito processual é meio de tutela dessas situações. A composição provisória realizada através da providência cautelar não deixa de se incluir nessa instrumentalidade, porque também ela serve os fins gerais de garantia que são prosseguidos pela tutela jurisdicional (…).
A composição provisória que a providência cautelar torna disponível pode visar uma de três finalidades: aquela composição pode justificar-se pela necessidade de garantir um direito, de definir uma regulação provisória ou de antecipar a tutela requerida. Sempre que a tutela provisória se legitime pela exigência de garantir um direito, deve tomar-se uma providência que garanta a utilidade da composição definitiva, quer dizer, uma providência de garantia”[4].
São características comuns das providências cautelares: a provisoriedade, a instrumentalidade e a sumario cognitio.
A primeira daquelas características emana da circunstância da providência cautelar prosseguir uma tutela distinta da facultada pela acção principal, de que é dependente, e pela necessidade de a substituir pela tutela que vier a ser definida por essa acção. O objecto da providência não é o direito acautelado, mas a garantia desse direito, a regulação provisória da situação ou a antecipação da tutela requerida.
É objectivo primário do procedimento cautelar evitar a lesão grave ou dificilmente reparável de um direito em resultado da demora na composição definitiva do litígio. Visa obviar ao periculum in mora.
A sua verificação constitui pressuposto de qualquer procedimento cautelar: inexistindo, este será indeferido ou não decretado.
Como, a propósito deste requisito, escreveu Lucinda Dias da Silva[5], «…o ”periculum in mora” corresponde ao pressuposto característico...
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