Acórdão nº 269/09.5TACBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 23 de Novembro de 2010

Magistrado ResponsávelALBERTO MIRA
Data da Resolução23 de Novembro de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. Relatório: 1.

No 3.º Juízo Criminal de Coimbra, foi submetido a julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal singular, o arguido F...

, separado judicialmente, gerente comercial, reformado, residente em C… – Coimbra, acusado da prática, em autoria material, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256.º, n.º 1, al. a), b) e c), do Código Penal, na versão vigente à data dos factos imputados no libelo acusatório, e, actualmente, pelo art. 256.º n.º 1 als. a), c), d) e e), do mesmo diploma legal, na redacção introduzida pela Lei 59/2007, de 04-09.

*2.

Em sentença de 4 de Junho de 2010, o tribunal condenou o arguido F... - por convolação jurídica do imputado crime de falsificação p. e p. pelo art. 256.º, n.º 1, als. a), b) e c), do CP, na versão vigente à data dos factos, e, actualmente, pelo art. 256.º, n.º 1, als. a), c), d) e) do CP -, pela prática, como autor material, de um crime de falsificação, p. e p. pelos art. 256.º, n.º 1, al. c), do Código Penal, na redacção do DL 48/95, de 15-03 , na pena de 250 dias de multa, à razão diária de € 6,00.

*3.

Inconformado o arguido interpôs recurso, tendo formulado na respectiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões: Do presente recurso: 1.ª - O presente recurso versa sobre a reapreciação da prova gravada relativamente à motivação da prática do crime bem como sobre matéria de direito, no tocante ao não preenchimento dos requisitos objectivos para a punição e medida da pena.

  1. - Com o presente recurso não se pretende colocar em causa o exercício das mui nobres funções das quais se mostram investidos os ilustres julgadores, mas tão-somente exercer o direito de “manifestação de posição contrária” ou “discordância de opinião”, traduzido no direito de recorrer, consagrado na alínea a) do n.º 1 do art. 61.º do CPP e no n.º 1 da CRP.

    Fundamentos do recurso

    1. Da alteração não substancial e nulidade: 3.ª – Entende-se que a douta sentença padece do vício da nulidade plasmado na alínea b) do n.º 1 do art. 379.º CPP, tendo-se tal alteração dos factos por não substancial e ilícita, nos termos da alínea f), a contrario, do n.º 1 do art. 11.º e n.º 1 do art. 358.º CPP, dado que foi o recorrente absolvido dos concretos pontos de facto vertidos na acusação pública e condenado por factos diversos e estranhos aos descritos na mesma, em nome de um suposto dolo eventual na junção de uma declaração falsa a um processo judicial.

    B) Da contradição insanável: 4.ª – A condenação do ora recorrente encontra suporte unicamente num conhecimento de eventual (previsão de possibilidade) de uso de documento falsificado, pelo que, não tendo o arguido conhecimento efectivo de tal junção não poderia ser dado como provado que o mesmo “agiu livre, voluntária e conscientemente, conhecendo bem que praticava actos ilícitos e criminalmente puníveis”, tal como vertido no ponto 8.

  2. - E tal junção do documento nunca poderia ser ordenada ou imposta pelo recorrente, atenta a independência, isenção e autonomia técnica do seu ilustre mandatário em tais autos, nos termos do artigo 76.º, n.º 1, do EOA.

  3. – Ressalta da douta sentença certa contradição entre os factos dados como provados sob os n.ºs 6 e 7 e o segundo dado como não provado sob o ponto 1.2, tal como relativamente aos factos dados como provados sob os n.ºs 6, 7 e 8 e a condenação a título de dolo eventual (atento o teor do facto provado sob o n.º 5), assumindo tais factos primordial importância, por uma coisa não poder ser o que é e simultaneamente o seu contrário! C) Das circunstâncias de actuação do arguido: 7.ª – É referido a fls. 6 da douta sentença que “sabia o arguido que deveria juntar ao processo documentos que provassem a situação económica difícil que ele sustentava viver” (sublinhado nosso), tratando-se tal facto de um pormaior por, à luz da legislação, não haver o menor interesse em tal documento, no seu conteúdo ou na sua junção aos autos! 8.ª – Refere-se na douta sentença que o arguido pretendeu fazer crer ao Tribunal de que a sua situação económica era difícil, que suportava despesas, pretendendo assim o levantamento da penhora, o que é apontado como sendo para si um benefício.

  4. – A questão das despesas suportadas era, por si mesma, irrelevante, tal com a final, se veio a mostrar consagrado no douto despacho judicial de levantamento da penhora, datado de 11 de Junho de 2007, cuja cópia se deixou junta aos autos e ao qual não foi dada a devida relevância probatória.

  5. – O limite mínimo correspondente ao montante de um salário mínimo nacional, vertido no n.º 2 do art. 824.º CPC vigente à data, apenas se mostraria verificado e intocável quando o executado não tivesse outro rendimento, sendo essa ausência de rendimentos, por se não tratar de crédito alimentício, que importaria fazer prova, e não de despesas, as quais não seriam consideradas para aquele efeito! 11.ª – Na fase em que se mostrava o processo, bastaria fazer prova da ausência de outros rendimentos, sendo irrelevante e processualmente estéril a prova de despesas, mostrando-se inverídica a referência especulativa aos demais números (apenas 5, à data) do art. 824.º CPC, sendo certo que o n.º 5 se não aplicava por se tratar de pensão.

  6. – A consulta jurídica prestada pelo seu ilustre mandatário à data não foi coincidente com o que se alega, indo no sentido da prova e apresentação de despesas, conforme depoimento do mesmo em sede de audiência de discussão e julgamento (passagens 09:32 a 10:04 e 15:25 a 15:49), o qual na gravação se mostra inserto no da testemunha D....

  7. – E tal facto afigura-se-nos essencial porque permitirá aquilatar da suposta motivação criminosa do recorrente e permitirá aquilatar do erro em que se encontrava, devendo o conteúdo da consulta prestada (concretamente a necessidade de juntar comprovativos de despesas!) passar a figurar nos factos dados como provados! 14.ª – Na situação em que o executado se mostrava à data ninguém se quereria colocar no seu lugar e passar a dispor unicamente de um rendimento disponível inferior a € 150.00 [concretamente € 148,82(6)], em resultado da penhora de 1/3 da pensão! 15.ª - As “regras da experiência e do normal acontecer” devem ser tidas em consideração quer para efeitos da condenação quer igualmente de absolvição.

  8. - No âmbito do processo civil mostra-se consagrada uma norma relativamente aos factos que não carecem nem de alegação nem prova, por serem notórios, prescrevendo o n.° 1 do art. 514.° CPC que devem considerar-se como notórios “os factos que são do conhecimento geral”, razão pela qual se entende por juridicamente inócua (ou no limite sem qualquer relevância probatória!) a declaração junta e seu conteúdo.

  9. - É do conhecimento geral que todas as pessoas, tendo em vista a subsistência precisam de se alimentar e terão de efectuar despesas com a aquisição ou das refeições ou dos alimentos e demais condimentos, utensílios e energia para as confeccionar! 18.ª - Tendo por parâmetro o critério do bonus paterfamilias, a despesa média mensal gasta por cada pessoa nas refeições referidas na dita declaração (almoço e jantar, correspondente a 60 refeições!) nunca será inferior a € 120,00, ou, dito de outro modo, constitui facto notório que o preço de uma refeição sempre terá de ser valorada em pelo menos € 2.00, mostrando-se a quantia razoável e adequada.

  10. – O essencial da declaração, e o que poderia importar aos autos, estava na sua essência verdadeiro, por suportar o mesmo despesa mensal a título de alimentação dentro do valor referido, o qual sempre seria facto notório, não havendo interesse em juntar tal declaração e não tendo a mesma qualquer relevância probatória! 20.ª - Deveria ter havido um melhor aconselhamento jurídico (não ser referida a necessidade de juntar comprovativos de despesas para obter o levantamento da penhora financeiramente asfixiante!) e maior ponderação na sua junção, a qual sempre não dependia do recorrente! D) Da punibilidade 21.ª - O ora recorrente via-se privado de parte substancial de uma já de si reduzida e única fonte de rendimentos, a ponto de poder colocar em causa a sua própria subsistência, mostrando-se essencial o levantamento da penhora! 22.ª - Na senda da consulta jurídica passou a encontrar-se em por julgar essencial a junção de documentos comprovativos de despesas, mostrando-se tal erro mitigado com um direito de necessidade ou no limite um estado de necessidade desculpante, nos termos dos arts. 34.° e 35.° CP, uma vez que via a sua subsistência ameaçada em nome de uma penhora que o deixaria com um rendimento mensal disponível que nem tão pouco chegava para efectuar o pagamento da renda! 23.ª - Tal situação de perigo não havia sido criada por si, verificava-se sensível superioridade do seu bem jurídico face ao do exequente (integridade física ou a própria vida vs um direito de crédito!), razão pela qual poderia o seu interesse ser sacrificado e a oposição era a forma adequada de remover tal perigo! 24.ª - Segundo Merkel, “sempre que uma conduta é, através de disposição do direito, imposta ou considerada como autorizada ou permitida, está excluída sem mais a possibilidade de, ao mesmo tempo e com base num preceito penal, ser tida como anti-jurídica e punível”.

  11. - Tal conduta mostra-se enquadrável na concepção de Welzel relativamente à “teoria da inadequação social” (ou da potenciação do risco de ocorrência de um ilícito uma vez que o exequente com o seu comportamento imoral e ilícito contribuiu decisivamente para essa potenciação) a qual excluiria do tipo de ilícito todas as acções que não “caem notoriamente fora da ordenação ético-social da comunidade”.

  12. - Razão pela qual sempre tenhamos por excluída quer a culpa quer a ilicitude da actuação do então executado, que nada mais visou que acautelar a sua subsistência! 27.ª - Tivesse sido explicitado que o levantamento da penhora estaria unicamente dependente da ausência de outros rendimentos nunca o recorrente se conformaria com a junção de documento falsificado a atestar...

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