Acórdão nº 2617/03.2TBAVR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 16 de Novembro de 2010

Magistrado ResponsávelJAIME CARLOS FERREIRA
Data da Resolução16 de Novembro de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra: I Na Comarca do Baixo Vouga – Juízo de Grande Instância Cível de Aveiro, A…, residente na Rua …, Aveiro, instaurou contra “C… Seguros de Vida, S.A.”, sociedade com sede em… , a presente acção declarativa, com processo ordinário, pedindo a condenação da Ré a pagar ao Banco …, S.A. (Banco credor/beneficiário) o capital previsto na apólice referenciada nos autos, de € 72.325,70; a indemnizar a A. pelo prejuízo causado com a mora nesse pagamento, suportando a Ré o pagamento das quantias exigidas pelo dito Banco/credor à Autora pela mora no cumprimento do contrato em causa nos autos, no total de € 24.312,97 liquidado até 02/04/2002, bem como no pagamento dos juros de mora vincendos desde essa data até integral e efectivo pagamento; a pagar à A. as custas que vierem a ser liquidadas a seu cargo na execução que o referido Banco moveu à Autora; e, bem assim, no pagamento à A. de € 25.000,00 por danos morais causados.

Para tanto e muito em resumo, alegou que foi casada com R…, tendo ambos adquirido, em 12/11/1998, uma casa para habitação, sita …, fracção essa inscrita na respectiva matriz sob o artigo … e descrita na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o nº … da dita freguesia.

Que tal aquisição foi efectuada com recurso a crédito bancário, garantido por hipoteca da dita fracção, em cuja escritura pública/documento complementar ficou a constar que os mutuários ficavam obrigados a contratar um seguro de vida, cujas condições, constantes da respectiva apólice, seriam as indicadas pelo Banco, na sua qualidade de credor hipotecário.

Que no cumprimento desse acordo a A. e seu marido celebraram com a Ré um contrato de seguro de vida, cobrindo, além da morte, a invalidez, pelo valor do capital mutuado, que foi de € 72.325,70.

Que esse contrato foi titulado pela apólice nº …, nela figurando como beneficiário o Banco credor.

Que em 24/04/1999 faleceu o marido da A., o que foi, de imediato, comunicado ao dito Banco e à aqui Ré, a fim de tomarem as medidas necessárias para o pagamento do capital seguro e consequente extinção do mútuo bancário existente.

Que a Ré, no entanto, se recusou a pagar tal capital, apesar de a A. e o seu falecido marido terem procedido com toda a correcção na contratação do dito seguro de vida e haverem sempre pago os prémios devidos.

Que a Ré está obrigada a cumprir esse contrato de seguro de vida, como se pede na presente acção, além das demais quantias também pedidas, pelo incumprimento a que deu origem.

A A., em simultâneo com a petição, pediu a intervenção principal na acção do B..., entidade credora do mútuo bancário referido.

II Contestou a Ré alegando, muito em resumo, que aquando da celebração do referido contrato de seguro “vida”, o marido da Autora preencheu e assinou uma proposta de seguro, na qual não respondeu com exactidão às questões de saúde que lhe eram aí colocadas, designadamente porque omitiu ter sofrido de uma trombose venosa dos membros inferiores e ter tido um internamento hospitalar entre 9/10/1998 e 16/10/1998 para tratamento dessa dita enfermidade.

Que o conhecimento desses factos era essencial à Ré para a celebração do dito contrato de seguro, o que conduz à nulidade do dito contrato, razão pela qual não lhe cabe proceder ao pagamento do capital mutuado à A., como é pedido na acção.

Que nos termos dos artºs 429º e 437º, nº 2, ambos do Código Comercial, o contrato de seguro fica sem efeito se o sinistro resultar de vício próprio conhecido do segurado e por ele não denunciado ao segurador.

Que tendo o marido da Autora conhecimento da doença de que sofria antes da celebração do contrato de seguro e tendo omitido esse facto à Ré, o contrato de seguro não produz qualquer efeito, pelo que não é a Ré responsável pelo pagamento de qualquer quantia à Autora, com fundamento no contrato de seguro de vida em causa.

Que o pedido de condenação da Ré no pagamento de uma indemnização a título de danos morais não tem qualquer justificação e que o contrato de seguro tem como limite de capital o valor de € 72.325,70, do qual é beneficiário o Banco …, pelo que, no caso de a Ré vir a ser condenada, nunca poderá ser em quantia superior ao valor do capital seguro.

Terminou pedindo a improcedência da acção e a sua absolvição dos pedidos.

III Respondeu a A., mantendo tudo quanto alegou na petição e alegando que a proposta de seguro em questão não foi sequer preenchida nem elaborada pela A. e seu falecido marido, que se limitaram a assinar tal documento em branco, conforme lhes foi indicado por quem da Ré os atendeu, na ocasião, para o efeito.

Que nem sequer leram essas ditas propostas nem lhes foi feito qualquer questionário.

Que o marido da Ré nunca sequer soube que sofria ou que esteve a ser tratado a uma “trombose venosa dos membros inferiores”, mas apenas lhe foi dito, na ocasião, que tinha uma bronquite.

Que a doença que vitimou o marido da Autora apenas foi diagnosticada muito próximo da data do seu óbito, já depois da outorga do contrato de seguro em causa.

Terminou mantendo os seus pedidos.

IV O Banco apresentou articulado próprio, alegando, muito em resumo, que a A. deixou de efectuar os pagamentos relativos ao mútuo existente, de que é credor relativamente à Autora, pelo que lhe moveu uma acção executiva, ainda pendente.

Terminou pedindo que caso seja julgado válido o contrato de seguro de vida em causa, que a Ré Seguradora seja condenada no pedido de entrega do capital previsto na apólice de seguro e a seu favor.

V A Ré respondeu ao interveniente, nos mesmos moldes em que o fez relativamente à Autora.

VI Terminados os articulados foi proferido despacho saneador, no qual foi considerada como processualmente regular a tramitação seguida, sem nulidades nem excepções dilatórias, tendo-se então procedido à selecção da matéria de facto alegada pelas partes e tida como relevante para efeitos de instrução e de discussão da causa.

Seguiu-se a instrução, com a realização de uma perícia (requerida pela Autora), conforme relatório de fls. 472 a 481.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com gravação da prova testemunhal nela produzida, finda a qual foi proferida decisão sobre a matéria de facto constante da base instrutória, com indicação da respectiva fundamentação.

Proferida a sentença sobre o mérito da causa, nela foi decidido julgar a acção procedente, com a condenação da Ré Seguradora a pagar ao interveniente – Banco … – a quantia de € 71.920,15, acrescida de juros de mora… desde 12/05/1999 até integral pagamento, de imposto de selo e de despesas extrajudiciais no montante de € 2.893,03; e a pagar à A. uma indemnização de € 5.000,00, por danos não patrimoniais causados.

VII Dessa sentença interpôs recurso a Ré, recurso que foi admitido como apelação e com efeito devolutivo, efeito este que foi posteriormente confirmado nesta Relação.

Nas alegações que apresentou a Apelante formulou, de forma que se sintetiza, as seguintes conclusões: (…) VIII Contra-alegou a Autora/Recorrida, onde defende a improcedência do dito recurso e a confirmação da sentença recorrida.

IX Nesta Relação foi aceite o recurso interposto, tal como foi admitido em 1ª instância, tendo-se procedido à recolha dos necessários “vistos” legais, sem qualquer observação, pelo que nada obsta a que se conheça do seu objecto.

Esse objecto passa pela reapreciação da conduta da A. e de seu falecido marido ao contratarem o seguro do ramo “vida” em causa nos autos, designadamente para se apurar se violaram ou não o dever de boa fé negocial para com a seguradora, com vista a poder-se determinar se tal contrato sofre ou não de algum vício que o torna inválido.

Mais importa apurar, caso se conclua pela validade do dito contrato, qual o montante ou montantes pelos quais deve responder a Ré Seguradora.

Tendo em conta que a decisão de 1ª instância proferida sobre a matéria de facto, constante da base instrutória, não foi objecto de qualquer forma de impugnação e que não se alcançam razões para a sua alteração oficiosa, importa que aqui se reproduza essa matéria, a qual é constituída pelos seguintes pontos, tal como constam da sentença recorrida: 1. A Autora casou com R…, em 15 de Junho de 1984, no Município de San Félix, no Estado Bolívar, Venezuela, tendo sido o mesmo dissolvido por morte deste, conforme documento junto a fls. 171, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (A).

  1. R… faleceu em 24 de Abril de 1999, conforme resulta fotocópia autenticada da certidão de assento de óbito junta a fls. 155, cujo teor se dá aqui por reproduzido (B).

  2. Do certificado de óbito de fls. 190 a 191, cujo teor se dá aqui por reproduzido, consta que a causa da morte foi uma «neoplasia pulmonar», com um intervalo aproximado entre o começo de doença e a morte de «vários meses» (C).

  3. No Primeiro Cartório Notarial de Aveiro encontra-se exarada a escritura de fls. 61 a 62 v.° do Livro de Notas para Escrituras Diversas n.º 97-F, datada de 12.11.1998, mediante a qual J… e G… declararam vender a R…, que declarou aceitar, pelo preço de 11.700.000$00, a «Fracção autónoma designada pelas letras “AS…”, conforme documento de fls. 118 a 122, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido (D).

  4. Na escritura pública supra referida, R… e a Autora ainda declararam: «Que se confessam devedores ao representado do terceiro (Banco …, S.A.), da importância de catorze milhões e quinhentos mil escudos, que do mesmo Banco receberam a título de empréstimo (que vai ser aplicada quanto ao montante de dez milhões e quinhentos mil escudos na precedente compra e quanto ao montante de quatro milhões de escudos em obras de beneficiação do imóvel ora adquirido …)», e que «para garantia do pagamento/liquidação da quantia mutuada (…), constituem a favor daquele Banco hipoteca sobre o imóvel ora adquirido» (E).

  5. Em tal escritura pública encontra-se também declarado que «o empréstimo e a hipoteca se regulam pelo Decreto-Lei 328-B/86 de 30 de Setembro...

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