Acórdão nº 3858/03 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 25 de Novembro de 2003 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelDR. ISA
Data da Resolução25 de Novembro de 2003
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 3ª sec. Cível do Tribunal da Relação de CoimbraI- Relatório1- A autora, PFA, veio instaurar contra a ré, Empresa B...Lda, ambas com os demais sinais dos autos, a presente acção declarativa, com forma de processo ordinário, alegando para o efeito, e em síntese, o seguinte: A autora, no exercício da sua actividade de seguradora, celebrou com a ré um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel, titulado pela apólice nº 58850, tendo por objecto um autocarro de passageiros, propriedade da última, de matrícula PS-32-58, e bem assim ainda um contrato de seguro de acidentes de trabalho, titulado pela apólice nº 10/019145.

Autocarro esse que no dia 14/06/1992, foi alugado à ré por um grupo de excursionistas, para se deslocarem ao Senhor dos Caminhos.

Porém, nesse dia, por volta das 20h45m, no regresso de tal excursão, na EN 2, ao Km 137,8, no local de Ponte Pedrinha, entre Castro Daire e a Ponte do Rio Paiva, o dito autocarro sofreu um aparatoso acidente, após se ter despistado, do qual resultou a morte de 8 passageiros e ferimentos nos demais (num total de 54 que então ali se faziam transportar) e bem assim do próprio motorista.

Despiste esse que ficou a dever-se ao facto do motorista ter perdido o controle do autocarro em consequência de uma deficiência no sistema de travagem.

Por força dos aludidos contratos de seguro em causa, a autora pagou já, a título de indemnização às aludidas vítimas ou aos seus herdeiros, a importância de esc. 47.802 105$00, ao motorista a importância de esc. 3.523 982$00, havendo ainda feito uma reserva matemática no montante de esc. 2.320 168$00, por força da IPP com que o último ficou de 27,75%, num total de esc. 53.645.790$00 já então desembolsados.

Contudo, tal acidente só foi possível devido ao péssimo estado de manutenção em que se encontrava o dito veículo, e nomeadamente no que concerne ao seu sistema de travagem, que a ré, de forma negligente, não cuidou de arranjar, e para o qual contribuiu o facto de na altura ter deixado decorrido o prazo legal estipulado para o efeito sem que tivesse submetido o mesmo à inspecção periódica exigida por lei – tendo faltado à inspecção que esteve marcada para o mês de Março de 1992, sendo que a última, que datava de 25/03/1991, se encontrava já caducada Pelo que, face ao exposto, e luz do disposto na al. f) da cláusula 26 das Condições Gerais da Apólice Uniforme do Ramo Automóvel e artº 19 al. f), do DL nº 522/85 de 31/12, vem exercer o direito regresso contra a ré, para desta receber as quantias que dispendeu e que ainda tenha que dispender, por causa do aludido acidente.

Pelo que terminou a autora pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia total de esc. 53.645 790$00, acrescida do que vier ainda a pagar por força do mesmo sinistro e que se vier apurar em execução de sentença, bem como dos juros vencidos a partir da citação (no que concerne àquele capital).

2- Citada para o efeito, veio a ré contestar, defendendo-se, em síntese, nos seguintes termos: Ser verdade que, na altura do acidente, o veículo em causa não tinha a inspecção periódica regularizada, ou seja, em dia, tendo a falta à ultima, que fora marcada para o pretérito mês de Março desse ano, ficado apenas a dever-se a um lapso dos seus serviços administrativos. Porém, a falta à última inspecção do dito veículo não foi causal do referido acidente, já que o mesmo se encontrava, nomeadamente a nível dos orgãos vitais e mais particularmente do sistema de travagem, em boas condições de funcionamento, sendo que as pequenas anomalias mecânicas nele detectadas não foram causa adequada e necessária do sinistro.

Acidente esse que apenas se ficou a dever à conduta negligente e imprevidente do motorista do autocarro, em termos da condução que imprimiu ao mesmo, pelo que não se verificam os pressupostos legais para a autora vir exercer contra si o sobredito direito de regresso no que concerne às quantias indemnizatórias que pagou por força do mencionado sinistro.

Porém, no final, por alegado desconhecimento dos mesmos, impugnou os montantes indemnizatórios que autora alegou já ter efectuado e bem assim os critérios que presidiram à fixação desses montante.

Pelo que terminou pedindo a improcedência da acção, com a sua absolvição do pedido.

3- Mais tarde, respectivamente, a fls. 490/492 e a fls. 512/519, a autora veio ampliar, por duas vezes, o pedido, que actualizou para o montante global de esc. 72.066.050$00, invocando numa delas que, em transacção efectuada na acção n.º 62/94, do Tribunal Judicial de Castro Daire, indemnizou outras vítimas do aludido acidente, no montante de esc. 15.000 000$00, havendo ainda pago ao Centro Nacional de Pensões a importância de esc. 1.379 360$00, e que na acção n.º 80/95, do mesmo Tribunal, pagou, respectivamente, as importâncias indemnizatórias de esc. 2.000.000$00 e de esc. 40.900$00 a outros dois sinistrados com o dito acidente Ampliações essas que foram depois, na sequência do despacho de fls. 521, admitidas.

4- Entretanto foi proferido o despacho saneador – ainda à luz do CPC, anterior às reformas que lhe foram introduzidas pelos DLs nºs 329-A/95 de 12/12 e 180/96 de 25/09, já que a presente acção foi instaurada em 12/06/95 -, onde se afirmou a validade e a regularidade da lide 4-1 De seguida, elaborou-se a especificação e organizou-se o questionário, os quais vieram a ser corrigidos na sequência de reclamação oportunamente apresentada pela autora, e que mereceu total deferimento.

5- Após a instrução do processo, procedeu-se à realização do julgamento, com a gravação da audiência, e sem a ocorrência de qualquer incidente digno de registo.

5-1 A resposta aos quesitos teve lugar, sem que tivesse sido então objecto de qualquer censura das partes.

6- Seguiu-se, depois, a prolação de sentença, de fls. 764/765, na qual, nos termos e com os fundamentos aí aduzidos, se acabou por julgar a acção totalmente improcedente, com a consequente absolvição da ré do pedido.

7- Por não se conformar com tal sentença, a autora dela interpôs recurso, o qual foi admitido como apelação e com efeito suspensivo.

7-1 Nas suas alegações de recurso, apresentadas a fls. 799/814, autora-apelante acabou por concluir nos seguintes termos: “...1- Conforme o acima exposto, e sob pena de violação do artº 369 do CC e, bem como, tendo em conta de que se trata de um documento não impugnado pelas partes, e uma vez que o tribunal a quo cometeu a falta de desprezar a força probatória do relatório da DGV, nos termos e para os efeitos do artº 712, nº 1, al. b), requer-se que se dignem alterar as respostas da matéria de facto, da forma como segue: - quesito 7º para provado, com a explicação das deficiências encontradas, e descriminados, conforme o acima exposto no nosso ponto I, artº 7º; - quesito 9º alterado para totalmente provado; - quesito 12º para integralmente provado; - quesito 13º para integralmente provado (retirando-se o respectivo esclarecimento); - quesito 14º integralmente provado; - quesito 15º apenas deverá ser dado como provado; - quesito 16º para não provado; - quesito 17º para não provado; - quesito 18º a 20º para não provados; - quesito 23º para não provado.

2- De acordo com o então explicado e alegado, e sob pena de violação ao artº 664 e 668, nº 1, al. d) do CPC, requer-se a V. Exªs. que se dignem considerar como não escrito todo o esclarecimento efectuado ao quesito 13º na respectiva resposta, uma vez que esse esclarecimento não se contem dentro da matéria alegada e articulada.

3- Mutatis mutandi, o mesmo se aplica à resposta do quesito 15º, do nosso nº I. Assim, e sob pena de nova violação ao artº 664 e 668, nº 1, al. d) do CPC, requer-se a V. Exªs. que se dignem considerar como não escrita, e na íntegra, tal resposta. Para uma pergunta muito específica, tal como: “nenhuma destas anomalias foi provocada pelo sinistro?”, o tribunal a quo respondeu que: “Provado apenas que as anomalias referidas nos quesitos 12ºA e 13º foram provocadas pela “utilização sistemática e descuidada do travão de serviço”.

Resposta essa, na modalidade de esclarecimento, que além de conter uma conclusão jurídica e um juízo de valor, extravasa claramente o âmbito da pergunta que se havia formulado.

4- Finalmente, é também a própria sentença que enferma de nulidade por violação do artº 668, nº 1, al. d) do CPC. Ou seja, e conforme o exposto no nosso 3º ponto, al. B), do nº I, uma vez que na decisão que agora se põe em crise o tribunal a quo pronuncia-se sobre questões que não lhe foram submetidas à apreciação.

É, nomeadamente, o que acontece quando afirma na respectiva fundamentação que, “os órgãos vitais do veículo em causa estavam conservados e funcionais”, ou dizendo que: “o sistema de travagem funcionou em pleno, fazendo tudo quanto lhe era exigível”.

Com efeito, sobre tais questões de facto, o tribunal a quo pura e simplesmente nunca se debruçou porque, pura e simplesmente, essas questões nunca foram alegadas.

5- Ou seja, sob pena da violação do artº 712 do CPC e 341 e ss do CC, das respostas negativas a alguns factos alegados pela A, nomeadamente quanto ao estado deplorável daquele veículo, não podia, pois, o tribunal a quo retirar conclusão inversa, como fez.

Aliás, como já referimos, e abundantemente tem sido decidido pelo STJ, das respostas negativas aos quesitos não pode deduzir-se o facto oposto ao considerado no mesmo quesito, ou noutros.

6- Conforme ainda resulta do que atrás dissemos, a decisão ora recorrida deverá ainda ser anulada, em consequência da decisão ora recorrida estar em contradição com a respectiva fundamentação, devendo ser anulada, nos termos e para os efeitos do artº 668, nº 1, al. d) do CPC.

7- Nos termos e para os efeitos do artº 712, nº 1, als. a) e b), e considerando que o tribunal a quo apenas possuia como meio de prova três depoimentos parciais e contraditórios entre si, e sendo que nenhum deles revelou conhecimento de facto sobre a matéria em causa, requer ainda a recorrente ainda que V. Exªs. alterem as respostas dadas a...

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