Acórdão nº 2021/03 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 17 de Setembro de 2003 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelDR. OLIVEIRA MENDES
Data da Resolução17 de Setembro de 2003
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Recurso n.º 2021/03 *** Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra.

No processo comum singular n.º 281/98, do 3º Juízo da comarca da Figueira da Foz, após a realização do contraditório foi proferia sentença que condenou o arguido José C...

, com os sinais dos autos, como autor material de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punível pelo art.143º, n.º1, do Código penal, na pena de 120 dias de multa à taxa diária de € 11,00 e, subsidiariamente, na pena de 80 dias de prisão.

Na parcial procedência do pedido de indemnização civil deduzido pelo assistente Nuno Manuel S..., devidamente identificado, foi o arguido condenado a pagar-lhe a importância € 1.500,00 – a título de indemnização por danos morais já sofridos –, acrescida de juros desde a data da sentença, bem como 2/3 do custo das intervenções cirúrgicas necessárias para a remoção da cicatriz de que o assistente é portador, incluindo despesas médicas, medicamentosas e de internamento e, bem assim, 2/3 dos danos de natureza moral que daí advenham, tudo a liquidar em execução de sentença, com juros contados desde a citação para a liquidação.

Interpôs recurso o arguido, sendo do seguinte teor a parte conclusiva da respectiva motivação: 1. De acordo com a fundamentação da matéria de facto contida na sentença recorrida, da audiência de julgamento resultaram versões contraditórias.

  1. Por um lado, a versão do assistente, corroborada por duas testemunhas, Elsa e Olga, negando a prática de qualquer atitude provocatória, negando a agressão repetida e persistente, consistindo no puxar das barbas do arguido, e apenas referindo a agressão, sem razão aparente, do arguido na pessoa do assistente atingindo-o com um copo na testa.

  2. Por outro a versão do arguido, apoiado pelas testemunhas Miguel C..., Miguel N..., Pedro B..., Luís C... e Tiago S..., que referem a agressão, repetida e reiterada do assistente na pessoa do arguido, a intenção deste abandonar a discoteca para evitar qualquer confronto com o assistente e o aparecimento repentino do assistente que, uma vez mais, lançou a mão à cara do arguido e que este tinha um copo na mão, fez um gesto brusco para se defender desconhecendo as consequências de tal gesto. Ora, 4. Entendeu o Tribunal proceder à conjugação desta duas versões, o que fez em desrespeito com a lei penal, atenta a manifesta insuficiência de prova, sendo que o princípio da livre apreciação da prova não confere ao julgador a possibilidade criar factos, mas sim de apreciar, de forma objectiva a prova, de acordo com as regras da experiência e a sua livre convicção. Com efeito, 5. Da fundamentação de facto constante da sentença recorrida, resulta manifesto que o Tribunal não conseguiu apurar com a certeza que se impõe no processo penal os factos que deu como provados, nomeadamente aqueles que imputou ao arguido quanto à forma e momento da agressão, os quais, em obediência estrita ao imposto na al.a), do n.º 3, do art.412º, se impugnam por considerados incorrectamente julgados: «Neste momento, o assistente Nuno Manuel fez menção de voltar a puxar as barbas do arguido e ele, que no momento segurava numa das mãos um copo e vidro, com ele desferiu uma pancada na cara daquele».

  3. E ainda aqueles de que resultaram a imputação ao arguido da respectiva conduta a título de dolo, os quais, outrossim, se consideram incorrectamente julgados, atenta a insuficiência de prova: «O arguido agiu consciente e livremente com o propósito conseguido de molestar fisicamente o assistente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei».

  4. Sendo certo que em processo penal se não pode falar de ónus da prova, o certo é que o Tribunal deve procurar obter a certeza dos factos, procurando a verdade material, pelo que persistindo a dúvida no espírito do Tribunal, tal relevará em benefício do arguido em obediência ao princípio do in dubio pro reo que o arguido expressamente invoca, pelo que deveria o arguido ser absolvido da prática do crime pelo qual foi pronunciado e bem assim, do pedido de indemnização civil.

  5. Ao não ter entendido assim, violou o Tribunal a quo o disposto nos arts.127º, do C. P. Penal, 13º, 14º e 143º, do C. Penal.

  6. De acordo com os factos dados como provados, resultará, necessariamente, que o arguido agiu a coberto de uma causa de justificação – legítima defesa – pelo que a sua conduta não podia ter sido considerada ilícita.

  7. A conduta do assistente, consistente no puxar repetido e reiterado das barbas do arguido e a menção de o voltar a fazer, consubstancia agressão da integridade física do arguido.

  8. Agressão essa que deverá ser considerada actual, uma vez que a actualidade da agressão perdurará até que o bem jurídico susceptível de defesa seja efectivamente lesado ou até que o agressor desista da concreta agressão/lesão.

  9. A conduta do assistente, na qual persistiu após ter sido instado a não repetir deve ser qualificada como dolosa, uma vez que feito o aviso e, apesar dele, a pessoa persistir na sua atitude, esta transformar-se-á de negligente em dolosa, sendo susceptível de constituir agressão contra a qual caberá legítima defesa.

  10. A conduta dolosa legitima ética e juridicamente a negação da exigência da proporcionalidade de bens, uma vez que sobre o agredido já não impende qualquer dever de solidariedade.

  11. A situação de legítima defesa implica que a acção de defesa se apresente como necessária para repelir a agressão, exigindo-se que o defendente só utilize o meio considerado necessário, no momento e segundo as circunstâncias concretas, suficiente, adequado e eficaz para suster a agressão.

  12. Esta apreciação deverá ser feita pelo julgador de acordo com critérios rigorosos, atendendo nomeadamente à capacidade físico-atlética do agressor, do agredido (capacidade de defesa), ao momento da agressão, à globalidade das circunstâncias concretas em que o agredido se encontra, bem como as capacidades e os meios de defesa de que o agredido se pode socorrer no preciso momento da agressão.

  13. Da sentença recorrida resulta, pois, que estes critérios foram obliterados pelo Tribunal a quo, ao não dar relevância: a) Às diferenças de idade e de compleição física do assistente e do arguido (o assistente é bastante mais novo e mais alto que o arguido); b) À intenção do arguido – após ter sido agredido pelo assistente – em abandonar a discoteca procurando evitar qualquer confronto com o assistente; c) Ao facto de o assistente, apesar de avisado para não repetir os actos, entendeu prosseguir com os seus propósitos; d) Ao facto de a discoteca se encontrar lotada – o que não permitia ao arguido movimentar-se livremente à procura de seguranças ou de fugir ao assistente.

  14. Resulta pois que a conduta do arguido se apresenta como necessária para repelir a agressão, uma vez que utilizou o meio considerado necessário, no momento e segundo as circunstâncias concretas, suficiente, adequado e eficaz para suster a agressão.

  15. Pelo que preenchidos os pressupostos da legítima defesa, a conduta do arguido não deveria ter sido considerada ilícita, uma vez que se encontra coberta com o manto protector de uma causa de justificação – legitima defesa.

  16. Em consequência deveria o arguido ter sido absolvido da prática do crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. no art.143º, do C. Penal, e do pedido de indemnização civil.

  17. Ao não ter entendido assim, violou o Tribunal a quo o disposto nos arts.31º, 32º, 33º, 128º e 143º, do C. Penal, e ainda o disposto nos arts.70º, n.º1, 337º, n.º1, 483º e 562º, todos do Código Civil.

O recurso foi admitido.

Responderam Ministério Público e assistente, pugnando pela improcedência do recurso, com integral confirmação da sentença impugnada.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual também se pronuncia no sentido da improcedência do recurso, com o fundamento de que a decisão proferida sobre a matéria de facto é imodificável por o recorrente não haver dado cumprimento ao ónus previsto no art.412º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Penal, bem como por entender não se verificarem os requisitos da legítima defesa, face à utilização por parte do arguido de um meio desnecessário e à circunstância de aquele poder ter afastado a agressão por formas menos gravosas, nomeadamente através do recurso aos seguranças do estabelecimento onde aquela ocorreu ou dos amigos que o acompanhavam.

Colhidos os vistos legais e realizada a audiência, cumpre agora decidir.

*** Começando por delimitar o objecto e o âmbito do recurso, os quais nos são dados pelas conclusões extraídas pelo recorrente na respectiva motivação ( - Cf. entre muitos outros o ac. do S.T.J., de 92.10.07, proferido no processo n.º 40528, o qual reflecte a orientação pacífica e constante dos nossos...

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