Acórdão nº 4281/05 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 21 de Fevereiro de 2006

Magistrado ResponsávelFERREIRA DE BARROS
Data da Resolução21 de Fevereiro de 2006
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra: I)- RELATÓRIO A JUNTA DE FREGUESIA DE A..., do Município de Condeixa-a-Nova, intentou, no Tribunal de Condeixa-a-Nova, acção declarativa de reivindicação, sob a forma de processo ordinário, contra B... e esposa C..., formulando os seguintes pedidos: a)-se declare que o terreno de 50 m2 de extensão que se encontra encravado entre o prédio dos RR. e o imóvel pertença de E... pertence ao domínio público.

b)-sejam os RR. condenados a reconhecer esse logradouro como do domínio público e a não continuarem a ocupação do referido terreno.

c)-sejam os RR. condenados a abster-se de, por qualquer forma, realizarem quaisquer construções ou obras no referido espaço, designadamente aquelas que se destinem à apropriação do mesmo.

d)-sejam os RR. condenados a repor o terreno público no estado anterior à ocupação, nomeadamente entupindo a fossa séptica abusivamente aberta e a destruir a construção de uma escada.

e)-sejam os RR. condenados a abster-se de, por qualquer meio, obstarem ou dificultarem o uso público do referido espaço, f)-por se encontrar construída a varanda a menos de 1,5 metros, sejam os RR. condenados a fechar a mesma até à altura regulamentar – 1,8m.

g)-e condenados a fechar as janelas, que deitam directamente para o terreno público, até à altura regulamentar e nelas colocadas seteiras.

Para fundamentar os pedidos a Autora alegou, em síntese, que o trato de terreno que identificam, com a área de 50 m2 é do domínio público, pertencendo à comunidade de Bruscos desde tempos imemoriais. Os RR. apropriaram-se indevidamente desse espaço, considerando-o como logradouro da sua moradia e nesse local construíram uma fossa séptica, lançaram uma escada, plantaram árvores e encheram-no com terra.

Os RR. contestaram, concluindo pela improcedência da acção, e dizendo, no essencial, que o terreno em causa sempre constitui parte integrante dos prédios adquiridos nunca se tendo traduzido numa utilidade pública, natural ou inerente. Admitem ter implantado no local uma fossa séptica mas já não a escada principal, pois esta utiliza o espaço ocupado pela anterior e a moradia que construíram não tem qualquer porta ou janela que deite directamente para o terreno em causa.

Prosseguindo os autos os seus regulares termos, foi, por fim, proferida sentença a julgar a acção parcialmente procedente e provada, declarando como pertencente ao domínio público o terreno com a área de 43,81 m2, actualmente utilizado pelos RR. como logradouro da casa que construíram, e condenando os RR. a reconhecer esse logradouro como pertencendo ao domínio público. Mais foram os RR. condenados a não continuarem a ocupação do referido terreno e a absterem-se de, por qualquer forma, realizarem qualquer construções ou obras no referido espaço, designadamente aquelas que se destinem à apropriação do mesmo.

Irresignados com tal decisão, apelaram os RR., pugnando pela sua revogação, e concluindo deste jeito a sua alegação: 1ª- A resposta ao quesito 3º da BI não reflecte com rigor a prova produzida em audiência e faz supor um uso contínuo; 2ª-De tal prova deduz-se, sem qualquer dúvida, que nos últimos 30 anos nenhuma actividade se desenrolou no trato de terreno reivindicado, à excepção de estacionamento de automóveis, facto não alegado pela Autora; 3ª-A resposta a tal quesito deverá ser no sentido de fazer constar que no trato de terreno em questão não se desenvolve qualquer actividade há mais de 30 anos; 4ª-A resposta ao quesito 11º da BI deve ser afirmativa. Na verdade, do depoimento das testemunhas ouvidas sobre tal questão resulta que entre 1950 e 1962, o trato de terreno em questão não foi usufruído pela população de Bruscos, nem nos termos apontados nem noutros quaisquer, sendo unicamente utilizado pela arrendatária de uma das casas. Quem tal afirmou foram os próprios filhos da arrendatária que aí residiram; 5ª-A resposta ao quesito 13º da BI deve, do mesmo modo, ser afirmativa. Na verdade, o Tribunal a quo reconhece que no trato de terreno em causa foram praticados os factos aí mencionados; A dúvida é que o Tribunal não ficou convencido de que tais actos fossem praticado com “animus” de domínio correspondente à propriedade exclusiva; 6ª-O facto sob julgamento é o de saber se no período compreendido entre 1950 e 1962 foi a Maria da Conceição dos Santos Lucas, arrendatária do prédio a que corresponde ao art. 245, ou a Junta de Freguesia de Bruscos a praticar tais actos; 7ª-Em julgamento nunca esteve a intenção com que os mesmos foram praticados; 8ª-O tempo e a intensidade de utilização do trato de terreno reivindicado pela Autora não foi relevado pelo Tribunal a quo; 9ª-E isso ocorreu há mais de 50 anos; 10ª-As brincadeiras e bailaricos das crianças ocorreram na infância das testemunhas inquiridas, todas com idade compreendidas entre os 60/70 anos; 11ª-O transbordo de madeiras e depósito de areias ocorreram por essa mesma altura; 12ª- Quanto às descamisadas de milho, as testemunhas só recordam as efectuadas por Joaquim Dias, um ex-proprietário de uma das casas adquiridas pelos RR. e de uma D. Lurdes, mas ninguém conseguiu dizer há quantos anos tal ocorreu pela última vez; 13ª-Após o 25 de Abril de 1974, todos são unânimes em reconhecer que no local só certas e determinadas pessoas estacionavam automóveis; 14ª-Tal prova uma utilização temporalmente distante, descontínua, com interrupções e sem nenhuma característica vocacional; 15ª- O que é absolutamente compatível com a circunstância de os dois prédios adquiridos pelos RR., contíguos ao trato de terreno em questão, não serem habitados há décadas pelos respectivos proprietários; 16ª-E de não terem, por isso, à excepção do período compreendido entre 1950 e 1962, uma vigilância contínua; 17ª-Uma utilização com estas características não pode ser responsável pela afectação de um bem ao domínio público; 18ª-O art. 84º da CRP define, hoje, o modo de afectação dos bens ao domínio público; 19ª-Segundo o acórdão do Trib. Constitucional n.º 330/99, de 02.06, tal ocorre “pela necessidade de preservar a integridade desses bens e o respeito pela afectação a finalidade de indiscutível interesse público”; 20ª-Ora, “ afectação a finalidade de indiscutível interesse público” é uma exigência normativa que radica mo modo tradicional de aquisição do carácter dominial de um bem: a afectação desse bem à utilização pública; 21ª-Tal afectação pode ter vários níveis, todos eles exigentes: -O Estado disciplina e vigia o uso de bens que são...

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