Acórdão nº 1742/06 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Junho de 2006

Magistrado ResponsávelBELMIRO DE ANDRADE
Data da Resolução14 de Junho de 2006
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA Findo o inquérito preliminar o digno magistrado do MºPº deduziu acusação contra o arguido A..., melhor identificado nos autos, imputando-lhe a prática de: - um crime de injúria agravada previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 181º, nº 1, 184º, 132º, nº 2, al. j) do C. Penal; e de: - um crime de resistência e coacção sobre funcionário p. e p. pelo artigo 347º do mesmo diploma.

Notificado da acusação, o arguido requereu a abertura da instrução sustentando não se mostrarem indiciados os pressupostos dos crimes por que foi acusado.

Realizada a instrução, após o debate instrutório, foi proferido, pela Mª Juíza de Instrução Criminal, despacho de não pronúncia, determinando o arquivamento dos autos.

* Recorre o digno magistrado do MºPº do aludido despacho de não pronúncia, concluindo a respectiva motivação com as seguintes CONCLUSÕES: I — Nas diligências probatórias efectuadas em sede de instrução e plasmadas na fundamentação da decisão instrutória não resultaram elementos de prova susceptíveis de afastar os indícios recolhidos em sede de inquérito que constam da acusação pública proferida e que constituem o objecto do processo.

II — As expressões “só poderia ser você, o cabo B...” e “vocês andam-me a perseguir e isto é uma perseguição” proferidas pelo arguido ao ofendido, Furriel da Guarda Nacional Republicana, são susceptíveis de ofender a honra e consideração devidas a este, designadamente a sua dignidade profissional, por conterem um juízo explicito de que o mesmo pratica actos contrários aos deveres inerentes ao exercício das suas funções, com abuso de poder.

III — As expressões “já lá tenho em casa umas multas suas, mas isto vai acabar, não duvide, vou lá falar com o vosso comandante para ver se vocês deixam de me autuar”, “vou lá falar com ele e vou fazer todo o tipo de queixas a vosso respeito” e “isto não vai ficar assim porque eu sei bem como lhe estragar a vida, sei como se estraga a vida a um militar, vou-me vingar e bem, não se esqueça que a vingança é terrível”, proferidas pelo arguido ao Furriel B..., implicam uma ameaça do arguido de que iria desencadear procedimentos de natureza criminal e disciplinar contra o ofendido, visando causar neste receio de que tal ocorresse com o intuito de que este se abstivesse de prosseguir com os autos de procedimento contra-ordenacional que se encontrava a elaborar.

IV — Estando tais factos indiciariamente assentes, tal justifica a decisão de pronunciar o arguido pela comissão de um crime de injúria agravada e por um crime de coacção sobre funcionário p. e p. respectivamente, pelo n.º 1 do artigo 181º e artigo 184º, com referência à alínea j) do n.º 2 do artigo 132º, todos do Código Penal, e do artigo 347º, também do Código Penal.

* Não foi apresentada resposta.

No visto a que se reporta o art. 416º do CPP o Ex. Mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no qual se pronuncia no sentido de que o recurso deve obter provimento.

Foi cumprido o disposto no art. 417º, n.º2 do CPP.

Corridos os vistos, tendo-se procedido a julgamento, em conferência, mantendo-se a validade e regularidade afirmadas no processo, cumpre apreciar e decidir.

*** O fundamento do despacho de não pronúncia em recurso não consiste em que a prova produzida durante a instrução tivesse, de alguma forma, infirmado aquela que fora reunida durante a fase de Inquérito. Não assentando a decisão em qualquer meio de prova produzido durante a instrução, nem fazendo referência a que a prova recolhida na instrução tenha abalado, de alguma forma, a prova indiciária recolhida no inquérito. Pelo contrário a fundamentação da decisão recorrida é relativa apenas à qualificação jurídica dos factos descritos na acusação, partindo do pressuposto que a matéria de facto descrita na acusação está indiciada, mas é insuficiente para preencher os elementos dos dois crimes imputados ao arguido.

Com efeito o douto despacho recorrido pondera a este respeito: “a questão que nos é submetida reconduz-se a saber se no decurso do inquérito foi reunida prova da qual resultem indícios de facto suficientes para a submissão a julgamento pela prática de um crime de injúria agravada e um crime de resistência e coacção sobre funcionário”.

Concluindo, no que toca ao crime de injúria, que “a terem sido proferidas todas aquelas expressões pelo arguido A..., as mesmas mais não representam do que um desabafo (...) das palavras mencionadas na acusação pública não logramos retirar qualquer indício de qualquer intenção injuriosa tal como entendemos dever definir-se a injúria”. E, relativamente ao crime de coacção, que “da factualidade descrita na acusação (…) igualmente não se retira o primeiro dos elementos acima apontados com pertencentes ao tipo de ilícito (…) que o fim da acção do arguido foi o de ele se opor ao exercício pelo funcionário das suas funções, ou seja, opor-se o agente à concretização da actividade do Estado. Não só não encontramos elementos suficientes à afirmação deste fim, como os que se contêm na acusação são manifestamente insuficientes à sua comprovação, tendo em conta que o furriel B... não pode considerar-se, já o dissemos, atentas as suas específicas funções, um homem médio, e sim um homem preparado para gerir situações de crise, como a que está subjacente aos autos, ou, até, outras, bem mais difíceis”.

A decisão instrutória recorrida procede à análise dos pressupostos dos crimes imputados ao arguido, concluindo que as expressões descritas na acusação representam um mero “desabafo” sem qualquer “intenção injuriosa”. E que na acusação pública não existem elementos suficientes para a afirmação de que “o fim da acção do arguido foi o de se opor ao exercício, pelo funcionário, das suas funções”.

Assenta pois no plano estritamente jurídico, sem qualquer referência a que a prova produzida na instrução tenha alterado a base probatória indiciária da acusação, o mesmo é dizer, sem questionar que se mostra indicada a matéria objectiva reportada na acusação.

Assim, não tendo sido postos em causa, durante a instrução, a decisão de pronúncia ou não pronúncia, como foi equacionado pela decisão recorrida, tem por base a matéria de facto descrita na acusação.

** A matéria de facto descrita na acusação, indiciada, é a seguinte: - No dia 6 de Outubro de 2004, cerca das 10 horas e 15 minutos, no IP 5, em Taboeira, área da comarca de Aveiro, B..., furriel da Guarda Nacional Republicana, a prestar serviço no Destacamento de Trânsito de Aveiro, procedia à fiscalização do veículo tractor de mercadorias de matrícula nº 03-91-SG, utilizado pela sociedade “C...”...

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