Acórdão nº 1913/05 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 25 de Janeiro de 2006

Magistrado ResponsávelJO
Data da Resolução25 de Janeiro de 2006
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em audiência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.

No processo comum nº 546/98 do 1º Juízo Criminal de Coimbra, após audiência de discussão e julgamento a arguida: A..., Foi condenada a pagar ao A. – B...

- a título de indemnização por danos patrimoniais ( lucros cessantes – danos futuros ), a importância que se liquidar em execução de sentença e a título de indemnização por danos não patrimoniais ou morais, a importância de dois mil e quinhentos euros ( € 2.500,00 ), acrescida de juros de mora sobre tal montante, à taxa de 7%, desde a notificação até 30.04.2003 e 4% desde 1.05.2003 até integral pagamento.

Este processo tinha subjacente um crime, p. e p. pelos art. 181.º e 184.º, ambos do Cód. Penal, e amnistiado este nos termos do art. 7.º d) da Lei 29/99, de 12.05 foi ordenando o cumprimento do disposto no art. 11.º, 3 da referida lei.

Na sequência dessa notificação o A -B... -, deduziu pedido de indemnização cível contra a arguida, concluindo pela procedência do pedido e condenação daquela a pagar-lhe a quantia de 25.200.000$00, acrescida de juros à taxa legal de 7%, desde a notificação até integral pagamento.

Inconformada com a decisão proferida a arguida interpôs recurso e formulou as seguintes conclusões: 1.- As expressões usadas na carta que deu origem ao presente processo, não são injuriosas e apenas se quis dizer - e objectiva e literalmente é o que está lá escrito - que considerava que no contexto de uma missão para preparação de uma exposição, paga e com a tutela institucional do Conselho de Ministros, era deontologicamente inadmissível que se comprassem peças que se destinassem a outro fim que não aquele.

  1. - Com isto a recorrente não queria, obviamente, ofender a honra e a respeitabilidade do autor.

  2. - Queria tão somente dizer que achava aquilo deontologicamente errado.

  3. - Tal reacção enquadra-se na figura da livre crítica dos cidadãos, não é, nem objectiva nem subjectivamente, ofensiva do ponto de vista criminal.

  4. - Dos autos não resultam indícios da existência do propósito da arguida atingir a honra e consideração do A., nem a consciência, por parte dela, de que tal conduta era de molde a produzir a ofensa desses bens jurídicos.

  5. - É certo que a recorrente refere que as peças compradas pelo autor terão sido expedidas por mala diplomática, mas isso apenas porque estava convencida da bondade dos seus argumentos, conforme referiu no seu depoimento, tanto mais que foram instaurados os pertinentes inquéritos 7.- Deste modo, não se pode concluir, como faz a sentença recorrida, que a "arguida/demandada era conhecedora do significado ofensivo (da honra e consideração do A.) das palavras proferidas, que tal pela mesma foi pretendido e que sabia que a sua conduta era contrária à lei e passível de censura criminal".

  6. - As expressões utilizadas não são objectivamente injuriosas, conforme é referido pela sentença recorrida.

  7. - De qualquer modo, diga-se que toda a publicidade que posteriormente foi dada ao incidente só pode ter sido da inteira responsabilidade e autoria do A. , conforme resulta dos depoimentos de Vassalo e Silva, José Felgueiras, Aguiar Branco, Paulo Varela Gomes e António Hespanha, transcritos na sentença.

  8. - O A., numa entrevista dada ao jornal O Independente aos 7 de Novembro de 1997, junta aos autos como doc. 2 da p.i., deixa transparecer que a recorrente o terá acusado "de ter, em conivência com a nossa embaixada em Nova Deli, ou com algum dos seus funcionários, importado peças de arte". E é sobre essa acusação que o A. presta declarações, referindo que "tais acusações são de tal forma graves que para além de não poderem passar incólumes poderão levantar tensões melindrosas nas nossas relações diplomáticas com a União Indiana." 11.- Referindo ainda, no mesmo jornal, que da carta da recorrente se poderia deduzir que "era um trapaceiro, que nos finais do séc. XX, com dinheiro de todos nós e à revelia das regras, trouxe arte da índia, de forma ilícita, via mala diplomática”.

  9. - Foram exactamente as declarações do A. nos jornais e o modo como contou o caso aos amigos e colaboradores que suscitaram a referência e, pelos vistos, a divulgação de que a recorrente terá acusado o A. da prática actos ilegais 13.- O A. fez alarde daquilo que a carta dizia, mas também daquilo que não dizia.

  10. - A sentença deveria ter dado estes factos como provados e com a devida importância para a decisão da causa.

  11. - Não foram as expressões referidas na sentença que levaram o A. a demitir-se uma vez que é ele próprio que refere na sua carta de demissão que o que o levou a demitir-se da Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses se prende exclusivamente com a apreciação da Coordenadora Adjunta do CNCDP, ora R., relativamente ao seu trabalho como Comissário Cientifico das exposições que lhe foram confiadas.

  12. - A sentença deveria ter dado estes factos como provados e com a devida importância para a decisão da causa.

  13. - A hipotética perturbação e o incómodo do A. causado pela carta aqui em apreço deve-se, pois, a factos e a referências que não constam na citada carta, mas que a ela, inadvertida e injustamente, passaram a estar associados sem que, efectiva e objectivamente, pudesse ser feita tal conexão e sem ser, naturalmente, essa a vontade da recorrente.

  14. -Também não se aceita que se conclua que o pedido de demissão se impunha.

  15. - Não é verdadeiro que o A. teve de demitir-se da Comissão Nacional. Demitiu-se porque quis.

  16. - Por isso mesmo, a decisão de atribuir uma indemnização ao A. por danos patrimoniais é ilógica e ilegal.

  17. - Não existe qualquer nexo de causalidade entre o acto da recorrente e os "danos patrimoniais", sob a forma de "lucros cessantes", que a sentença acaba por atribuir ao A. .

  18. - De qualquer modo, não se aceita que se dê como provado, tal como faz a sentença recorrida, que o A. exercia as funções de comissário científico, na qual auferia a quantia líquida de 200.000$00 mensais pela elaboração de guiões das exposições e respectivos catálogos e acompanhamento do desenvolvimento dos guiões.

  19. -Só pode concluir-se que o A. fazia parte da comissão científica e que nessa qualidade só lhe eram pagas as despesas e que os 200.000$00 mensais apenas lhe eram pagos quando o A. organizava exposições.

  20. - Não se tem conhecimento que alguma das exposições referidas pelas testemunhas tenha sido efectivamente realizada, sendo que competiria ao A. efectuar a prova caso tal tenha sucedido.

  21. - Assim, é evidente que a sentença não podia atribuir qualquer indemnização por efeito de o A. não ter participado em exposições, pois não se provou que as mesmas se tenham realizado.

  22. - Os danos não patrimoniais não têm qualquer nexo de causalidade com a carta enviada pela recorrente.

  23. - Terá que admitir-se que poderá ter sido a carta enviada pelo Professor António Hespanha.

  24. - A perturbação do A. - terá que admitir-se - poderá ter tido a ver com a falta de solidariedade do Comissariado, que aceitou a sua demissão, e não propriamente com a carta da R.

  25. - Por outro lado, não pode aceitar que "o estado psicológico em que ficou e o tratamento respectivo o impediu de trabalhar regularmente (como fazia antes).

  26. - No caso dos autos, além dos factores referidos, tem de se atender também à participação que o próprio requerente - "lesado" no quadro que se está a descrever - teve em todo o decorrer dos acontecimentos relacionados com o presente processo.

  27. - Por fim, chama a atenção para o disposto no art. 570°, n° 1 do CC, onde se lê que "quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou o agravamento dos danos, cabe ao Tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.

  28. - Termos pelos quais, por erro de avaliação na matéria de facto e por não valoração de provas determinantes para o apuramento da verdade nos autos, deve a presente sentença ser revogada e, consequentemente, absolver-se a recorrente do pedido de indemnização cível.

    O recurso foi admitido.

    Na contra-motivação apresentada o assistente concluiu: 1.- A análise dos factos dados como provados, da carta do assistente e até da motivação da arguida demonstra que este, ainda que em termos algo contundentes, critica um trabalho em concreto, o qual, no seu entender, não tem valor científico, pelo que não poderia ser publicado e essa carta do assistente nunca é criticada por ser injuriosa.

  29. - Esta carta demonstra bem a razão de ser da carta da arguida, que não gosta de ser criticada, tendo passado ao ataque e, não podendo criticar o assistente no mesmo plano científico, de forma claramente intencional e revelando a raiva e o despeito que a invadiam, resolve inventar factos e acusá-lo de contrabando de peças de arte a partir da Índia 3.- A carta do assistente, tem, pelo menos, a virtude de demonstrar a real motivação da arguida, quando escreveu a carta que é objecto dos presentes autos, bem como a forma dolosa e com perfeita consciência do que estava a fazer quando escreveu a carta em que injuriou o assistente.

  30. - As expressões usadas são objectivamente injuriosas.

  31. - Qualquer pessoa bem formada, com a noção exacta dos valores e das palavras, não pode deixar de considerar estas afirmações como objectivamente injuriosas, por atentarem contra o bom nome e a consideração devidas ao visado e não se faz apenas, como pretende a arguida, uma censura à falta de ética do assistente, esquecendo que essa falta de ética tem de basear-se em factos verdadeiros e não em falsidades.

  32. - Grave é afirmar que as peças são enviadas por mala diplomática para evitar pagar direitos e ficou demonstrado que esse facto é falso.

  33. - A assistente tinha o dever de, antes de escrever, verificar se os factos eram ou não verdadeiros, omitindo esse dever de diligência prévia, não sendo o mesmo substituído pelo facto de o boato ter sido propalado também pelo Prof...

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