Acórdão nº 3101/05 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 18 de Janeiro de 2006

Magistrado ResponsávelJORGE DIAS
Data da Resolução18 de Janeiro de 2006
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.

No processo supra identificado foi proferida sentença que julgou parcialmente procedentes as acusações deduzidas pelo Magistrado do Mº Pº e pela assistente Município de Tondela, contra as arguidas: - A...

, viúva, tesoureira da Câmara Municipal de Tondela, nascida a 19/11/39, natural de Currelos, Carregal do Sal, filha de José das neves e de Cremilde Soares de Almeida Neves, residente na Praça do Comércio, nº 10. Tondela, e de - B...

, divorciada, agente imobiliária, nascido a 23/04/59, natural de S. Tomé e Príncipe, filha de Fernando Rodrigues Ramos Teixeira e de Luísa Neves Cabral Teixeira, residente na Praceta Capitão Américo dos Santos, Lote R-1, 3º Dtº, Agualva, Cacém; Sendo decidido: a)- Condenar a arguida A...

, como autora material, sob a forma continuada, de um crime de peculato, p.p.p art.ºs 30º, 79º e 375º, n.º1 do CP, na pena de seis (6) anos de prisão; b)- Absolver a arguida B..., do crime de peculato, sob a forma continuada, p.p.p art.ºs 30º, 79º e 375º, nº1 do CP, pelo qual se encontrava acusada; c)- Absolver a arguida B..., do crime de burla, sob a forma continuada, p.p.p art.ºs 30º, 79º, 217º, nº1 e 218º, n.º1 e 2, al.a) e b) do CP, pelo qual se encontrava acusada; d)- Condenar a arguida B...

, como autora material, sob a forma continuada, de um crime de receptação, p.p.p art.ºs 30º, 70º e 231º, n.º1 do CP, na pena de quatro (4) anos de prisão; - Julgar o pedido de indemnização civil formulado pela assistente, procedente, por provado e, consequentemente: e)- Condenar as demandadas A... e B..., a pagarem à assistente, solidariamente, a quantia de 1.122.391, 51€ (um milhão cento e vinte e dois mil, trezentos e noventa e um euros e cinquenta e um cêntimos);***Inconformado, interpôs recurso a arguida B...

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São do seguinte teor as conclusões, formuladas na motivação do seu recurso, e que delimitam o objecto do mesmo: a) No final da audiência de discussão e julgamento, o Tribunal decidiu invocar o art. 358°, n° 3, do CPP e alterar a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação, conforme consta da acta de sessão de julgamento de 25/02/2005. Ora, de harmonia com o art. 1º, al. f), do CPP, alteração substancial de factos é aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis; b) Assim, a convolação de qualificação jurídica dos factos descritos na acusação de um crime de burla e peculato, para um crime de receptação, não é uma mera alteração jurídica de qualificação, mas sim a imputação ao arguido de um crime diverso. Assim, um crime de receptação é um crime autónomo dos outros crimes pelo qual a arguida estava acusada (peculato e burla), pelo que se verifica na decisão, que se recorre, uma alteração substancial de factos da acusação nos termos do art. 1°, al. f), do CPP, com violação do art. 359°, CPP, que acarreta a nulidade do acórdão, nos termos do art. 379°, al. b), do CPP.

  1. Assim, a arguida bem como o MP e o assistente, nunca concordou com a alteração substancial dos factos, como aliás decorre da acta de audiência do dia 25/02/2005, onde apenas é dito que foi feita a comunicação aos ilustres defensores das arguidas tendo pelos mesmo sido dito que prescindiam de prazo para preparação da defesa no concerne à alteração da qualificação jurídica e á alteração não substancial de factos. Já o acórdão do Tribunal Constitucional n° 463/2004, publicado no DR - II Série, n° 189- 12/08/2004, decidiu: Julgar inconstitucional, por violação do artigo 32°, nºs 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa, a norma constante do artigo 359° do Código de processo penal quando interpretada no sentido de, em situação em que o tribunal de julgamento comunica ao arguido estar-se presente uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação, quando a situação é de alteração substancial da acusação, poder o silêncio do arguido ser havido como acordo com a continuação do julgamento; d) Consequentemente o acórdão recorrido é nulo, por violar o art. 379°, n° 1, al. , b), e 359°, do CPP, devendo ser anulado, na parte em que a arguida Maria da Graça é julgada e condenada pelo crime de receptação.

  2. A valoração das declarações da co-arguida, sem qualquer outro meio de prova que as corrobore, e havendo até prova contrária, quanto ao conhecimento de que a Maria da Graça teve da proveniência do dinheiro é nula por violar o art. 133°, n° 1, al. a), do CPP, e se outro entendimento se tiver de tal norma ele será inconstitucional por violar o art. 32°, nO1 e n° 5, da CRP.

  3. De harmonia com o art. 231° do Código Penal só pratica um crime de Receptação "Quem (...) dissimular coisa que foi obtida por outrem mediante facto ilícito típico contra o património (...)" Ora, o crime de peculato não é um crime contra o património, mas sim um crime cometido no exercício de funções públicas (capitulo IV do Código Penal) e protege o bem jurídico, g) Assim, a arguida Maria da Graça, não praticou o crime de receptação dado que o dinheiro obtido pela A... não foi obtido mediante facto ilícito típico contra o património, dado que o principio da legalidade e da tipicidade (art. 1°, nº1, do Código Penal), em direito penal nos diz que só são factos ilícitos típicos contra o património os factos previstos nos crimes do Titulo II, do Código Penal (Dos crimes contra o património), ou seja os factos previstos nos arts. 202° a 235°, do CP, o que não inclui o crime de peculato (art. 375°, CP). Consequentemente a arguida Maria da Graça tem que ser absolvida da prática do crime de receptação previsto no art. 231°, do Código Penal.

  4. Relativamente ao conhecimento da proveniência do dinheiro que a A... entregou à Maria da Graça, o Acórdão recorrido só deu como provado:(...) com intenção de aumentar o seu património, bem sabendo, pelo menos desde 1 de Agosto de 2003, que as quantias que lhe eram depositadas, nos termos descritos, pertenciam à Câmara Municipal de Tondela, da qual a primeira Arguida era tesoureira.

    Ora, o número 1 do artigo 231° contém um tipo exclusivamente doloso. Exige-se um dolo específico relativamente à proveniência da coisa, ou seja, é necessário que o agente saiba efectivamente que a coisa provém de um facto ilícito típico contra o património. Assim, a simples admissão dessa possibilidade, a título de dolo eventual, não é suficiente para o preenchimento do tipo subjectivo.

  5. Consequentemente, não estando provado que a Arguida conhecia que as referidas quantias tinham sido obtidas mediante a prática de um facto criminalmente ilícito contra o património, tem que ser absolvida da prática do crime de receptação p. e p. no artigo 231°, número 1, do Código Penal, por falta de dolo específico. Assim o acórdão de que se recorre errou na aplicação do direito, violando os arts. 231°, n° 1 e n° 2, do Código Penal, pelo que deve ser revogado e a arguida deve ser absolvida desse crime.

  6. Se na audiência se não apurou convenientemente a proveniência ilícita da coisa, verifica-se o vicio de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, e consequentemente o reenvio do processo para novo julgamento. Assim, sem conceder, o acórdão recorrido sofre do vício previsto no art. 410°, nº 2, al. a), do CPP (a insuficiência para a decisão de matéria de facto provada), pelo que deve ser anulado e reenviado para novo julgamento relativo ao crime de receptação.

  7. Assim, as regras da experiência comum conjugadas com os anúncios do jornal sobre crédito, com o facto de A... ter pedido empréstimos à Maria da Graça vão no sentido, conjugados com os diversos documentos juntos aos autos, que o acórdão recorrido ao não dar como provado que Maria da Graça recebeu tal dinheiro como empréstimo, cometeu um erro notório na apreciação da prova. Consequentemente, a decisão recorrida tem que ser anulada nos termos do art. 410°, al. c), do CPP, relativamente ao ponto de facto em que é dado como provado que a arguida Maria da Graça conhecia a proveniência do dinheiro e, ainda, relativamente ao não ter sido provado que esse dinheiro era para pagar empréstimos que a Maria da Graça efectuou à A....

  8. Assim, resulta claro que a A... não é credível e sendo inteligente (ver fundamentação de facto) faltou á verdade, como resulta do testemunho de Carlos Marta e Otília Barata, tentando descarregar a sua responsabilidade para a ora recorrente. Consequentemente, este ponto 15 da matéria de facto dado como provado está incorrectamente julgado, pelo que de acordo com estas provas supra referidas, tal facto deve ser considerado como não provado.

  9. Os cheques juntos aos autos, que não foram recebidos, foram cheques garantia; as declarações de divida comprovam os empréstimos; os papelinhos da "contabilidade privada" da Maria da Graça provam os empréstimos e os juros pagos ao Sanches, ao Uno e a outros; as ordens de transferência anuladas eram garantia do pagamento dos juros que foram efectuados em dinheiro e, por isso, não foram levados; a agenda demonstra que a arguida tinha muitos conhecimentos nos bancos. Assim, esta prova documental e os referidos testemunhos são prova evidente, de acordo com qualquer critério, mesmo o mais exigente, de que o Tribunal julgou incorrectamente os pontos de facto referidos ou seja: que os depósitos feitos nas suas contas pela arguida A... fossem para pagar empréstimos que lhe concedera; que a arguida A... garantiu o pagamento de tais empréstimos através de cheques de caução, ordens de transferência e declarações de empréstimos.

  10. Consequentemente, de harmonia com o art. 412°, n° 3, al. a) e al. b), do CPP, tais factos estão julgados incorrectamente, pelo que face ás provas testemunhais referidas, ás declarações da arguida e a todo o extenso manancial de documentos referidos têm que necessariamente ser dados como provados.

  11. Sem conceder, pois mais uma vez se afirma não ter a recorrente cometido qualquer crime de receptação, deverá considerar-se a pena exagerada, excessiva e...

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