Acórdão nº 3315/05 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 07 de Dezembro de 2005 (caso NULL)
Magistrado Responsável | ESTEVES MARQUES |
Data da Resolução | 07 de Dezembro de 2005 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam, em audiência, na 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra: RELATÓRIO No processo comum colectivo nº 12528/97.3JDLSB do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, por acórdão de 05.01.05, foi, para além do mais, condenado o arguido A...
, como autor material de um crime de burla, na forma tentada, p. e p. no art. 219°, nº 4 b) CP, por referência ao nº 1 b), 22º, 23º e 73º CP, com referência ao artº 202º
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CP, na pena de 3 anos de prisão, cuja execução lhe foi suspensa por um período de quatro anos, sob condição de pagar às lesadas demandantes o montante que a estas foi arbitrado a título de indemnização, no prazo de 3 meses e ainda pagar `APPACDM de Viseu, a quantia de 5.000,00 euros, até ao final do período de suspensão.
Foi ainda o referido arguido condenado a pagar às demandantes o montante de € 1.700,00.
Inconformado, o arguido interpôs recurso, que motivou, concluindo: “ I. O presente recurso vem interposto do acórdão que julgou procedente por provada a acusação e consequentemente decidiu pela condenação do arguido e ora Recorrente A... pelo CRIME de BURLA na forma tentada, p.p. pelos Artºs 219° n° 4 al. h), por referência ao n° 1 al. b), 22°, 23° e 73°, do CP, com referência ao arte 202° al. a) do mesmo código, na pena de 3 (três) anos de prisão; II. Desde logo, o Recorrente vem invocar uma "questão prévia" decorrente da imperceptibilidade parcial da gravação das suas declarações, como arguido, em audiência de julgamento, com relevância para a defesa.
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Assim está esse VENERANDO TRIBUNAL impedido de conhecer "de facto" quando deveria conhecer "de facto, e de direito", cfr. estipulado no Art. 428°, nº 1 do C.P.P..
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E não se diga que estamos perante uma arguição extemporânea "de irregularidades", como resultaria do comando do Art° 123°, N° 1 do C.P.P., que impunha ser arguida no próprio acto, sendo certo que só agora se teve acesso à transcrição e se constatou sua imperceptibilidade, que afecta o valor do acto praticado.
v. Pois sempre o Tribunal "ad quem" virá, dela, ter conhecimento oficioso, (Art° 123°, N° 2), aquando da transcrição integral das declarações e depoimentos, nos termos do Art° 412°, N° 4 do C.P.P.
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Tal irregularidade prevista no Art° 123°, N° 2 do C.P .Penal, só poderá ser sanada ou atalhada, com novo julgamento pelo Tribunal "A QUO", efectuando-se, então, a documentação das declarações, na acta, por transcrição, atentos às disposições legais já citadas.
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No presente recurso o Recorrente impugna a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal "a quo" reportando-se para o efeito aos respectivos suportes magnéticos a partir dos quais efectuou as transcrições que entendeu mais pertinentes para o teor do mesmo.
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Entende o Recorrente que a matéria que o Tribunal "a quo" deu como provada na decisão recorrida e os fundamentos que para tanto invocou não são, de todo, suficientes, para se decidir como se decidiu, pela condenação do arguido "tout court" .
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O douto Acórdão sobre muitos pontos essenciais da matéria de facto apurada não procedeu ao exame crítico e quanto a outros fê-lo de forma deficiente.
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Não se fez prova, muito menos directa, dos factos que se imputavam ao arguido, com relevância criminal, socorrendo-se o Tribunal de provas meramente indiciárias, como os Relatórios dos Peritos, meramente opinatórios, que não afirmativos.
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Por outro lado aquilo que todas as testemunhas de defesa declararam em sede de audiência de julgamento, com interesse para a decisão da causa, não foi, sequer, minimamente valorado ou equacionado pelo Tribunal.
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Resulta ainda que o exame crítico às provas, além de deficiente, assenta em premissas erradas, ou pelo menos duvidosas. Isto na medida em que o Tribunal enumerou os meios de prova que serviram para formar a sua convicção, mas cujo conteúdo por si valorado e pressuposto está em desconformidade com o verdadeiro conteúdo ou pressuposto dos meios de prova.
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No acórdão recorrido optou-se por acolher, sem mais e comodamente, a versão da acusação, aceite integralmente nos seus precisos termos, desvalorizando-se por completo, sem razão, como se disse, para além do depoimento das testemunhas da defesa, as declarações do próprio arguido Recorrente e da única testemunha (ANTÓNIO FIGUElREDO) que presenciou todo o acidente, do princípio ao fim.
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Não se tendo feito prova bastante em audiências de julgamento, dos factos imputados ao arguido, conducentes à prática do Crime de burla, na forma tentada, conforme decorre com clareza, desde logo, de algumas transcrições efectuadas nesta sede e da audição de teor de todas as declarações e depoimentos registados em suportes magnéticos, aqui dados por reproduzidos, XV. o princípio probatório “in dubio pro reo", a bem das garantias de defesa do arguido constitucionalmente consagradas, deveria ter sido accionado, na hipótese de, não colhendo a tese da acusação, por falta de prova, ainda assim o Tribunal duvidar das declarações esclarecidas e coerentes do arguido e testemunha ANTÓNIO FIGUElREDO, nas questões essenciais.
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Porém e porque não foi isso que aconteceu, o acórdão encontra-se inquinado pelo vício do Artº 410º, nº 2, al. a) - uma clara insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, porque se nos afigura que resulta do texto do acórdão que tal condenação nunca poderia ter sido decidida (com remissão para a prova ali referida e os fundamentos ali vertidos), XVII. Sobrevém, igualmente, como atrás se especificou, um erro notório na apreciação da prova e contradição entre a fundamentação e a decisão, com referência, respectivamente, ao Artº 410º n° 2, al. c) e al. b) do C.P.P.”.
O Ministério Público e as assistentes responderam concluindo ambos que deverá manter-se o acórdão recorrido.
O Exmº Procurador-Geral Adjunto nesta Relação, conclui igualmente que o recurso deve ser julgado improcedente.
Colhidos os vistos, cumpre decidir, após a realização da audiência, levada a cabo com a observância do formalismo legal como da acta consta.
FUNDAMENTAÇÃO É a seguinte a matéria de facto dada como provada na 1ª instância: 1) O arguido é industrial de artefactos de cimento, dedicando-se à fabricação, comercialização e distribuição, nomeadamente, de balaústres, vasos e floreiras.
2) Na sua empresa o arguido, além de se ocupar da gestão, trabalhava na oficina e dirigia, ele próprio, algumas máquinas.
3) Sendo pessoa ambiciosa, em data indeterminada do 1º, trimestre do ano de 1997, mas anterior a 13 de Março, depois de ter apurado que lhe era permitido possuir vários seguros de acidentes pessoais, para além de um seguro de acidente de trabalho e que, em caso de acidente de que resultasse incapacidade permanente, todas as companhias onde possuísse seguro seriam obrigadas a indemnizá-lo, o arguido arquitectou um plano para enriquecer rapidamente, nos seguintes termos: 4) Efectuaria, para além de um seguro de acidentes de trabalho, vários seguros de acidentes pessoais, todos pelo valor máximo que lhe fosse aceite nas seguradoras e, posteriormente, causaria a si próprio uma lesão que lhe permitisse obter o máximo de incapacidade permanente com o mínimo de desvalorização física, lesão essa que simularia ter sido causada em acidente de trabalho.
5) Assim, e depois de ter averiguado que a lesão que lhe permitiria obter maior percentagem de incapacidade e, logo, maiores indemnizações, com menor grau de desvalorização física, seria o corte dos dedos polegar e indicador, da mão direita, o arguido, na execução de plano por si previamente delineado, celebrou os seguintes contratos de seguro com as companhias de seguro a seguir identificadas: - Com a Fidelidade, quatro seguros de acidentes pessoais, no valor de € 249.398,94 (50.000.000$), cada, a que correspondem as apólices nºs 37622, 37623, 38658 e 38664, subscritos no escritório daquela Companhia em Viseu, os dois primeiros no dia 13 de Março de 1997, o terceiro em 1 de Julho de 1997 e o último em 16 de Julho de 1997, conforme documentos juntos de fls. 53 a 57 do apenso I, que aqui se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais; - Com a Portugal Previdente, um seguro de acidentes pessoais, no valor de € 249.398,94 (50.000.000$), a que corresponde a apólice n° 160333/20 e um de acidentes de trabalho, no valor de € 35.913,45 (7.200.000$), a que corresponde a apólice 3111889/19, ambos subscritos no escritório daquela Companhia em Viseu, o primeiro no dia 17/03/1997 e o segundo no dia 22/07/1997, conforme documentos juntos a fls. 30, 31, 35 e 36 do apenso I, que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais; - Com a Bonança, um seguro de acidentes pessoais, no valor de € 249.398,94 (50.000.000$), a que corresponde a apólice n° 20801261, subscrito no escritório daquela Companhia em Viseu, no dia 20/03/1997, cujo valor, no entanto, veio a aumentar para € 498.797,88 (100.000.000$) a 05/08/1997, conforme documentos juntos de fls. 48 a 50 e 51 do apenso I, que aqui se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais; - Com a Mundial Confiança, dois seguros de acidentes pessoais, no valor de € 49.879,79 (10.000.000$), cada, a que correspondem as apólices nºs 3370087 e 3370088 subscritos no escritório daquela Companhia em Viseu, no dia 26/05/1997, conforme documentos juntos de fls.83 a 90 do apenso I, que aqui se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais; - Com a Tranquilidade, um seguro de acidentes pessoais, no valor de € 374.098,42 (75.000.000$) para invalidez permanente e € 4.987,98 (1.000.000$) para despesas de tratamento, a que corresponde a apólice n° 775916, subscrito no escritório daquela Companhia em Viseu, no dia 01/07/1997, conforme documentos juntos de fls. 96 a 98 do apenso I, que aqui se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais; - Com a Sociedade Portuguesa de Seguros, SA, três seguros - dois de acidentes pessoais e um de vida, os dois primeiros no valor de € 149.639,36 (30.000.000$) e o último no valor de € 49.879,79 (l0.000.000$), a que correspondem as apólices...
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