Acórdão nº 1148/06 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 07 de Junho de 2006 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelGABRIEL CATARINO
Data da Resolução07 de Junho de 2006
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Recorrente: A....

Recorrido: Ministério Público; e B...

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I. – Relatório.

Acordam, na secção Criminal, do Tribunal da relação de Coimbra: Em dissídio com o julgado no processo supra referida, que decidiu absolver o arguido B...

, da prática, em autoria material, de um crime de burla qualificada, p. e p. pelo artigo 218 n.º 1 e 217º n.º 1 do Código Penal, por reporte ao artigo 202º a) do mesmo diploma, bem assim do pedido cível, no valor de € 18.839.12 (a titulo de danos patrimoniais) e € 500.00 (a titulo de danos não patrimoniais), acrescido dos juros desde a notificação, que contra ele o assistente/demandante A...

havia deduzido, recorre o assistente/demandante, despedindo a motivação que gizou, pela forma seguinte: - Do conjunto dos factos provados elencados de “I” a “XX”, necessariamente interpretados á luz das regras da experiência e do senso comum, resulta factualidade mais que suficiente para conduzir á procedência da acusação do Mº Pº e à condenação do arguido pela prática do crime de burla qualificada, p. e p. pelo art. 218ºnº1 e 217º,nº 1 do C.Penal, por reporte ao art. al. a) do mesmo diploma; - Existe manifesta inexactidão e nulidade relativamente aos dados como provados no ponto “X” do elenco dos factos provados, pois que reportando-se os mesmos à carta de Fevereiro de 2002, carta essa que foi junta aos autos pelo assistente, como doc. nº4, com a participação para efeitos de procedimento criminal apresentada em 10 de Setembro de 2003, nesta, contrariamente ao que ficou consignado pelo tribunal, não se refere que para legalizar o Opel Tigra em nome do assistente, este teria que proceder à extinção da reserva de propriedade, decorrendo, aliás, da também carta junta sob o doc. nº 5 com a mesma participação, aqui reproduzida, datada de 8 d e Março de 2002, e remetida ao participante A... pela sociedade ”C...”, que tal obrigação incumbia à própria sociedade ”C...”, pelo que estando tais factos dados como provados manifestamente em contrário do que consta dos documentos a que se reportam, se verifica uma nulidade que carece de ser reparada pela Relação; - Verificando-se inclusive a existência de contradição entre os mesmos factos consignados em “XI” do mesmo elenco dos factos provados, quando neste último se refere que o arguido reiterou ao assistente que “ficasse tranquilo pois a extinção da reserva de propriedade já havia sido pedida pela “C....” à Conservatória do Registo Automóvel …”, pois que o tribunal ao dar como provado que a extinção da reserva de propriedade já tinha sido pedida pela sociedade comercial da qual o arguido é sócio-gerente, à Conservatória do Registo Automóvel, não podia ao mesmo tempo dar como provado em “X” que teria que ser o assistente a proceder à extinção da reserva de propriedade e para mais, por reporte ao teor de um documento que, tal como do mesmo, inevitavelmente, decorre, não refere isso; - Esta contradição, incidindo sobre factos e factualidade que tem grande influência na decisão da causa, teve relevância na convicção do tribunal e, consequentemente, na decisão recorrida, tendo seguramente, sido em sentido favorável ao arguido quando deveria ter sido contra o mesmo arguido e à sociedade de que o mesmo era representante e gerente; - O que os autos revelam documentalmente e que de resto decorre das próprias declarações do arguido que o tribunal e reproduziu, no essencial, para a fundamentação da formação da sua convicção, é que quem teria que proceder á extinção da reserva da propriedade era o próprio arguido, que referiu que não “pôde de imediato proceder ao pagamento de todas as mensalidades (da reserva) devido a problemas financeiros da sua empresa, que entretanto veio a falir, pelo que não pôde prontamente legalizar a situação do carro” … (sic), pelo que é absolutamente incontroverso e sem margem para quaisquer dúvidas que a nulidade dos factos dados como provados no ponto “X” do elenco dos mesmos factos o que torna a nosso ver a sentença Nula; - Tendo, pois em conta que na redacção dos factos provados em “X”, deve constar sim, que teria o arguido B... ou a sociedade de que era sócio e gerente, “”C...”, que procederem à extinção da reserva de propriedade do automóvel, o restante elenco dos demais factos praticou no essencial os factos que lhe são imputados na acusação de burla qualificada de que vem acusado; - O tribunal não analisou nem valorou correctamente toda a factualidade e circunstancialismo do caso concreto que os próprios autos revelam, não tendo aplicado na análise e julgamento da mesma factualidade, as regras ditadas pela experiência e senso comum, as quais, necessariamente, imporiam decisão bem diferente da recorrida; - Só por incorrecta a apreciação dos factos, especiais e concretas circunstâncias em que os mesmos ocorreram, personalidade e forte experiência do arguido no ramo da transacção de veículos, ao longo de mais de 20 anos, isto a fazer fé nas suas próprias testemunhas abonatórias, se pode conceber que o tribunal tenha dado como não provados os factos referidos sob as als. B), C9 e D9, do elenco dos “factos Não Provados”, pois que seguramente qualquer homem médio ou julgador minimamente avisado não deixaria, no contexto dos factos provados, que dar também como provados, contrariamente ao que decidiu o tribunal, os factos elencados sob as als. B), C) e D); - A convicção do tribunal não pode deixar de merecer de resto censura por este se ter, fundamentalmente, apoiado nas declarações do arguido, quando, como é sabido, as mesmas declarações sobre os factos constantes da acusação não foram prestadas sob juramento, por a tal o arguido, como é sabido, não estar obrigado, resultando da experiência adquirida pela prática forense, que o arguido, naturalmente, ao querer prestar declarações sobre os factos constantes da acusação, necessariamente, o faz, para sua defesa e não para confirmar ou confessar os factos da acusação conduzindo à sua condenação, sendo por isso muito surpreendente o registo do tribunal das declarações do próprio arguido; - Como censura, também merece, nem que seja somente à luz das regras da experiência, que o tribunal tenha também formado a sua convicção no sentido da absolvição do arguido, valorando como relevante o depoimento das testemunhas meramente abonatórias que o mesmo arguido apresentou, tendo considerado como essencial para a formação da convicção a parte do depoimento em que estas referiram que o arguido para além de pessoa honesta e trabalhadora, que conhecem há mais de 20 anos, “sempre conduziu o seu negócio de forma irrepreensível”, apesar de ter conduzido a empresa, de que era sócio-gerente, à falência, e pasme-se, dando o tribunal ênfase e realce, tendo o cuidado de colocar em itálico e entre aspas, que o mesmo arguido “em cada cliente fazia um amigo”, fazendo lembrar ao assistente uma celebre canção de conteúdo libertário; - Na sentença recorrida não foi ponderado e considerado que o comércio da compra e venda de automóveis usados, como, aliás, também noutras actividades se cometem abusos e práticas altamente censuráveis, vendendo-se muita das vezes “gato por lebre”, transaccionando-se veículos em situações de autêntica ilicitude e ilegalidade, sendo costume não se darem a conhecer aos potenciais compradores, como sucedeu no caso concreto com o assistente, e ora recorrente, das reais situações em que se encontram os veículos e as condições para a sua regularização, quer na parte mecânica, quer na parte meramente documental e de registo de propriedade, - Não se compreende o assistente e ora recorrente como é que o tribunal aceitou e valorou o depoimento das próprias testemunhas abonatórias oferecidas pelo arguido, aceitando como essencial à formação da convicção o depoimento das mesmas de que o arguido era no fundo um conhecedor do ramo automóvel, sendo industrial experiente do ramo com mais de 20 anos, pelo menos tempo que declararam conhecê-lo, e o mesmo tribunal, tenha dado como não provado os factos especificados sob as als. A), B), C) e D), que mais não são do que circunstâncias de facto que, naturalmente, decorrem do conhecimento ditado pelas regras da experiência e do senso comum, e às quais não podia ser estranho um comerciante com mais de 20 anos de experiência, tempo mais que suficiente para bem saber de todas as circunstâncias, incidências e nuances ligadas ao comércio de compra e venda de automóveis usados, reservas de propriedade, legalização de documentos, prazos legais, etc.; - Pela leitura da explanada fundamentação da convicção do tribunal, retira o assistente e ora recorrente a conclusão de que afinal de contas ele é que, ao ter incomodado o arguido e ter adquirido o Opel Tigra que se encontrava exposto no stand de Vila Nova de Foz Côa, da sociedade de que o arguido era sócio e gerente, e para mais não ter ficado seu amigo, é que tem que ser condenado, com a absolvição do mesmo arguido; - Merecendo também censura e não podendo passar sem reparo a circunstância de o tribunal ter valorado a inspecção periódica que o assistente fez do Opel Tigra e o pagamento d o seguro respectivo, que por todos é sabido tratarem-se de obrigações anuais, mas que por si só nada têm que ver com a circulação ou não do veículo, já que este não pode circular precisamente por não se encontrar feita a transferência do registo de propriedade para o assistente, cabendo ao arguido contrariar através de factos concretos a alegada imobilização do veículo e não ao tribunal substituir-se ao mesmo arguido, valorando factos e extraindo conclusões de outros que nenhuma ligação em concreto têm entre si; - Porque, no entender do recorrente, os autos revelam bem que em Abril de 2001, o arguido e a sociedade de que era sócio-gerente, ao terem feito crer ao mesmo assistente e recorrente que o veículo por ele adquirido, no stand de Vila Nova de Foz Côa, estava em perfeitas condições de circular, não existindo nenhum impedimento, nem prazo legal para a regularização dos respectivos documentos, nomeadamente transferência do...

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