Acórdão nº 1639/05 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 16 de Novembro de 2005 (caso NULL)
Magistrado Responsável | CACILDA SENA |
Data da Resolução | 16 de Novembro de 2005 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam, em audiência, na secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra: No proc. nº 928/96.6 JACBR do 2º juízo do tribunal criminal de Coimbra, foi o arguido A..., completamente identificado nos autos, condenado pela prática de um crime de usura, p.p. pelo artº 226º nº1 doo Cód. Penal, na pena de 180 dias de multa à taxa diária de € 50,00, perfazendo a multa global de € 9.000,00, ou subsidiariamente em 120 dias de prisão.
E, pela prática de uma contra-ordenação p.p. nos termos do artº 211º nº1 al. a) do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, Dec. Lei nº 298/92 de 31.12, na coima de € 20.000,00.
* Inconformado com o assim decidido, veio o arguido interpor recurso extraindo da respectiva motivação as seguintes Conclusões: 1ª) Salvo o devido respeito, a douta sentença começa por violar o artigo 226/3 do C.P.
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) Efectivamente, a aludida norma estatui que o procedimento criminal por essa concreta espécie de ilícito penal depende de queixa, 3ª) O que significa que, nos termos do art. 490/1 do CP Penal, o Ministério Público só detém legitimidade para a investigação quando o ofendido der conhecimento do facto.
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) Ora o ofendido/assistente Rocha Fernandes não apresentou queixa, uma vez que quem o fez foi aquela, que à data, era sua esposa.
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) Todavia, o artigo 113/1 do C.P (que também se mostra violado) estatui que só tem legitimidade para apresentar queixa o ofendido, ou seja, “o titular dos interesses que a lei quis especialmente proteger com a incriminação”.
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) Assim, atendendo à espécie criminosa em análise em que além do património se protege, também, a liberdade negocial (vide, por todos a análise de TAIPA DE CARVALHO in Com. Conimbricense ao CP) óbvio se toma que o titular do interesse protegido com a incriminação é quem fez o negócio crismado de usurário.
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) Com efeito, a usura não se queda por um mero ataque ao património, dado que carece — para a respectiva verificação — do especial constrangimento da vítima da actividade, ou seja, in casu, de que esta experimentasse uma especial situação de necessidade.
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) Ora, o único contraente de negócios de mútuo com o arguido foi o assistente e nunca a sua, na altura, esposa; 9) Acresce, ainda, que nada nos autos inculca que a referida queixosa vivesse qualquer situação de necessidade ou estivesse numa qualquer das peculiares situações a que se refere a norma incriminadora.
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) É, pois, apodíctico, que a Sra. D. Lídia Fernandes não era titular do interesse protegido especialmente pela norma, pelo que estava desprovida da legitimidade para se queixar, até porque não se verificou o condicionalismo do art. 113/2, al. a) do CP, nem estava munida com o instrumento a que alude o 49/3 do CP Penal.
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) Resulta assim perspícuo que falta uma condição de procedibilidade, pelo que nunca o arguido poderia ser condenado pelo tipo que a douta decisão lhe assaca.
Sem prescindir, 12ª) Faz parte da factualidade típica plasmada no artigo 226º do CP a obtenção de uma vantagem manifestamente desproporcionada à prestação efectuada, concorrendo com o aproveitamento da situação de necessidade da vítima.
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) Ora, é convicção do recorrente que nenhum desses condicionalismos se mostra existente na presente hipótese, pelo que também esta norma se mostra violada.
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) na verdade, para o arguido não existiu aquilo que se crisma de vantagem manifestamente desproporcionada.
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) Com efeito, não obstante o arguido cobrar ao assistente a taxa de juro mensal de 3%, logo 36% anuais, a vantagem que auferia não ascendia a tal valor; 16ª) É que, como consta do ponto 33 da factualidade dada por demonstrada o arguido suportava, com a conta caucionada que utilizava para dispor dos montantes emprestados, um juro de 21% anual.
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) Logo a vantagem recebida era, apenas, de 14%, valor que entre os anos de 1993 e 1998 (atentas as taxas de juro então vigentes) está longe de se alcandorar à manifesta desproporção exigida pela norma incriminadora.
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) Com efeito, a vantagem não pode ser caracterizada só objectivamente, antes, pelo contrário, deve atender à situação individual e patrimonial do putativo agente da usura.
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) Por outro lado, também se não adere à visão que empresta à situação do assistente aquela de carência contemplada no preceito em análise.
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) De facto, todas as prestações efectuadas pelo arguido tiveram como destino a actividade comercial — potencialmente lucrativa — desenvolvida pelo Sr. Rocha Fernandes; 21º) Ora, a necessidade atribuída ao dinheiro mutuado é, indubitavelmente relevante para a caracterização de uma determinada situação como de necessidade.
22º) No que tange à contra-ordenação em que o arguido foi condenado pelo Mmo. Juiz a quo, cumpre desde logo referir que tal emerge em colisão com os artigos 38º/1 e 39º do DL 433/82 de 27 de Outubro e 208 do DL 398/92.
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) A boa hermenêutica destes postulados legais — como a mui douta sentença sublinha — que a legitimidade do tribunal penal para conhecer das contra-ordenações só existirá quando houver o chamado concurso real heterogéneo.
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) Como ensina Eduardo Correia (Direito Criminal, Vol. II, pág. 198) este só ocorre quando exista unidade de acção e pluralidade de normas violadas” e que estamos perante o mesmo facto quando o agente age sem renovar a resolução.
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) Na hipótese dos autos é patente a inexistência de qualquer unidade de acção quer pela pluralidade de resoluções — tomadas de cada vez que se intervinha num mútuo — quer pela diferença de sentido existente entre as espécies de ilícito em análise.
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) Bastará lembrar, de resto, que o ilícito de mera ordenação social exige uma actividade profissional e que só se demonstrou um crime de usura, razão mais do que bastante para afastar totalmente a hipótese de concurso ideal heterogéneo.
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) Ora, assim sendo, é apodíctico que o órgão competente para conhecer da contra-ordenação era não o Tribunal Criminal mas sim a entidade administrativa referida no DL 398/92 — o Banco de Portugal 28ª) Por outro lado, está o recorrente em crer que a factualidade apurada não é subsumível ao ilícito pelo qual foi condenado.
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) efectivamente, da concatenação da norma do nº 2 do art. 8º do DL398/92 com o 211º, 1, a) do mesmo diploma só comete o tipo em causa quem desenvolver uma actividade profissional.
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) Ora, o conjunto de factos imputados ao arguido — mais a mais num lapso de tempo de 7 anos — não possuem a reiteração e continuidade passível de legitimarem tal caracterização, razão porque tais normas também emergem violadas.
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) Neste conspecto, importa ainda sublinhar que a sanção/coima aplicada é demasiado elevada e, como tal, em colisão com o artigo 208, 4, als. a) e b) do DL 398/92 e 18º do 433/83.
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) Desde logo importa referir que a sanção aplicável não é a apontada pela douta decisão condenatória: 34ª) a sanção entre um arco de € 2 439,99 e € 2 493 989,49 cabe, tão-só, às pessoas colectivas, uma vez que as pessoas singulares são puníveis com uma coima entre os € 997,60 e os €997 595,79.
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) face a tal moldura, atendendo a que da actividade do arguido não resultaram prejuízos para o sistema financeiro, que não se apuraram quaisquer ganhos relevantes do arguido e à sua ausência de antecedentes contra-ordenacionais, bem como à sua situação económica, é patente que a coima prima por desfasada da legalidade aplicável.
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) Efectivamente a medida concreta da pena aplicada surge claramente desfasada dos preceitos normativos reitores deste segmento da juridicidade.
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) Designadamente mostram-se violados os art.s 71º/1 e 40/2, ambos do C P.
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) Os sobreditos incisos plasmam os critérios determinantes da fixação da medida da pena elegendo, a esse propósito, uma teleologia essencialmente preventiva, todavia temperada pela ideia da culpa.
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) Nomeadamente o nº2 do citado artigo 40º estabelece que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da...
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