Acórdão nº 1793/05 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 16 de Novembro de 2005

Magistrado ResponsávelBELMIRO DE ANDRADE
Data da Resolução16 de Novembro de 2005
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

ACORDAM, EM AUDIÊNCIA, NO TRIBUNALDA RELAÇÃO DE COIMBRA I.1. Após realização da audiência de discussão e julgamento, pelo Tribunal Colectivo, foi proferido acórdão mediante o qual foi decidido: - julgar improcedente a pronúncia deduzida contra o arguido A..., melhor identificado nos autos, absolvendo-o da prática de: um crime de ofensas corporais qualificadas p e p pelo art. 146º, n.º1 e 2, 143º, n.º1, 132º n.º2 als. d) e g); e de um crime de homicídio qualificado, com dolo eventual p e p pelos artigos 131º e 132º n.º1 e 2 als. d) e g), todos do C. Penal.

- julgar parcialmente procedente a pronúncia deduzida contra o mesmo o arguido A... condenando-o: como autor de um crime de ofensa à integridade física qualificado p e p pelos art, 146º, n.º1 e 2, 143º n.º1, 132º n.º2 al. g) do CP, na pena de 10 (dez) meses de prisão; e como autor de um crime de participação em rixa p e p pelo art. 151º do CP, na pena de 18 (dezoito) meses de prisão; e, em cúmulo jurídico, na pena unitária de 18 (dezoito) meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 3 (três) anos.

* 2. De tal decisão recorre o assistente B..., formulando as seguintes CONCLUSÕES (reprodução): 1ª. Desde logo, é urgente chamar a atenção de V.as Ex.as para o facto de o Acórdão recorrido, ao absolver o arguido de um crime de homicídio após este se ter furtado à acção da justiça anos a fio e quando o faz contra a prova produzida, ser uma decisão injusta, a que não é alheio o facto de um dos elementos do Tribunal Colectivo, nos presentes autos, ter assinado a decisão ora recorrida vencido (cfr. voto de vencido anexo à decisão recorrida) sendo que tal voto expressa a discordância do seu signatário face à ao exame da matéria de facto operada pelo Tribunal a quo.

  1. Por outro lado, o tribunal a quo tomou esta decisão de absolver o arguido – alegadamente por falta de prova – quando se furtou a realizar outras diligências probatórias, tendo indeferido todas as requeridas pelo assistente que no julgamento arguiu a nulidades dessas decisões, tendo interposto recurso sobre essa matéria que deu entrada em 31 de Dezembro de 2004, pelo que mantém interesse em que o mesmo seja apreciado.

  2. Os factos que constituem os 7º e 8º parágrafos do acórdão recorrido foram incorrectamente considerados como provados (cfr. art. 412º nº 3 alínea a) do C.P.P.), ou seja, a conclusão tirada pelo tribunal a quo de que o primeiro disparo foi efectuado por José Fernandes e só depois o arguido ripostou, não tem suporte na prova produzida em audiência que o tribunal a quo - na fundamentação daquela decisão - reputou determinante para a formação da sua convicção.

  3. Assim, de toda a prova documental e pericial que serviu de base à formação da convicção do Tribunal, (nomeadamente autos de apreensão, relatórios periciais, relatório de autópsia, exames médicos, fotografias, informações clínicas, documentos de fls. 265. a 285 e 442 a 453 e C.R.C), nada serve para fundamentar a tese que o Tribunal recorrido "criou".

  4. Por outro lado, a única prova testemunhal relativa aos factos da pronúncia que o tribunal a quo valorou - depoimento de Urbino Loures e de Orlando Leitão, inspector da polícia judiciária - não serve para formar aquela convicção. O inspector da PJ, porque não assistiu aos factos, não podendo saber quem disparou primeiro, e o de Urbino Loures porque disse peremptoriamente que não viu quem disparou primeiro.

  5. A prova produzida e que o tribunal valorou, impunha a condenação do arguido pelo crime de homicídio (Artigo 412º nº 3 alínea b) do C.P.P.) 7ª. Apesar disso, o tribunal a quo fundamentou nos seguintes elementos o facto de não ter dado como provado que o tiro que vitimou Ilda Salinas tivesse sido disparado pelo arguido A...: - A posição dos intervenientes na discussão e disparos; a trajectória do disparo; o momento em que a vítima é atingida pelo disparo; a arma.

  6. Quanto à posição dos intervenientes na discussão e disparos o tribunal recorrido admite que José Fernandes e A... se encontravam de frente, levantando contudo duas hipóteses: uma primeira em o arguido se encontra de frente para a barraca do José Fernandes e para este, e uma segunda na qual eles se encontram de frente, estando as barracas do lado esquerdo do arguido e direito de José Fernandes.

  7. Ora, a prova produzida não permitia suscitar quaisquer dúvidas ao tribunal quanto a esta matéria, isto porque o documento de fls. 442 a 453 elaborado pelo Sr. Inspector da Polícia Judiciária é um dos elementos que serviram para formar a convicção do tribunal (vide fls. 10 do acórdão recorrido, primeira frase), e este documento tem assinaladas correctamente a posição dos intervenientes, sendo que o Sr. Inspector da PJ prestou os necessários esclarecimentos sobre o mesmo, a testemunha Ana Maria Salinas prestou esclarecimentos confrontada com este documento e esclareceu com precisão o local onde se encontrava a sua mãe (vítima), o arguido e José Fernandes no momento dos disparos; e mesmo que não se valore este depoimento, foi exactamente igual ao que prestou Urbino Loures sobre esta matéria o qual o tribunal valorou.

  8. Assim, face à prova produzida, não ficaram quaisquer dúvidas de que A... se encontrava de frente para José Fernandes e para Ilda Salinas (vítima) que se encontrava atrás de José Fernandes, sendo que o arguido tinha as suas bancas de venda do seu lado esquerdo e José Fernandes tinha as suas bancas de venda do seu lado direito.

  9. E mais, se dúvidas existiam no Tribunal em relação à posição dos intervenientes, então porque indeferiu o requerimento do assistente para se proceder à reconstituição do crime, e também para se proceder a uma mera inspecção judicial? 12ª. Quanto à trajectória do disparo, o tribunal entende que, mesmo que a posição dos intervenientes com o arguido de frente para José Fernandes com a vítima por trás seja verdadeira, esta descrição é incompatível com a trajectória do disparo, referindo a este propósito o tribunal a quo o seguinte: " Mas mesmo a dar como verdadeira tal "descrição" ela é, em nosso entender incompatível com a trajectória do disparo que atingiu a Ilda Salinas - esta foi atingida da direita para a esquerda, de cima para baixo e de frente para trás.

    Se o arguido se encontrava de frente - aparentemente dextro - como é que o disparo atinge a vítima pelo lado direito?" 13ª Ora, sucede que o disparo não atingiu a vítima pelo lado direito. NA VERDADE, O RELATÓRIO DA AUTÓPSIA NÃO REFERE QUE A VÍTIMA FOI ATINGIDA PELO LADO DIREITO COMO PRETENDE O TRIBUNAL, MAS SIM NO ABDOMEN, OU SEJA DE FRENTE!!! (vide relatório da autópsia fls. 195 a 200) 14ª “A direcção do trajecto, seguido pelo projéctil de arma de fogo foi: da direita para a esquerda, de cima para baixo e de frente para trás." (cfr. relatório da autópsia fls. 195 a 200). Ora, se o trajecto da bala é DE FRENTE PARA TRÁS, a vítima nunca poderia ter sido atingida de lado ou no lado direito como pretende o tribunal, pois nesse caso o trajecto da bala não seria de frente para trás, mas sim da direita para a esquerda, atravessando o corpo transversalmente. Sucede que a bala entra de frente no lado direito do corpo e sai atrás no lado esquerdo, sendo que na explicação que deu o Sr. Inspector da PJ, basta um pequeno movimento do corpo para justificar este trajecto.

  10. Por outro lado, o assistente explicou ao tribunal que embora o arguido estivesse de frente para a vítima e para o José Fernandes, não estavam todos em linha recta; um podia estar um metro mais para um lado e outro um metro mais para outro lado. E o que é certo é que a filha da vítima, que confrontada com o croqui da polícia explicou correctamente onde todos se encontravam no momento dos disparos, colocou o arguido em frente à sua mãe, demora desviado para o lado direito, o que explica a trajectória do disparo.

  11. Quanto ao momento em que a vítima é atingida pelo disparo, para afastar que tenha sido pelo primeiro tiro que A.... disparou, como era referido na pronúncia, o tribunal a quo procede a um exercício deveras curioso, ou seja, apesar de ter referido não valorar os depoimentos das testemunhas familiares dos intervenientes por terem todas mentido, acaba por referir os depoimentos de todas estas testemunhas para fazer valer a sua tese.

  12. Mas vai ainda mais longe e refere que o assistente disse que andava de relações cortadas com a sua filha Ana Maria Salinas, O QUE É ABSOLUTAMENTE FALSO E TRATA-SE DE UMA AFIRMAÇÃO QUE O ASSISTENTE NUNCA FEZ.

  13. Quanto a esta matéria, o tribunal apenas tinha que se basear na prova que valorou (já que não valorou o depoimento da filha da vítima, que encontrando-se ao lado da mesma, referiu que a mãe foi atingida pelo primeiro disparo - ou seja, o depoimento do assistente, que referiu que de inicio só viu o arguido e o José Fernandes a disparar, e encontrando-se o José Fernandes de costas, o tiro só podia vir do arguido que atingiu a sua mulher logo com os primeiros disparos.

  14. E o tribunal a quo também omitiu que várias testemunhas referiram, nomeadamente o Sr. Inspector da PJ cujo depoimento foi valorado, que as armas utilizadas - baseado nos invólucros que foram recolhidos - tinham carregadores que podiam disparar entre 8 a 12 tiros de seguida, pelo que o lógico para qualquer homem médio é deduzir que o arguido disparou vários tiros de seguida e não que tenha disparado um único tiro e tenha ficado à espera para ser atingido! 20ª A propósito da arma o tribunal a quo refere o seguinte: "No entanto a própria pronuncia acaba por ser um pouco incongruente: Refere que o primeiro disparo foi efectuado pelo arguido com uma arma de calibre 22 LR, para logo de seguida referir que o arguido disparou sobre o José Fernandes com uma arma cujas características não foi possível apurar…então foram utilizadas duas armas por parte deste arguido? Foi sempre utilizada uma de calibre 22LR? Só a utilizou para aquele tiro? ou foi sempre utilizada a outra cujas características não foi possível apurar!? Perante tanta interrogação e contradição...

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