Acórdão nº 3380/05 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 16 de Novembro de 2005

Magistrado ResponsávelJO
Data da Resolução16 de Novembro de 2005
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na Secção Criminal desta Relação: O Digno Magistrado do Ministério Público acusou a arguida A...

, filha de B... e de C..., natural de Oiã, Oliveira do Bairro, nascida a 25 de Março de 1975, casada, operária fabril, residente na Rua S.to António, Edifício S.to António, bloco 2, 1.° esq., Carris, Oiã Oliveira do Bairro; Imputando-lhe a prática, em autoria material e sob a forma consumada, de um crime de falsidade de depoimento ou declaração, p. e p. pelo art.° 359.°, n.o 1, do C.P # Efectuado o julgamento foi proferida a sentença de fls.197 na qual se condenou A... como autora material e sob a forma consumada, de um crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo art.° 360.°, n.o 1, do C.P., na pena de 200 (duzentos) dias de multa à taxa diária de €4 (quatro euros).

  1. O Tribunal a quo fundou a sua convicção sobre os elementos de prova produzidos e examinados em audiência de julgamento, designadamente ,nos documentos juntos aos autos, certidão de fls. 2 e segs e certidão de fls. 109 e segs e no depoimento da testemunha Jorge dos Santos leal – registo da prova em fita magnética , volts 0249 a 0409 do lado A.

  2. Os documentos provam apenas os factos materiais deles constantes – artº 169º do CPP – sendo que, neste caso, provam apenas a falsidade objectiva ou os elementos objectivos do tipo de crime.

  3. O depoimento da testemunha Jorge dos Santos leal apenas afirmou a prova produzida pelos documentos e nada afirmou com vista a determinar o elemento subjectivo do crime – registo da prova em fita magnética , voltas 0249 a 0409 do lado A.

  4. Ora o crime p. e p. pelo artº 360º, nº 1 do CP, exige o dolo em qualquer das modalidades, ou, como diz o Mº Juiz a quo “falsidade objectiva não equivale sem mais à tipicidade, uma vez que importa ainda que …lhe seja imputável sob o ponto de vista subjectivo” (cfr. douta sentença) .

  5. Nenhum elemento de prova produzido e examinado em audiência demonstra que a arguida sabia e quis produzir um testemunho falso e com o intuito de impedir que sobre o R. na acção sumária 309/00 do Tribunal Judicial de Oliveira do Bairro recaísse sentença condenatória da quantia que aí se pedida, pelo que tal facto não poderia ter sido dada como provado pelo Mº Juiz do Tribunal a quo, verificando-se, assim, erro notório na apreciação da prova – artº 410º, nº 2 al. c) do CPP: 7. Pelo que, para os termos e os efeitos do disposto no artº 412º, nº 3 do CPP, se considera erradamente provado o facto referido na conclusão 6ª,por inexistência total de prova nesse sentido.

  6. O tipo de crime p. e p. pelo artº 360º, nº 1 do CP, exige o preenchimento de todos os respectivos elementos objectivos e subjectivos, pelo que, na falta de qualquer um deles, não há crime, por força do princípio da tipicidade.

  7. Acresce que tal crime não é punível a título de negligência – artigos 360º, nº 1 e 13º do CP.

  8. A douta decisão recorrida, ao decidir da forma que se vem de analisar, violou o disposto nos artigos 410º, nº 2 al. c) e 169º do CPP e 360º, nº 1 e 13º do CP.

  9. Subsidiariamente e atentas as circunstâncias pessoais e sociais da arguida, será de fixar a pena no limite mínimo da moldura do tipo de crime do artº 360º, nº 1 do CP, assim se atendendo ao grau de culpa e ás exigências de prevenção geral e especial.

  10. Termos em que deverá ser concedido provimento ao recurso, substituindo-se a sentença recorrida por decisão que absolva a arguida.

O Mº Pº na comarca respondeu pugnando pela improcedência do recurso para tal concluindo: 1- Para que se verifique o dolo é necessária a prática intencional do facto e o conhecimento pelo agente do carácter ilícito ou imoral da sua conduta.

2- Sem deixar de considerar que, de facto, o dolo é um elemento interior que apenas ao próprio agente diz respeito, não podemos, contudo, deixar de considerar que o mesmo, independentemente dos arguidos prestarem ou não declarações, só pode ser infirmado pela matéria de facto dada como provada.

3 - In casu a arguida optou por não prestar declarações.

4- No entanto, não é por tal motivo que daí se retira que o elemento subjectivo só pode ser aferido pelas próprias declarações dos arguidos, já que os factos pertinentes que permitiram ao Mmº Juiz deduzir a intenção com que a arguida actuou estavam já, na acusação, e por conseguinte, resultaram como provados.

5- Quando é deduzida uma acusação, esta deve conter sob pena de nulidade: “A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada”.

6- A lei exige, pois, a indicação de factos e não de conclusões.

7- Dizer-se que “a arguido quis prestar depoimento, na qualidade de testemunha, perante o Juiz e após prestar juramento, faltando à verdade.” ou “a arguida sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei” ou, ainda, “a arguida agiu livre e conscientemente”, ou é repetir aquilo que se deduz dos factos alegados ou são meras conclusões que deles se extraem.

8- E tanto assim é que a resposta que o Juiz dá a tais questões vai, necessariamente, buscá-la aos factos e não àquelas alegações repetitivas ou conclusivas.

9- Chegado o momento de julgar, o Juiz confronta-se com as perguntas sobre a existência ou não de dolo e de consciência da ilicitude e, para lhes responder, aprecia os factos em que a acção se traduziu e que lhe permitem, no seu todo, concluir pela afirmativa ou pela negativa.

10- O que o legislador pretende é que ao submeter-se uma pessoa a julgamento se defina aquilo que ela “fez” e a postura subjectiva com que agiu.

11- No caso, a única conclusão que se pode retirar é que a ora recorrente quis prestar depoimento, na qualidade de testemunha, perante o Juiz e após prestar juramento, tinha perfeita consciência de estar a faltar à verdade, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

12- Aliás, não se vislumbra qual seja outra a intenção da recorrente em querendo prestar depoimento como testemunha afirma factos que não correspondiam à verdade, que não seja de que a ora recorrente não desconhecia tal facto e a proibição desse comportamento.

13- A dar provimento ao recurso, então, jamais um arguido que optasse pelo silêncio seria condenado, já que o elemento subjectivo, devido à sua natureza intrínseca, nunca poderia ser dado como provado.

A douta sentença proferida pelo Tribunal a quo não deverá merecer qualquer censura, pelo que deve ser negado provimento ao recurso interposto, e mantida aquela decisão condenatória, nos seus precisos termos.

Nesta Relação o Exmo...

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