Acórdão nº 1314/05 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 04 de Maio de 2005

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA MENDES
Data da Resolução04 de Maio de 2005
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra.

Após a realização de contraditório no âmbito do processo comum colectivo n.º 1284/03, da Vara Mista de Coimbra (1ª Secção), foi proferido acórdão que condenou como co-autores de um crime de roubo agravado, previsto e punível pelos artigos 210º, n.ºs 1 e 2, alínea b), 204º, n.º 1, alínea a) e 202º, alínea b), do Código Penal, os arguidos A..., B..., C... e D..., todos devidamente identificados, com aplicação a cada um dos três primeiros da pena de 4 anos de prisão e a cominação ao quarto e último da pena de 3 anos e 6 meses de prisão ( - Os arguidos foram absolvidos do crime de sequestro pelo qual foram também acusados e pronunciados.).

Desta decisão interpuseram recurso todos os arguidos, no entanto, a impugnação apresentada pelo arguidoA... não foi admitida ( - O arguido B... impugnou, ainda, duas decisões tomadas no decurso da audiência e uma proferida após a prolação do acórdão condenatório, sendo as duas primeiras impugnações admitidas para subir com o recurso interposto da decisão final e a terceira para subir imediatamente. ).

Na motivação que o arguido B... apresentou relativa ao recurso da decisão final extraiu as seguintes conclusões: 1. Com o presente recurso devem subir aqueles dois anteriormente interpostos pelo arguido, por força dos despachos proferidos pelo Mm.º Presidente, no decurso na audiência e, por conseguinte, encerrada a produção de prova (art.360º, n.º1) após audição dos Exm.ºs Colegas e atinentes à validade, como meio de prova, das declarações prestadas no referido momento processual (art.361º, n.º1), pelo 1º arguido, cujo conhecimento se reveste de importância crucial com vista ao presente e à assunção da prova feita pela primeira instância. Por outro lado, 2. a matéria constante da pronúncia, configurando, como configura o que poderia chamar-se em sentido translato de “acusação manifestamente infundada”, nunca seria suficiente para suportar a condenação do arguido, o que se demonstrará mais de espaço abaixo, no momento considerado côngruo para o efeito. Ora, 3. finda a produção de prova e iniciada a da discussão (art.360º, n.º1, do CPP), nos termos mais espraiadamente no primeiro dos assinalados recursos, temporalmente considerados, o digno Procurador da República defendeu que o recorrente, em homenagem ao princípio in dubio pro reo, deveria ser absolvido. Logo, 4. tendo os Senhores Juízes aberto, ilegalmente, após as declarações do 1º arguido nos termos do artigo 361º, n.º1, do CPP, uma nova fase de produção de prova e de discussão e tendo então, mas só a partir desse momento, o Mº Pº passado a considerar que o recorrente deveria ser condenado, verificou-se, relativamente às alegações validamente produzidas pelo digno Procurador da República, uma não efectiva sustentação da acusação, que foi convertida em pronúncia, no julgamento, ex adverso do que lhe impõe o art.53º, n.º 2, al.c), do CPP, o que equivale a uma renúncia à pretensão punitiva do Estado, determinada pelo dever de objectividade que assiste ao Mº Pº e assim o arguido não podia senão ser absolvido. Por conseguinte, 5. a respectiva condenação violou a primeira parte do disposto no n.º 5 do art.32º, da Constituição da República, norma esta directamente aplicável (art.18º, n.º1, do mesmo diploma).

  1. A qual (violação) ficou a dever-se a uma dúplice ordem de razões: à írrita reabertura da discussão (com violação do disposto no art.360º, n.º1, primeira parte, não tendo havido lugar à aplicação do disposto no artigo 360º, n.º 4) e à pura e simples desconsideração do disposto no art.32º, n.º 5, primeira parte, do diploma fundamental. E ainda: 7. Como decorre claramente do acórdão, as provas decisivas para a percussão dos espíritos dos Exm.ºs Julgadores foram as “confissões” dos co-arguidos A... e D.... Com efeito, 8. no que concerne a primeira já adrede se deixou dito, crê-se, o suficiente pelo que o então arrazoado, a tal propósito, se dá, por brevidade, como aqui reproduzido 9. pelo que, não podendo a mesma, ex vi lege, servir como prova relativamente aos demais co-arguidos, mas ao considerá-la como tal, ao arrepio do disposto no artigo 361º, n.º1, do CPP 10. os Senhores Juízes, para além de violarem o disposto no assinalado comando, incorreram conexa e inelutavelmente em notório erro de direito na apreciação da prova 11. pelo que, nesta medida e desta perspectiva, no mínimo sempre terão V.ªs Ex.ªs de anular o douto acórdão recorrido (art.410º, n.º 2, al.c), do CPP). Por outro lado, 12. no que concerne à (alegada) “confissão” do D... a mesma mostra-se um amontoado de declarações em si mesmas globalmente contraditórias, ininteligíveis, certas, ainda incompatíveis entre si, algumas outras, pelo que ao referido “meio de prova”, quanto mais não fosse por esta razão, não poderia ser atribuído o valor que os Senhores Juízes, de forma, salvo o devido respeito, assaz incauta, lhe conferiram. Na verdade, 13. o conferir-se às declarações confessórias dos arguidos – e, para mais, àquelas alegadamente confessórias para concitar a simpatia parcial dos Juízes e a sua “bondade”, em termos de medida da pena – o valor de uma prova livremente valorável, é algo que, por não tomar em conta o condicionalismo psicológico que lhes está subjacente, conduz à violação do princípio da “lide leal”, ou do fair trial ou do due process of law, com sede no art.32º, n.º1, da Constituição, no art.6º, da Convenção Europeia e no art.14º do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, diplomas supranacionais estes juridicamente vinculantes na ordem interna portuguesa e normas aquelas directamente aplicáveis 14. tudo normas violadas por os Senhores Juízes, pura e simplesmente, não terem atentado nos respectivos teores perceptivos. E ainda: 15. é errado dizer-se, desde logo por afrontoso da valoração constitucional (art.1º, da CRP) que erige o “princípio da dignidade da pessoa humana” em pedra basilar da compreensão do Estado de Direito Material Português, como o faz o acórdão, que a descoberta da verdade e a realização da justiça, embora com respeito pelos direitos fundamentais, constitua o principal desígnio do processo penal, como o demonstra o ensino de Figueiredo Dias citado em A 4.9.1 da motivação supra 16. como intolerável é a afirmação constante da mesma peça segundo a qual cabe ou pode caber ao arguido tentar evitar que o seu silêncio anterior possa prejudicá-lo, assim o onerando com uma imposição de não-silêncio, em contrapolo com o disposto no art.32º, n.º1,. da Constituição e a parte final do n.º 1 do art.344, do CPP, que mais não é do que a forma de densificação do aludido comando constitucional 17. um e outro, pois, violados por os Senhores Juízes não terem atentado em que a referida afirmação traz imediata e necessariamente conexo o ultraje dos dois comandos e do princípio jurídico-constitucional da plenitude das garantias de defesa.

  2. A concessão da palavra ao Mº Pº, ao advogado do assistente e aos defensores, após a prestação das declarações por parte do 1º arguido, para a produção de novas alegações orais, putativamente ao abrigo do disposto no art.360º, n.º1, do Código de Processo Penal, constitui uma invalidade, prontamente arguida, no acto, pelo recorrente.

  3. Invalidade com claros e graves reflexos na discussão e decisão da “causa”, pelo que devem ser tidas por não produzidas as novas alegações orais, o que importará a anulação do acórdão, com a consequência referida na acima “conclusão” B4.

  4. O recorrente considera incorrectamente julgados os pontos n.ºs 2, 3, 5, 15, 23 e 88 do douto acórdão 21. pois as provas acima transcritas materializadoras das declarações dos arguidos D... – cassete n.º 1 lados A e B, págs. 13 a 43 da motivação - A... – cassete n.º 4, págs.56 a 76 supra – e do assistente E... – cassete n.º 2, fls.81 e ss, supra da motivação – impõem decisão diversa relativamente a esses pontos da matéria de facto.

  5. e, na verdade, que a mesma não pode considerar-se provada.

  6. As declarações do 1º arguido não podem ser assumidas como meio de prova relativamente aos demais co-arguidos – e, muito menos o poderiam, como “factor de convicção decisivo”: conf., supra A 4.2 – valendo exclusivamente como instrumento de defesa do referido co-arguido, como houve oportunidade de referir nos recursos anteriores, com as consequências referidas nas conclusões de um e outro e pela violação das normas jurídicas aí apontadas. Finalmente, 24. ainda que V.ªs Ex.ªs não aderissem às razões precedentemente adiantadas – o que tão só se admite por cautela de patrocínio e sem conceder -, o recorrente não poderia ser condenado como instigador de um crime de roubo, como indevidamente, salvo o merecido e efectivamente nutrido respeito – os Senhores Juízes vieram a considerar. Na verdade 25. da matéria tida como assente não consegue retirar-se o que seria indispensável para escorar uma tal condenação: que se tenha provado qualquer “promessa de pagamento da quantia acordada”, nem que o estabelecimento de acordo entre o 1º e o 2º arguidos, ainda que visando apenas uma abordagem pessoal do assistente, com vista a pressioná-lo, por meio de intimidação 26. mas apenas que o recorrente teria acordado com o 1º co-arguido procedesse este a uma abordagem pessoal junto do assistente, com vista a pressioná-lo, por via de intimidação. Por conseguinte 27. relativamente aos eventos criminosos de brutal violência a que se reportam os autos, não pode dizer-se, face à matéria tida por provada, que o recorrente tivesse o “domínio do facto” 28. Circunstância que denota que, ao considerá-lo instigador, o acórdão errou na interpretação do art.26º, do Código Penal 29. desconsiderando os Senhores Juízes este “nomen iuris”, o crucial numa correcta abordagem do mesmo normativo, que assim interpretaram e aplicaram de forma mecânica e acrítica. E ainda 30. face à matéria tida como provada, e sem prescindir relativamente às reservas de que a mesma e a assunção dela é credora e que se denunciaram acima, o mais que poderia...

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