Acórdão nº 296/05 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 02 de Março de 2005 (caso NULL)
Magistrado Responsável | OLIVEIRA MENDES |
Data da Resolução | 02 de Março de 2005 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra.
Após dedução de acusação particular pelos assistentes A...
, B...
e C...
, com os sinais dos autos, contra o arguido D...
, devidamente identificado, no âmbito do processo de inquérito n.º 3295/03, da 1ª secção dos serviços do Ministério Público na comarca de Leiria, foi proferido despacho de saneamento no qual se rejeitou a acusação por manifestamente infundada, com o fundamento de que os factos nela vertidos não constituem crime, designadamente o de difamação previsto e punível pelos artigos 180º, n.º1, 182º e 183º, n.º 2, do Código Penal.
Os assistentes A... e C... interpuseram recurso em cuja motivação formularam as seguintes conclusões: 1. Para justificar a decisão de não recebimento da acusação, foi abundantemente desafiada a preocupação da defesa da teoria dos direitos, liberdades e garantias do cidadão, em abstracto, e intencionalmente omitida a análise dos direitos do cidadão concreto vítima dos actos ilícitos da “liberdade” daqueles.
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Aliás, até se omitiu a valoração de uma frase, constante da acusação, proferida pelo arguido a propósito das eleições, onde este afirmava que “estas eleições não são discutidas entre A... e D.... São discutidas entre um candidato, uma equipa e um programa e E...”.
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Se é verdade que a Constituição da República garante, no artigo 37º, o direito à liberdade de expressão, o exercício de tal direito cede quando colida com a liberdade dos outros e com os direitos reconhecidos no artigo 26º.
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As condutas que violem os direitos consagrados no citado artigo 26º são proibidas pela lei, estando tipificadas como crime nos artigos 180º a 189º, do C.P.
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O arguido ao afirmar que “estas eleições não são discutidas entre A... e D..., são discutidas entre um candidato, uma equipa e um programa e E...”, pretendia fazer crer que os queixosos eram “testas de ferro” de E..., Presidente da União de Leiria.
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Por outro lado, o arguido, ao afirmar, referindo-se à opção de apoio de alguns clubes à lista doA... e ao confronto da sua lista com a deste, que “não é uma questão de traição, é uma questão de estarem do lado errado do futebol, representamos a parte clara e transparente do futebol, do outro, está a parte negra do futebol português”, pretendia claramente transmitir uma ideia negativa sobre a imagem, a honra e consideração dos assistentes, embora sobre a forma de suspeita de ligação ao sub-mundo… 7. “O elemento moral preenche-se com o conhecimento, por parte do arguido, de que a imputação voluntária do facto, ainda que sob a forma de suspeita, é objectivamente ofensiva da honra e consideração de outra pessoa, dando-lhe publicidade através da imprensa”. Cit. Acórdão da Rel. Évora, de 23.06.1998, in CJ., 1998, III, 287.
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Assim, “nos crimes de difamação cometidos através da imprensa, basta o dolo genérico para integrar o elemento subjectivo da infracção”. Acórdão citado.
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Por outro lado, o arguido, ao afirmar que a lista dele “foi constituída com critério e rigor. Não andámos a vender lugares como outros”, pretendia, de forma indirecta dizer que os assistentes andaram a praticar “favorecimentos” a troco de apoios.
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Depois, ao dizer a propósito de afirmações públicas do candidato A... sobre os apoios dos clubes à lista deste, que “prova que as pessoas conseguem mentir com a mesma facilidade com que respiram”, pretendia transmitir a ideia de total falta de credibilidade e de seriedade das pessoas que formavam a lista dos recorrentes.
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As expressões proferidas pelo arguido ofendem claramente a honra dos assistentes, a qual “deve entender-se o elenco de valores éticos que cada pessoa humana possui, tais como o carácter, a lealdade, a probidade, a rectidão, ou seja, a dignidade subjectiva, o património pessoal e interno de cada um”. Cit. Acórdão da Rel. Lisboa, de 06.02.1996, in CJ., 1996, I, 156.
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Ofendem também a consideração dos assistentes, entendida com “o merecimento que um indivíduo tem no seu meio social, isto é, o bom-nome, o crédito, a confiança, a estima, a reputação, ou seja, a dignidade objectiva, o património que cada um adquiriu ao longo da sua vida, o juízo que a sociedade faz de cada cidadão, em suma a opinião pública”. Acórdão citado.
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Tal como entendeu o S.T.J. por acórdão de 19.4.1990 (B.M.J., 369, 270) em caso semelhante, onde decidiu que “comete o crime de injúrias o arguido que dentro da sala de audiências perante os Magistrados que compunham o Tribunal e logo após a leitura da decisão que o condenou, proferiu de viva voz as expressões é uma injustiça e não há justiça”.
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Ao contrário do que se afirma no despacho recorrido, a conduta do arguido não se limitou a “atacar a formação da lista, e atacar o programa da lista em causa e patrocinada pelos assistentes recebidos”, pois tal ataque deveria ter sido feito de outra forma, certamente com elevação, e, por outro lado, sobre o programa nada foi dito e sobre a forma como foi feita a lista e apoios recebidos apenas foi dito que os assistentes “andaram a vender lugares” e que (indirectamente) eram testas de ferro e não eram sérios.
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Nem se diga que o arguido pretendia fazer reverter a seu favor o resultado eleitoral, pois, se assim fosse, deveria fazê-lo sem ofender a honra e a consideração de todos os outros candidatos. Os fins não justificam os meios.
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Assim, quer se tratasse de eleições para os órgãos da Associação de Futebol de Leiria, quer se tratasse de eleições para o Conselho Superior de Magistratura, a conduta do arguido preencheu o tipo de crime de que vem acusado.
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No caso em apreço, estamos perante uma situação em que os indícios são suficientes e a prova bastante, por ser de considerar “altamente provável a futura condenação do acusado ou esta ser mais provável do que a sua absolvição”, nos termos do disposto no artigo 283º, do C.P.P.
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Nos termos do disposto no artigo 311º, n.ºs 2, alínea a) e 3, do C.P.P., a acusação só seria de rejeitar se fosse manifestamente infundada.
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“Manifestamente infundada é a acusação que, por forma clara e evidente, é desprovida de fundamento, seja por ausência de factos que a suportem, seja porque os factos não são subsumíveis a qualquer norma jurídico-penal, constituindo flagrante injustiça e violência para o arguido a designação do julgamento”. Cit. Acórdão da Rel...
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