Acórdão nº 756/05-1 de Tribunal da Relação de Évora, 24 de Maio de 2005

Magistrado ResponsávelFERNANDO RIBEIRO CARDOSO
Data da Resolução24 de Maio de 2005
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, precedendo audiência, na Relação de Évora: 1.

Nos autos de processo comum singular n.º …do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de …, o arguido, J.M., melhor identificado nos autos, foi acusado da prática de factos consubstanciadores da autoria material de um crime de maus-tratos, previsto e punível nos termos do disposto no art. 152.º n.º 1 e 2, do Código Penal, bem como de um crime de ameaça, p. e p. pelo art. 153 n.º1 e 2 do mesmo diploma.

  1. Submetido a julgamento, o Tribunal, por sentença de 19-1-2005 (fls. 163 a 179), no que ao presente recurso importa, decidiu: a) Condenar o arguido pela prática, em autoria material, de um crime de maus-tratos, previsto e punido pelo artigo 152 n.º1 e 2, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão; b) Condenar o arguido pela prática, em autoria material, de um crime de ameaça, previsto e punido pelo artigo 153 n.º1 e 2 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão; c) Em cúmulo jurídico, condenar o arguido na pena única de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão: d) Suspender, nos termos do artigo 50 do Código Penal, a execução da referida pena de prisão pelo período de 4 (quatro) anos, subordinada ao dever de o mesmo proceder, no final de cada período anual de suspensão, ao depósito da quantia de € 300,00 (trezentos euros) na Caixa Geral de Depósitos, à ordem do Tribunal, o qual, posteriormente, remeterá tais quantias, na sua totalidade, à Associação Portuguesa de Apoio à Vitima; e) Declarar perdidos a favor do Estado os objectos identificados a fls. 57, por os mesmos terem servido para a prática de factos ilícitos típicos e, pela sua própria natureza, oferecerem sério risco de serem utilizados para o cometimento de novos crimes.

  2. Inconformado, o arguido veio interpor recurso daquela sentença pugnando pela sua revogação e pela prolação de nova decisão que, tendo em conta o reexame da matéria de facto o absolva. Ou, caso tal não seja possível corrigir a falta de fundamentação para a decisão e/ou ultrapassar as contradições, deve o processo ser enviado para novo julgamento.

    Extrai da correspondente motivação as seguintes (transcritas) conclusões: 1) O recorrente não praticou nenhum acto que consubstanciasse um crime de maus-tratos.

    2) O recorrente não praticou nenhum acto que consubstanciasse um crime de ameaças.

    3) A prova produzida não permite concluir que existem maus-tratos a cônjuge.

    4) A prova produzida não permite concluir que ameaças.

    5) A decisão proferida considera provados e não provados factos que são contraditórios entre si.

    6) 0 Tribunal a quo incorreu no vício da contradição insanável da fundamentação.

    7) Com a prova produzida em julgamento não podia o Tribunal considerar como provados os factos que considerou existindo um deficiente exame crítico da prova.

    8) Existe uma errónea valoração das provas produzidas em audiência de julgamento.

    9) Existe um erro notório na apreciação da prova (art. 410, 2, c) do CPP.

    10) Existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. 410, 2.

    11) Foram violadas as disposições legais constantes dos art.51 n.º2, 152 n.º1 e 2 e 153 n.º1 do Código Penal.

    12) Foram violadas as disposições legais constantes dos art. 374 n.º 2, 379 n.º 1, alíneas a), b) e c) do Código do Processo Penal.

    13) A sentença proferida é nula.

    14) Deve assim ser declarado que a condição de suspensão da execução da pena é impossível.

    15) Deve subsistir a decisão na parte em que suspende a pena, sem qualquer condição.

  3. O recurso foi admitido por despacho proferido em 21 de Fevereiro, p.p. (v.fls.199).

  4. Ministério Público no tribunal "a quo" veio responder, nos termos constantes de fls.202 a 204, sustentando a improcedência do recurso, concluindo nos seguintes termos: - O recorrente apesar da enumeração de vários vícios da sentença, aliás de conhecimento oficioso, não tem razão nessa parte; - A prova produzida resultou da bem fundamentada ponderação das versões apresentadas em audiência, em obediência a critérios de credibilidade, com respeito pelas regras da experiência comum.

    - Em rigor o recorrente apenas põe em causa - sendo assim esse o único objecto do recurso - a condição imposta para a suspensão da pena.

  5. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto nesta Relação, acompanhando a resposta que à motivação do recurso foi oferecida, em primeira instância, pelo Ministério Público, entende que o recurso deve ser julgado improcedente.

  6. Cumprido o disposto no art. 417.º n.º2 do CPP e corridos os vistos legais, teve lugar a audiência, na qual foram proferidas alegações orais.

    II8.

    Na primeira instância foram dados como provados e não provados os seguintes factos: 8.1 - Factos provados: I. J.M. é casado com I.M., desde o dia 8 de Novembro de 1997.

    1. No dia 19 de Setembro de 2002, I.M. abandonou a residência de ambos, sita…, em Évora, levando consigo os dois filhos do casal de 2 e 4 anos de idade.

    2. I. M. tomou tal atitude por causa do comportamento tido por J. M. durante o tempo em que residiram juntos.

    3. J. M. vivia obcecado com o facto de alguém se intrometer na vida do casal, designadamente, os familiares da sua mulher, mostrando-se extremamente ciumento.

    4. Por isso, amedrontava constantemente I. M., exibindo a caçadeira e a pistola que possuía e dando a entender-lhe que não hesitaria em usá-las caso esta deixasse que alguém interferisse entre ambos.

    5. Em data concretamente não apurada, situada entre os três últimos meses de vivência em comum, I.M. chegou a casa com os dois filhos e encontrou o marido J. M. sentado no sofá a limpar a sua caçadeira, "Pietro Beretta", modelo "AL391 Urica ", calibre 12, com os n.º de série AA012707, apresentando o n.º AB008904, e com o livrete n.º M62377. Este ao aperceber-se da presença de sua mulher, apontou a referida arma em sua direcção dizendo, "qualquer dia vais tu".

    6. Durante o tempo de vida em comum J. M. dirigiu várias vezes à sua mulher Isabel Maia a seguinte expressão: "qualquer dia separo-te a cabeça do corpo".

    7. No dia 30 de Agosto de 2002, cerca das 23,00 horas, o arguido contactou telefonicamente N. C. dizendo-lhe para comparecer em sua residência, o que aquele fez.

    8. N.C. dirigiu-se de imediato, acompanhado de sua mulher A. C., à casa de J. e I. M.

    9. Aí chegado, o arguido questionou N. C. sobre o comportamento que aquele tivera em 19 de Agosto de 2002, na festa de aniversário do pai de N. e I., pretendendo saber se o facto de N. C. se ter levantado abruptamente da mesa estaria relacionado com a sua presença.

    10. N. C. respondeu que não se levantara da mesa por causa da presença do arguido, tendo este retorquido que resolveria o que quer que fosse necessário "à pancada", que não tinha medo de ninguém e que enfrentaria quem quer que fosse para que ninguém se intrometesse na sua vida, incluindo N. C..

    11. De seguida, o arguido dirigiu-se a uma arca, retirando do seu interior uma pistola, cujas características concretas não se apuraram, que apontou à cabeça de N. C., puxando a culatra para trás e fazendo sair uma munição pela janela de ejecção, dizendo a N.C. que "se não for com as mãos é com isto, arrumo qualquer um".

    12. O arguido manteve sempre um diálogo intimidatório durante a presença de N. e A. C. na sua residência, dando a entender que mataria quem tentasse interferir na sua vida e na da queixosa.

    13. Nesse dia o arguido havia ingerido bebidas alcoólicas; XV. Ao agir da forma descrita, o arguido quis e conseguiu maltratar I.M. sobretudo a sua saúde psíquica, fazendo-a viver em permanente sobressalto por força das expressões que proferia, bem sabendo que a sua conduta - invocando ou exibindo armas que detinha - era idónea a provocar medo em I. M., como efectivamente provocou.

    14. Sabia, ainda, o arguido, que ao empunhar uma pistola na direcção de N. C., no contexto em que o fez, agia de forma idónea a provocar-lhe receio pela sua vida ou, pelo menos, pela sua integridade física, o que quis e conseguiu.

    15. O arguido agiu de forma livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas são proibidas e punidas por lei.

      Mais se provou: XVIII. O arguido exerce a profissão de fiel de armazém, auferindo mensalmente a quantia de € 480,00 (quatrocentos e oitenta euros).

    16. O arguido paga a quantia mensal de € 150,00 (cento e cinquenta euros), a título de alimentos aos seus filhos.

    17. Com o pagamento do empréstimo bancário contraído com a realização de obras na sua residência, despende mensalmente cerca de € 125,00 (cento e vinte e cinco euros).

    18. Como habilitações literárias o arguido possui o 6.º ano de escolaridade.

    19. No âmbito do processo sumário n.º 125/03.OGBRMZ, do Tribunal Judicial da Comarca de Reguengos de Monsaraz, J. M. foi condenado, por sentença proferida em 16.08.2003, transitada em julgado, na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), num total de € 450,00 (quatrocentos e cinquenta euros), pela prática, em 16.08.2003, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292 do Código Penal.

      8.2 - O tribunal deu como não provados os factos seguintes: - Que no dia 19 de Setembro de 2002, o arguido procurou a sua sogra A.C., perguntando-lhe onde estava a sua filha I., advertindo-a que se a queixosa não regressasse matá-los-ia a todos, referindo-se à ofendida e aos seus irmãos; - Que no dia 30 de Agosto de 2002, cerca das 23,00 horas, o arguido estivesse alcoolizado; 8.3 - Motivação da decisão de facto: 0 Tribunal baseou a sua convicção no conjunto da prova produzida em audiência de julgamento, quanto aos factos provados: - No depoimento prestado pela testemunha N.C.

      , o qual confirmou os factos constantes de IV, VIII, IX, X, XI, XII e XIII; além disso, referiu ter sentido medo com a actuação do arguido.

      N. C. depôs de forma clara e precisa, revelando um conhecimento directo de tais factos, merecendo, por via disso, total credibilidade o seu depoimento.

      - No depoimento da testemunha A.C.

      , a qual confirmou os factos constantes de IV, VIII, IX, X, XI, XII, XIII e XIV; A...

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