Acórdão nº 186/05-1 de Tribunal da Relação de Évora, 26 de Abril de 2005 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelRUI MAURÍCIO
Data da Resolução26 de Abril de 2005
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACÓRDÃO Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: 1. No presente processo nº … do 1º Juízo Criminal do Tribunal da Comarca de …, em que o Digno Magistrado do Ministério Público requerera o internamento compulsivo de A, melhor identificado nos autos, o Mmº. Juiz, logo que os autos lhe foram presentes, entendendo não se justificar o seu prosseguimento por não estarem reunidos os pressupostos que determinam o internamento compulsivo, nomeadamente por inexistência de anomalia psíquica grave por parte do internando, por despacho proferido em 3 de Dezembro de 2004, decidiu ordenar o oportuno arquivamento dos mesmos.

Inconformado com aquele despacho, dele interpôs o Digno Magistrado do Ministério Público o presente recurso, rematando a respectiva motivação com as conclusões que a seguir se transcrevem: 1ª- No caso concreto, o MºPº requereu o internamento compulsivo de A, tendo alegado no requerimento inicial que o requerido sofre de alcoolismo e que por isso tem um comportamento instável, agressivo e conflituoso, descrevendo os concretos factos de onde essa conclusão é inferida, que o requerido tem capacidade cognitiva para o efeito mas nega sofrer de qualquer doença e recusa submeter-se a tratamento, o qual tem que ser feito em internamento para remover o perigo para a integridade física e tranquilidade dos familiares com quem convive; 2ª- A decisão recorrida indeferiu liminarmente tal requerimento, com o fundamento de que não se encontram preenchidos os requisitos do internamento compulsivo, previstos no art. 12º, da LSM, nomeadamente por inexistir anomalia psíquica grave por parte do requerido. Tal conclusão partiu da consideração de que a perigosidade do requerido não pode ser resolvida no âmbito da Lei de Saúde Mental (LSM, aprovada pela Lei n° 36/98, de 24 de Julho), uma vez que esta visa o internamento compulsivo apenas de quem seja portador de anomalia psíquica grave e que o alcoolismo não integra essa noção de anomalia psíquica grave, nem foi alegada a existência de doença que possa ser considerada como tal; 3ª- No âmbito da Lei de Saúde Mental, o conceito de anomalia psíquica grave, constante nos arts. 1°, 6° e 12º, é utilizado em sentido médico; 4ª- O conceito de anomalia psíquica é de conteúdo relativamente indeterminado e amplo, por forma a abranger as doenças mentais e qualquer perturbação das faculdades intelectuais ou intelectivas, afectivas ou volitivas, adaptando-se à evolução da ciência; 5ª- Por isso, tal conceito só podendo ser preenchido em concreto e individualmente, mediante avaliação clínico-psiquiátrica (art. 17º, da LSM), mas de acordo com os critérios internacionalmente aceites à data da sua realização; 6ª- São várias as perturbações mentais e do comportamento decorrentes do alcoolismo, que podem ser consideradas anomalia psíquica grave, nomeadamente aquelas que revelem quadros clínicos mais graves: delírio alcoólico agudo ou Delirium Tremens, intoxicação alcoólica grave, Síndrome de Wernicke-Korsakof, outros quadros encefalopáticos, embriaguez patológica, demência alcoólica, entre outros, que só em concreto podem ser identificados e concretizados; 7ª- Apenas através da perícia médica (ou avaliação clínico-psiquiátrica) se pode concluir se o requerido padece de alcoolismo ou de algum distúrbio psíquico causado por alcoolismo, que o determine a ter comportamentos perigosos, e que careça de tratamento para ser curado (nomeadamente através do internamento); 8ª- A realização de avaliação clínico-psiquiátrica é obrigatória nos termos do art. 16°, n° 1, da LSM; 9ª- O juízo médico sobre a existência ou inexistência de anomalia psíquica grave está subtraído à livre apreciação do julgador, nos termos do n° 5, do art. 17º, da LSM; 10ª- A decisão que ponha termo ao processo, quando tenha por fundamento a existência ou inexistência de anomalia psíquica grave, tem que ser obrigatoriamente baseada em juízo técnico-científico inerente à avaliação clínico-psiquiátrica previamente realizada; 11ª- Sendo obrigatória a realização da avaliação clínico-psiquiátrica, para apurar da inexistência de anomalia psíquica grave, e sendo tal juízo vinculante, a decisão de indeferimento liminar que tem por base a conclusão de inexistência de anomalia psíquica grave aferida pelo Mm°. Juiz e não por técnico de saúde, é nula por falta de prova pericial, ou seja, por se pronunciar sobre questões cujo conhecimento lhe está subtraído por falta de qualidades técnicas - arts. 17º, nº 5 e 9º, da LSM. e 2ª parte da alínea c) do n° 1 do art. 379º do CPP; 12ª- O requerimento inicial de internamento compulsivo não obedece a especiais formalidades, nem exige a instrução com relatórios psicossociais ou clínicos, a qual é facultativa, nos termos do art. 14°, nºs 1 e 2, da LSM; 13ª- Apenas o juiz, no âmbito de processo de internamento compulsivo já iniciado, pode ordenar a emissão de mandados de condução do requerido para comparecer à realização de avaliação clínico-psiquiátrica; 14ª- Não é exigível que o requerente alegue todos os sintomas sentidos pelo requerido, nem a identificação do concreto distúrbio psíquico sofrido pelo requerido, nem a classificação desse distúrbio como anomalia psíquica grave, quando sejam desconhecidos tais elementos por não existir diagnóstico, devido à recusa do requerido em se submeter a consulta médica; 15ª- O indeferimento liminar do requerimento inicial de internamento compulsivo encontra-se reservado para situações muito excepcionais, ou seja, quando o requerente não tenha legitimidade e não sejam alegados quaisquer factos que indiciem a existência de anomalia psíquica grave por parte do requerido, de que sofra de quaisquer distúrbios psíquicos que sejam causa do comportamento perigoso do requerido para com bens jurídicos de relevante valor (próprios ou alheios, pessoais ou patrimoniais) e de que seja necessário administrar compulsivamente o tratamento médico; 16ª- Não foi alegado directamente, mas fica implícito do teor do requerimento, que o alcoolismo do requerido é causa de distúrbios psíquicos, os quais por sua vez determinam esses comportamentos violentos, agressivos e conf1ituosos; 17ª- A alegação foi feita nesses termos por não se conhecerem os concretos distúrbios psíquicos sofridos pelo requerido, devido à ausência de diagnóstico, sabendo-se apenas que são causados pelo alcoolismo; 18ª- Uma vez que os distúrbios sofridos pelo requerido só podem ser diagnosticados por técnicos de saúde, o processo tem que prosseguir por forma a apurar se este padece de anomalia psíquica grave; 19ª- Poderá haver lugar a despacho de aperfeiçoamento mas não de indeferimento liminar, porque os factos alegados deixam implícita a existência de distúrbios psíquicos, os quais poderão ser classificados como anomalia psíquica grave, e porque todos os outros requisitos de internamento compulsivo, previstos no n° 1, do art. 12º da LSM, encontram-se alegados no requerimento inicial; 20ª- Assim, o não prosseguimento dos autos consubstancia uma violação do direito fundamental do requerido à saúde mental e à sua integração crítica no meio social envolvente. nos termos dos arts. 25°, n° 1, 64° e...

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