Acórdão nº 1135/04-1 de Tribunal da Relação de Évora, 09 de Novembro de 2004

Magistrado ResponsávelRUI MAURÍCIO
Data da Resolução09 de Novembro de 2004
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em audiência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: 1. No presente processo comum com intervenção do tribunal singular, vindo do Tribunal Judicial da Comarca de …, onde tinha o nº …, por sentença proferida em 17 de Fevereiro de 2004, foi o arguido J, devidamente identificado nos autos, julgado e condenado, como autor material de um crime de difamação previsto e punido pelos arts. 180º, nº 1 e 183º, a), ambos do Código Penal, na pena de 140 dias de multa à taxa diária de € 7,00, o que perfaz a multa global de € 980,00 (novecentos e oitenta euros).

Na mesma sentença, julgando-se parcialmente procedente por parcialmente provado um pedido de indemnização civil formulado pela assistente A, melhor identificada nos autos, foi o arguido e demandado condenado a pagar àquela a quantia de € 2.000,00 (dois mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais.

Não conformado com a sentença que assim o condenou, dela traz o arguido o presente recurso, rematando a respectiva motivação com as conclusões que a seguir se transcrevem: 1ª- A expressão usada pelo arguido, ora recorrente, no dia 5 de Dezembro de 2001, durante um comício, em …, realizado no âmbito da campanha eleitoral para a eleição de órgãos autárquicos, é produzida no contexto do debate político e não extravasa o âmbito da crítica objectiva, sendo, por isso, atípica do ponto de vista jurídico-penal; 2ª- A liberdade de expressão é particularmente preciosa para um eleito do povo, por representar os eleitores, assinalar as suas preocupações e defender os seus interesses; 3ª- Por assim ser, a expressão empregue pelo ora recorrente, durante o assinalado comício, fundada em informação de um munícipe, prestada perante terceiros, não cai no âmbito da tipicidade do crime p.p. pelo art. 180º do Código Penal, ou por se encontrar a coberto do exercício legítimo do direito de liberdade de expressão previsto no art. 37º, nºs 1 e 2 da Constituição; 4ª- Assim sendo, a douta sentença recorrida violou o art. 180º do Código Penal e o art. 37º, nºs 1 e 2 da Constituição.

Termina o recorrente pedindo que seja revogada a douta sentença recorrida.

À motivação responderam o Digno Magistrado do Ministério Público e a assistente, pugnando ambos pela manutenção, nos seus precisos termos, da sentença recorrida, produzindo o primeiro as seguintes conclusões: I- A intervenção em qualquer actividade política não acarreta, por tal facto, para o participante, uma renúncia voluntária à tutela da sua honra e consideração, ou seja, quem se apresenta a participar no debate político não padece, por esse facto, de uma qualquer capitis diminutio; II- O que deve ser criticado no âmbito do "combate político" é a "obra" do interveniente; III- Nas expressões proferidas pelo arguido, o mesmo extravasou da simples crítica objectiva para imputar à assistente factos ou condutas desonrosas da sua vida pessoal; IV- Ao contrário do que pretende o recorrente, o direito constitucional de liberdade de expressão não é um direito "ilimitado" ou sem restrições, atento o disposto no art. 37°, nº 3, 1ª parte, da Constituição da República Portuguesa, e a necessária sujeição aos princípios gerais de direito criminal; V- O arguido preencheu, com a sua conduta, e tendo em conta os factos dados como provados na douta sentença proferida, o tipo objectivo e subjectivo de crime previsto no art. 180º, nº 1 do Código Penal, e 183°, nº 1, alínea a) do mesmo diploma legal, não existindo qualquer atipicidade no caso em análise; VI- Nessa medida, o recurso interposto pelo arguido deve improceder na íntegra, mantendo-se a qualificação jurídica e a pena nas quais o arguido foi condenado.

Por sua vez, são as seguintes as conclusões formuladas pela assistente: A- Não se conformando com a douta sentença, o arguido interpôs o presente recurso alegando que a expressão proferida pelo recorrente "Em vez de tratar os doentes anda a fazer política e campanha eleitoral e em vez de tratar doentes andou oito dias à procura de um cão" por ter sido proferida durante um comício eleitoral e não extravasa o âmbito da crítica objectiva; B- E ainda que, tendo a expressão proferida pelo recorrente no aludido comício sido fundada em informação prestada por um munícipe, não cai no campo da tipicidade do art. 180º do C. Penal e também por estar a coberto do exercício legítimo do direito de liberdade de expressão consagrada pelo art. 37º da Constituição Portuguesa; C- Tal entendimento não poderá produzir os efeitos pretendidos por falta de causas de justificação; D- Foram proferidas palavras criteriosamente direccionadas para a recorrida e susceptíveis de a atingir pessoalmente na sua honra e consideração profissional e pessoal; E- O recorrente não se referiu às obras, realizações ou prestações efectuadas pela titular do cargo de directora do Centro de Saúde de … mas atingiu directamente a pessoa da recorrida, atingindo tais expressões relevante dignidade penal; F- E como refere e bem a Mmª. Juiz a quo na sua douta sentença, o direito à livre expressão, ou seja, o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento, ..."vale com força acrescida quando está em causa o exercício de uma actividade política e do confronto de ideias em sede de luta político-partidária, o que leva a que a consciência social dominante se mostre mais permissiva e tenha como inócuas algumas atitudes nesta sede. (...) Tal não significa, no entanto, que esses limites não existam para a consciência ético-normativa social (...) desde logo existirão, quando no âmbito de tal actividade forem proferidas imputações que extravasem o âmbito das relações pessoais"; G- O que efectivamente aconteceu nas expressões em apreço; H- Neste sentido encontramos o Comentário Conimbricense, Tomo I, ao Código Penal "a existência de um interesse público na divulgação dos factos não decorre automaticamente da natureza pública da actividade a que esses factos se reportam, nem, sequer, da circunstância de os factos narrados constituírem objecto de uma decisão que, por força da lei, deve ser publicada"; I- Acresce ainda que, a expressão proferida pelo recorrido não reproduz na íntegra a informação prestada pelo munícipe, cujo depoimento não foi isento, tendo ficado provado que a recorrida nunca deixou de atender pacientes para ir procurar o seu cão desaparecido em Junho de 2000, sendo certo que não ficou provada em audiência de julgamento a veracidade da mesma; J- Por outro lado, não ficou provado na douta sentença proferida pela Mmª. Juiz a quo que "o arguido tivesse fundamento sério para acreditar na veracidade das informações que lhe foram prestadas pelo munícipe …"; K- Nem existe qualquer relação de coincidência entre a informação prestada pela testemunha … e a expressão proferida pelo recorrente, chegando mesmo estas a um imenso exagero; L- Concluindo, muito bem e com elevado critério de julgamento, a Mmª. Juiz que "as afirmações proferidas pelo arguido são objectiva e socialmente ofensivas da honra da assistente, enquanto médica, cuja dedicação e profissionalismo foi posto em causa e porque as mesmas não se limitam a uma crítica objectiva do seu trabalho, mas sim pessoal (numa vertente profissional) que extravasam o âmbito permitido pela norma, ou seja, ultrapassam os limites da liberdade de expressão, entrando em rota de colisão com o direito à honra e ao bom nome. Nessa medida, está excluída a atipicidade da conduta que, consequentemente, preencheu o elemento objectivo típico do crime de difamação"; M- Acontece, porém, que, apesar da Constituição da República Portuguesa, no seu art. 37º, consagrar o direito fundamental da liberdade de expressão e informação, esse direito não tem o seu exercício limitado e sofrerá a compressão imposta pelo direito fundamental com consagração imposta como...

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